A luz fraca do amanhecer filtrava pelos vidros embaçados da sala da pousada onde Mirella havia se instalado desde seu retorno. Ela estava sentada no sofá, com as mãos entrelaçadas, olhando para o teto sem realmente enxergar.
O beijo que dividira com Gabrielle naquela madrugada queimava em sua pele, e mesmo querendo afastar o pensamento, a lembrança insistia em ocupar cada pedaço da mente. Era um emaranhado de sentimentos que ela não sabia como desfazer — uma mistura de desejo, raiva, medo e esperança.
O telefone vibrou no bolso. Era Emilly.
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Do outro lado da cidade, Emilly tentava encontrar algum respiro para a confusão que Sara deixara em seu peito. Ela não queria admitir que ainda sentia falta, que cada gesto daquela irmã de Gabrielle ainda a perfurava por dentro.
Naquele dia, ela apareceu no bar com Lara, uma amiga colorida com quem tinha um relacionamento casual, nada sério, mas que a fazia rir, a fazia esquecer. Lara tinha o cabelo rosa choque, tatuagens espalhadas pelo corpo, e um jeito despretensioso que contrastava com o ambiente pesado da favela.
— Você precisa sair dessa vibe, Emilly. — Lara dizia, enquanto brindavam no balcão. — A Sara não vale isso tudo.
— Eu sei, mas é difícil, sabe? Ela mexe comigo de um jeito que ninguém mexeu.
— Então vamos fazer ela se arrepender de cada segundo que te ignorou. — Lara piscou, com um sorriso safado.
Emilly riu, e por um momento, conseguiu se desligar dos fantasmas.
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De volta à pousada, Mirella recebeu Emilly mais tarde naquela noite. A amiga parecia mais leve, com um brilho diferente nos olhos, mas ainda havia sombras quando falava de Sara.
— Eu tentei, Mirella. — confessou Emilly, sentando no chão ao lado do sofá. — Juro que tentei não pensar nela. Mas tá difícil.
Mirella soltou um suspiro.
— Quando a gente sente, não tem como desligar a vontade, Emilly. Só o tempo ajuda.
— E você? Como tá lidando com a Gabrielle?
— Não tô. — Mirella admitiu, olhando para as próprias mãos. — Ela me lembra tudo que eu não quero lembrar. Mas também... tudo que eu nunca consegui ter.
Emilly a encarou.
— Talvez vocês estejam mais presas uma à outra do que pensam.
Antes que Mirella pudesse responder, o celular dela vibrou novamente. Era uma mensagem de Gabrielle:
"Quero conversar. Só nós duas. Hoje, às 22h, no velho campo."
Mirella olhou para Emilly, o coração acelerando.
— Você vai?
— Eu preciso. — disse, com a voz firme. — Essa história não pode ficar no meio do fogo por mais tempo.
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Às 22h, Mirella chegou ao velho campo de futebol, o mesmo lugar onde haviam se beijado horas antes. Gabrielle já estava lá, sentada num banco de madeira, vestindo uma jaqueta de couro, com os olhos brilhando na penumbra.
— Chegou cedo. — disse Gabrielle, sem sorrir.
— Não queria perder tempo. — Mirella respondeu, se aproximando devagar.
Ambas se encararam, um misto de desconfiança e desejo pairando no ar.
— Por que você sumiu? — Gabrielle perguntou, a voz baixa.
— Porque o mundo lá fora me chamou. Porque eu precisava sobreviver. — Mirella respondeu, sem desviar o olhar.
— E eu fiquei aqui, segurando um trono que nunca quis, esperando que você voltasse.
Gabrielle se levantou, aproximando-se até seus rostos estarem a centímetros.
— Eu não te quero só de passagem, Mirella. Quero que fique. Quero que fique pra sempre.
O peito de Mirella apertou.
— Eu queria. — murmurou — Mas eu tenho medo.
— Medo do quê? — Gabrielle perguntou, a voz quase um sussurro.
— De me entregar. De perder o controle. De acabar de novo ferida.
Gabrielle pegou as mãos de Mirella nas suas.
— Eu não prometo que vai ser fácil. Nem que não vai doer. Mas prometo que a gente vai tentar. Juntas.
Mirella fechou os olhos, sentindo a mão quente da Gabrielle.
— Talvez seja hora de parar de fugir.
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Enquanto isso, Emilly e Lara deixavam o bar, rindo alto e entrelaçadas, tentando apagar as marcas que Sara deixou, mas sabendo que, no fundo, algumas feridas só o tempo — e talvez o amor — poderiam curar.
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Atualizado até capítulo 50
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