Uma Semana Antes
Noah
— Senhoras e senhores, vamos iniciar a chamada.
A voz da professora ecoava pela sala abafada, mas eu mal a ouvia. Minhas mãos estavam geladas sobre a carteira, o estômago roncando baixo, e a única coisa que conseguia pensar era: quantos dias ainda consigo fingir que está tudo bem?
A universidade era minha fuga. Bolsa integral. Uma chance. Um milagre.
Mas milagres, no meu mundo, têm prazo curto.
A comida em casa tinha acabado dois dias antes. O aluguel estava vencido. E minha mãe… bom, minha mãe tinha me jogado na rua quando descobriu que eu gostava de meninos. Desde então, era só eu. E o mundo tentando me esmagar.
— Noah Martins? — chamou a professora.
— Presente — respondi, engolindo o orgulho.
Me levantei e saí da sala logo depois, sentindo o peso do mundo nas costas. Só que o que eu não sabia… era que aquele dia mudaria tudo.
Julián
Naquele tribunal abafado e cheio de gente cansada, mais um processo caiu sobre minha mesa.
Roubo de uma padaria. Suspeito: um estudante pobre. Sem antecedentes. Sem advogado.
Meu instinto me dizia: armação.
Mas quando o vi entrando — magro, com os olhos grandes demais para tanta dor, e as mãos suadas segurando a camisa surrada — algo dentro de mim parou.
Ele me viu também.
Não foi como se os céus se abrissem ou a trilha sonora começasse a tocar. Foi silencioso. Cru.
Como se nossas almas se reconhecessem por um segundo.
— O senhor tem algo a declarar, Noah Martins? — perguntei, tentando manter a voz firme.
Ele hesitou. Mas então disse com firmeza:
— Só que eu não roubei. E que... eu só queria sobreviver.
A sala ficou em silêncio. Os olhos dele ardiam de verdade. E mesmo sem provas suficientes, algo ali me fez decidir.
— Arquivado por falta de evidência. E por bom senso — declarei, batendo o martelo.
O olhar dele se levantou até mim. Surpreso. Quase agradecido.
E foi embora.
Mas deixou uma marca.
Noah
Eu não sabia o nome dele na hora. Só sabia que aquele juiz de terno bem passado e olhar forte tinha me salvado de ser engolido por um sistema que só sabia me punir.
Saí do prédio do fórum com a sensação estranha no peito.
Não era só alívio. Era... admiração.
E talvez, um tipo de carinho proibido. Um que eu não deveria sentir por alguém como ele.
Mas era tarde demais.
Dante
— Você viu o garoto?
O informante diante de mim tremia.
— Vi, senhor. O menino da favela... o que o senhor ajudou com cestas básicas no mês passado. Ele foi pego por um furto, mas saiu livre. O juiz Julián que o liberou.
Julián...
De novo ele. Sempre querendo bancar o herói da cidade.
E agora se aproximando de algo que era meu.
Porque mesmo sem saber, mesmo sem me conhecer, aquele garoto já era meu.
Desde a primeira vez que o vi dormindo na calçada com um livro nos braços, como se estudar fosse sua única arma... eu soube que ele tinha algo diferente.
Algo puro.
E nada do que é puro sobrevive sozinho neste mundo.
— Quero que o sigam — ordenei. — Não deixem Julián chegar antes de mim.
Eles assentiram e saíram.
Eu fiquei sozinho.
Sentado, com um charuto entre os dedos e a foto de Noah sobre a mesa.
Ele ainda não sabia.
Mas o mundo dele já havia se entrelaçado com o meu.
E com o do juiz.
Três peças.
Um tabuleiro prestes a explodir.
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Atualizado até capítulo 30
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