Capítulo 2

Uma Semana Antes

Noah

— Senhoras e senhores, vamos iniciar a chamada.

A voz da professora ecoava pela sala abafada, mas eu mal a ouvia. Minhas mãos estavam geladas sobre a carteira, o estômago roncando baixo, e a única coisa que conseguia pensar era: quantos dias ainda consigo fingir que está tudo bem?

A universidade era minha fuga. Bolsa integral. Uma chance. Um milagre.

Mas milagres, no meu mundo, têm prazo curto.

A comida em casa tinha acabado dois dias antes. O aluguel estava vencido. E minha mãe… bom, minha mãe tinha me jogado na rua quando descobriu que eu gostava de meninos. Desde então, era só eu. E o mundo tentando me esmagar.

— Noah Martins? — chamou a professora.

— Presente — respondi, engolindo o orgulho.

Me levantei e saí da sala logo depois, sentindo o peso do mundo nas costas. Só que o que eu não sabia… era que aquele dia mudaria tudo.

Julián

Naquele tribunal abafado e cheio de gente cansada, mais um processo caiu sobre minha mesa.

Roubo de uma padaria. Suspeito: um estudante pobre. Sem antecedentes. Sem advogado.

Meu instinto me dizia: armação.

Mas quando o vi entrando — magro, com os olhos grandes demais para tanta dor, e as mãos suadas segurando a camisa surrada — algo dentro de mim parou.

Ele me viu também.

Não foi como se os céus se abrissem ou a trilha sonora começasse a tocar. Foi silencioso. Cru.

Como se nossas almas se reconhecessem por um segundo.

— O senhor tem algo a declarar, Noah Martins? — perguntei, tentando manter a voz firme.

Ele hesitou. Mas então disse com firmeza:

— Só que eu não roubei. E que... eu só queria sobreviver.

A sala ficou em silêncio. Os olhos dele ardiam de verdade. E mesmo sem provas suficientes, algo ali me fez decidir.

— Arquivado por falta de evidência. E por bom senso — declarei, batendo o martelo.

O olhar dele se levantou até mim. Surpreso. Quase agradecido.

E foi embora.

Mas deixou uma marca.

Noah

Eu não sabia o nome dele na hora. Só sabia que aquele juiz de terno bem passado e olhar forte tinha me salvado de ser engolido por um sistema que só sabia me punir.

Saí do prédio do fórum com a sensação estranha no peito.

Não era só alívio. Era... admiração.

E talvez, um tipo de carinho proibido. Um que eu não deveria sentir por alguém como ele.

Mas era tarde demais.

Dante

— Você viu o garoto?

O informante diante de mim tremia.

— Vi, senhor. O menino da favela... o que o senhor ajudou com cestas básicas no mês passado. Ele foi pego por um furto, mas saiu livre. O juiz Julián que o liberou.

Julián...

De novo ele. Sempre querendo bancar o herói da cidade.

E agora se aproximando de algo que era meu.

Porque mesmo sem saber, mesmo sem me conhecer, aquele garoto já era meu.

Desde a primeira vez que o vi dormindo na calçada com um livro nos braços, como se estudar fosse sua única arma... eu soube que ele tinha algo diferente.

Algo puro.

E nada do que é puro sobrevive sozinho neste mundo.

— Quero que o sigam — ordenei. — Não deixem Julián chegar antes de mim.

Eles assentiram e saíram.

Eu fiquei sozinho.

Sentado, com um charuto entre os dedos e a foto de Noah sobre a mesa.

Ele ainda não sabia.

Mas o mundo dele já havia se entrelaçado com o meu.

E com o do juiz.

Três peças.

Um tabuleiro prestes a explodir.

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