Narrado por Melissa
A madrugada era minha única aliada.
Meia-noite e quarenta.
O relógio digital brilhava em vermelho no criado-mudo enquanto eu vestia meu moletom preto, calçava o tênis mais silencioso que tinha e guardava as poucas coisas que consegui colocar numa mochila: um celular antigo, dinheiro vivo, documentos falsos que roubei do escritório do meu pai e uma pequena faca de cozinha não porque eu saberia usá-la, mas porque me sentia menos vulnerável com ela na mão.
Desde que descobri a maldita promessa, passei os últimos dias arquitetando a única chance que tinha de escapar daquele destino miserável. Não ia virar esposa do Enrico. Não ia permitir que meu corpo, minha vida, minha liberdade, fossem selados com sangue como se ainda vivêssemos na Idade Média.
Enquanto todos dormiam, abri com cuidado a janela lateral do quarto, a única que não tinha grade reforçada. Os alarmes estavam ativados na maioria das saídas da mansão, mas eu tinha observado os seguranças nos últimos três dias e percebi que, entre duas e três da manhã, havia uma troca de turno. Um intervalo de poucos minutos sem vigia no corredor dos fundos.
Seria agora ou nunca.
Respirei fundo, olhei pra dentro do quarto pela última vez e pulei.
O chão era gelado. A grama úmida abafava meus passos. Meu coração batia tão alto que parecia uma sirene dentro do meu peito. Corri agachada, rente ao muro lateral, até o pequeno galpão onde os carros ficavam estacionados. A cerca elétrica estava desligada no canto mais antigo da propriedade. Usei uma cadeira de ferro, subi com dificuldade e saltei pro outro lado, caindo com tudo no barranco que dividia nossa propriedade da estrada de terra.
Levantei com o braço ralado e a perna latejando, mas não parei.
Corri.
Corri como se minha vida dependesse disso — porque dependia.
Não olhei pra trás. Não pensei nos riscos. Tudo que eu queria era sair daquela cidade, sumir, começar de novo. Até tinha pesquisado lugares onde ninguém me encontraria. Vilarejos pequenos, pensões em montanhas, casas alugadas em cidades sem nome. Qualquer lugar seria melhor que uma jaula de ouro ao lado de Enrico.
Caminhei por quase uma hora, seguindo pela estrada deserta, iluminada apenas por postes espaçados e as estrelas. Quando avistei o posto de gasolina velho onde o ônibus noturno passaria, me senti viva. Era o ponto de fuga. O fim da linha... ou o começo dela.
Mas o que eu não sabia é que eles já sabiam.
E estavam me esperando.
— Boa tentativa, principessa.
A voz veio do escuro, grossa, debochada.
Eu congelei.
Quatro homens saíram de trás de uma caminhonete preta, estacionada ao lado do posto. Todos vestidos de preto, todos armados. Um deles acendeu um charuto e deu dois passos à frente. Era Giovanni, o capanga de confiança do meu pai. Um homem enorme, com cara de poucos amigos e menos ainda de compaixão.
— Achou mesmo que ia conseguir fugir, Melissa?
Engoli em seco. Minha mão escorregou lentamente em direção à mochila.
— Toca nessa faca e eu quebro tua mão — ele disse, calmo. — A gente não veio te machucar. Ainda.
— Sai da minha frente! — gritei. — Eu vou embora! Não vou casar com ninguém!
— Isso não é escolha sua, menina.
— EU TENHO DEZESSETE ANOS!
— E já é prometida desde que usava fralda.
Mario deu sinal com a cabeça e dois homens se aproximaram. Corri. Tentei pelo menos. Mas um deles me pegou com facilidade, me segurando pelos braços enquanto o outro arrancava a mochila das minhas costas.
— NÃO! LARGA! NÃO ME TOCA!
Me debati, gritei, chutei. Fui jogada no chão, com o rosto colado no asfalto frio. Senti o gosto de sangue na boca. Eles não ligavam. Nenhum deles hesitava.
— Isso é sequestro! — cuspi. — É prisão! É TORTURA!
Mario se abaixou na minha frente, com um sorrisinho cínico.
— Isso é a máfia, querida. Bem-vinda à realidade.
Senti as mãos ásperas me levantarem com brutalidade. Me empurraram pra dentro da caminhonete, onde fui jogada no banco de trás. Um deles amarrou meus pulsos com uma fita de plástico. Eu tremia de raiva, medo e frustração. Não era só o corpo amarrado. Era minha vida inteira.
Durante o trajeto, ninguém disse nada. Eu chorava baixinho, em silêncio, tentando esconder o desespero. A estrada parecia mais escura agora. Mais longa. Mais fria.
Quando as luzes da mansão apareceram de novo no horizonte, meu estômago revirou.
Eles me arrastaram até dentro de casa sem cerimônia. Mario bateu a porta com força, como se quisesse que todos acordassem. Mas meu pai já estava lá. Esperando.
De pé no saguão. De braços cruzados. Com a expressão de sempre: decepção e controle.
— Que decepção, Melissa.
— Eu odeio você.
— Não me importa.
Mamãe apareceu logo atrás, os olhos vermelhos. Ela tentou me abraçar, mas me afastei.
— Você sabia — acusei. — Você sabia que iam me caçar como um animal.
Ela não respondeu. Meu pai, sim.
— Você colocou nossa segurança em risco. A sua. A do pacto.
— O pacto que você fez com meu sangue!
— A honra da nossa família...
— MORRA COM SUA HONRA!
Ele respirou fundo. E aí veio a parte mais cruel.
— Trancem ela.
— O quê?!
— A partir de hoje, Melissa não sairá mais desta casa sem minha autorização. Sem escolta. Sem liberdade.
— NÃO!
Mas foi inútil.
Dois homens me seguraram e me levaram até um quarto no fim do corredor do segundo andar. Não era meu quarto. Era um quarto frio, sem janelas, com apenas uma cama, uma pia e uma cadeira.
A porta foi trancada por fora.
Fiquei ali.
Sozinha.
Presa.
Prometida.
Sentei no chão. Abracei os joelhos. Chorei até não ter mais forças.
Tudo doía. O corpo. A alma. A esperança.
Eu não sabia quando sairia dali. Não sabia se sairia dali.
Mas uma coisa era certa:
Podiam prender meu corpo.
Mas o ódio que eu sentia por todos eles...
Principalmente por Enrico...
Esse não ia morrer tão cedo.
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Atualizado até capítulo 29
Comments
Renata
o ódio se transformar em amor
mais ela não pode colocar a culpa no enrico ele não tem culpa
2025-06-27
2
Marta Monteiro
Tomara que ela não se apaixone por ele,nem se renda fácil.🤔
2025-07-05
0
Maria Zelia
daqui a pouco vai tá apaixonadinha por ele.
2025-07-04
0