"As Duas Faces do Mafioso "
O sol da primavera russa filtrava-se pelas vastas copas dos carvalhos centenários que cercavam a propriedade dos Volkov. Para o mundo exterior, era um dos maiores e mais opulentos palacetes nos arredores de Moscou, um monumento à riqueza incalculável do patriarca, Viktor Volkov. Para Luck, aos seus tenros dez anos, era apenas a sua casa, um labirinto de corredores polidos e jardins infinitos onde ele e Isabella podiam ser apenas crianças.
Luck não entendia bem os sussurros sobre o “negócio da família” ou por que seu pai, Viktor, tinha um olhar tão duro e poucas palavras gentis. Ele sabia apenas que a vida dentro daqueles muros era grandiosa, mas solitária. Solitária, isso é, até Isabella.
Isabella Petrov. Não era sua prima de sangue, mas os pais dela, há muito tempo ligados aos negócios dos Volkov, permitiam que a garota passasse os verões ali, uma tradição que Luck ansiava mais do que qualquer feriado. Isabella era a própria luz. Com seus cabelos cor de mel sempre bagunçados pelo vento e um sorriso que desarmava qualquer sombra, ela era o contraponto perfeito à severidade que começava a permear a vida de Luck.
Eles passavam as manhãs nos estábulos, Luck, com sua inseparável boina de lã, tentando parecer corajoso enquanto Isabella, com sua risada aguda, o desafiava a pular cercas mais altas. As tardes eram dedicadas ao seu refúgio secreto: um gazebo coberto de hera no canto mais afastado do jardim, onde as árvores eram tão densas que o resto do mundo parecia desaparecer. Ali, sob o teto verdejante, eles compartilhavam segredos de criança, sonhos tolos e promessas inocentes.
"Quando eu crescer, vou comprar uma casa com um jardim igual a este, só para nós dois", Isabella sussurrava um dia, enquanto Luck desenhava um mapa de tesouro imaginário na terra.
Luck, com os olhos fixos nela, o coração infantil batendo forte, respondeu sem hesitação: "Não precisa. Você pode morar aqui. Eu vou proteger você, Isabella. Sempre."
A promessa soou grandiosa e pura, um eco da ingenuidade que ainda o definia. Luck não percebia que o mundo que ele prometia proteger Isabella era o mesmo que, em breve, a arrancaria dele.
O dia em que a luz se apagou chegou com a brutalidade fria de um inverno precoce. Luck estava no salão principal, brincando com soldadinhos de chumbo, quando ouviu vozes alteradas vindo do escritório de seu pai. A voz grave de Viktor, pontuada por exclamações apreensivas do pai de Isabella, Mikhail.
"É para a segurança dela, Mikhail! Você não entende? Quanto mais ela permanecer aqui, mais vulnerável estará", ouviu Viktor. A palavra "vulnerável" perfurou a mente de Luck.
Poucas horas depois, a mãe de Isabella, com os olhos inchados, puxou a filha para um abraço apertado. Isabella estava confusa, seu sorriso apagado, substituído por uma expressão de pânico. Ela virou-se para Luck, os olhos marejados.
"Eu vou embora, Luck. Eles disseram que eu tenho que ir", ela conseguiu dizer, a voz fina e trêmula.
O mundo de Luck desabou. Ele correu até ela, agarrando suas mãos miúdas, a promessa de proteção ecoando inutilmente em sua mente. "Não! Você não pode ir! Eu disse que ia cuidar de você!"
Mas ele era apenas um menino, e a mão invisível da máfia de seu pai era mais forte que qualquer promessa infantil. Viktor Volkov, com seu olhar gélido, observava de longe, impassível. Para ele, Isabella era uma peça fora do lugar no tabuleiro de xadrez de seu filho, um risco que precisava ser eliminado para forjar o líder implacável que ele queria que Luck se tornasse.
Isabella foi levada. O carro preto se afastou pela longa alameda, e Luck ficou ali, paralisado, observando até que o veículo desaparecesse na neblina do entardecer. As palavras de Isabella, "Eu tenho que ir", eram um veneno em sua alma. Ele não havia conseguido protegê-la. A impotência queimava, um fogo frio.
Naquela noite, Luck não chorou. A dor era profunda demais para lágrimas. Em vez disso, uma semente de algo sombrio começou a germinar em seu coração. A ingenuidade foi estraçalhada, e em seu lugar, nasceu uma determinação silenciosa, endurecida pela perda. Ele não falharia novamente. Ele a encontraria. E quando o fizesse, nada e nem ninguém a tiraria dele de novo.
O jardim escondido, antes o santuário da sua inocência, tornou-se o túmulo de sua alma de menino. O Luck que amava Isabella com pureza morrera ali, na promessa quebrada de protegê-la. E a partir de suas cinzas, começava a se erguer a figura impiedosa que o futuro lhe reservava.
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Atualizado até capítulo 39
Comments
Serena Martins
Mulher ,estou amando esse livro.
Como assim ,não tem mais visualizações?
2025-07-04
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