O auditório era amplo, moderno, e cheirava a madeira nova e ambição juvenil. O evento reunia jovens advogados, promotores, juristas, gente que acreditava que ainda dava pra consertar o mundo com parágrafos bem escritos.
Beatrice ajeitava os papéis na mesa do palco. Estava calma por fora, mas só por fora. Aquela seria sua primeira fala pública desde a formatura. Ana Júlia havia sido convidada para o painel, mas cedeu o lugar à filha. Disse que já tinha falado demais. E que era hora de o mundo ouvir outra voz Moretti.
— Pronta? — perguntou um dos organizadores.
Ela assentiu com um sorriso contido, ajeitando o microfone de lapela no vestido preto de corte reto. Elegante, profissional, como sempre.
A plateia começava a se formar. Advogados e estudantes tomavam seus lugares. Mas um homem entrou mais tarde. Sozinho. Terno azul marinho, gravata vinho, olhar que não pedia permissão só se impunha.
Pietro Salvatore.
Ele se sentou na primeira fila, pernas cruzadas, braço apoiado no encosto da cadeira ao lado. Ela o viu. Não teve como não ver. Mas fingiu que não. E começou a palestra.
— “Justiça Restaurativa não é perdão. É responsabilização com humanidade.” — ela disse, olhando para o público, mas sentindo os olhos dele como lâminas de calor atravessando a distância.
Durante toda a fala, ele não tirou os olhos dela. Não mexeu no celular. Não cochichou com ninguém. Só escutou.
Escutou de verdade.
Quando terminou, os aplausos vieram fortes. Ela sorriu, agradeceu, e saiu do palco com passos firmes, mas sentindo o coração acelerado de um jeito novo. Inexplicável.
No coquetel que se seguiu, Beatrice estava cercada de gente. Gente elogiando, pedindo contato, entregando cartões. Ela sorria, agradecia, guardava tudo no bolso sem prometer nada.
Foi quando ouviu a voz.
— Aplausos justos. Mas eu já sabia que você era brilhante. Só não sabia que era tão eloquente.
Ela se virou.
Ele.
Mais perto do que o esperado. Mais bonito do que ela lembrava. O copo de uísque na mão, o olhar direto, sem escapatória.
— Você está me seguindo? — ela perguntou, meio em tom de piada, meio em alerta.
— Ainda não. Mas tô considerando.
Ela cruzou os braços.
— Esse tipo de interesse pode ser interpretado como invasivo.
— Só se for mal-intencionado. — ele rebateu, com um sorriso curto. — Eu só vim assistir a um painel importante. E me deparei com algo mais interessante que o conteúdo jurídico.
— Eu sou o conteúdo jurídico.
— E ainda assim... mais interessante do que todos os outros juntos.
Ela riu. Baixo. Sem querer. E aquilo pareceu incomodá-la mais do que deveria.
— Vai continuar com essas frases de efeito?
— Só até você parar de me olhar como se eu fosse um problema.
Beatrice deu um passo pra trás. Olhou ao redor.
— Não costumo misturar trabalho com... outras coisas.
— Nem eu. — ele disse, se aproximando mais um pouco. — Mas às vezes, a vida mistura por nós. Sem pedir licença.
Um silêncio se instalou entre os dois. E naquele espaço entre a música ambiente, os copos tilintando e as vozes ao fundo, havia só eles dois. Uma tensão que não pedia pressa. Só promessa.
Ela olhou pro relógio.
— Preciso ir.
— Posso te levar?
Ela o encarou.
— Não. Eu dirijo muito bem sozinha.
— Imagino que sim. — ele respondeu. — Mas não custava perguntar. Sou insistente. De um jeito educado.
Beatrice deu um meio sorriso. Quase imperceptível.
— Boa noite, Pietro.
— Boa noite, Beatrice.
E saiu, sem olhar pra trás. Como se vencer aquele impulso fosse um teste de força.
Ele ficou ali, com o copo ainda na mão, observando a porta onde ela sumiu. Sorriu sozinho. Porque agora ele sabia:
A segunda vez tinha sido ainda pior que a primeira.
Pior no melhor dos sentidos.
Beatrice saiu do auditório como quem segura uma explosão dentro do peito. O ar da rua pareceu mais frio do que o esperado ou talvez fosse o sangue correndo apressado demais nas veias.
Ela entrou no carro, jogou as pastas no banco do passageiro e, antes de ligar o motor, puxou o celular.
📲 Bea:
Ok. Preciso contar uma coisa. AGORA.
📲 Helena:
VOCÊ FEZ UM DISCURSO HISTÓRICO???
VOCÊ CAIU???
ALGUÉM TE PEDIU EM CASAMENTO???
📲 Sofia:
Ela só começa assim quando envolve homem bonito ou injustiça social.
Às vezes os dois juntos.
📲 Yasmin:
Foi ele, né? O Holding.
Fala logo ou eu vou ter um ataque!
📲 Bea:
ELE TAVA LÁ!
Na plateia. Primeira fila.
E depois veio falar comigo. No coquetel.
📲 Helena:
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
📲 Sofia:
VOCÊ TÁ DE BRINCADEIRA
Você deu palestra com ele te olhando?
EU NÃO SABERIA FALAR O ALFABETO
📲 Yasmin:
E?
E???
E????????
Ele falou o quê?
Ele tentou te beijar?
Ele respirou o mesmo ar que você???
📲 Bea:
Ele me elogiou.
Com aquele olhar que parece que sabe mais do que devia.
E disse que tá “considerando me seguir”.
Disfarçado de charme.
📲 Helena:
Meu Deus, ele flerta com o mesmo tom que ameaça contratos milionários.
📲 Sofia:
Você deu risada?
📲 Bea:
Baixinho. Involuntário. Já me odeio.
📲 Yasmin:
VOCÊ TÁ PERDIDA, MINHA FILHA
PRIMEIRO SINTOMA: o riso escapa
Segundo: você sonha com ele usando terno
Terceiro: você começa a procurar o nome dele no Google à noite
📲 Helena:
Atenção: mantenha-se firme.
Resista.
Observe.
Mas não caia sem antes saber onde pisa.
📲 Sofia:
Mas se cair...
Nos avisa.
Pra gente cair junto.
📲 Bea:
Vocês são insuportáveis.
Eu amo vocês.
Ela guardou o celular com um sorriso discreto nos lábios. Mas por dentro... o pensamento voltava sempre pro mesmo ponto:
Ele estava lá. De novo. E ela não sabia o que isso queria dizer.
Enquanto isso...
Pietro entrou no apartamento como se fosse um santuário silencioso. Cortinas abertas, vista da cidade, meia luz. Tirou o paletó, jogou sobre a poltrona, serviu um copo de vinho e então sentou com o celular na mão.
Digitou. Apagou.
Digitou de novo. E mandou.
📲 Para: Enzo
Adivinha quem eu encontrei hoje?
📲 Enzo:
Se for outro investidor mala, nem responde.
📲 Pietro:
Beatrice.
Sim, aquela Beatrice.
📲 Enzo:
...
📲 Enzo:
Você tá de sacanagem.
📲 Pietro:
Tô começando a achar que o destino tá com um plano.
E a missão é: fazer eu me apaixonar na marra.
📲 Enzo:
Se for isso, ele tá trabalhando direitinho.
Já que você tá me mandando mensagem às 23h sobre uma mulher.
📲 Pietro:
Ela me deixa curioso.
Como se eu estivesse diante de algo importante e não soubesse o que ainda.
📲 Enzo:
Cuidado pra não virar personagem de novela mexicana.
Mas confesso...
Tô começando a shippar.
Pietro riu sozinho. Encostou a cabeça no sofá, olhou pro teto como quem encara o próprio destino de frente.
— Que porr* é essa que você tem, Beatrice Moretti?
Ele não sabia.
Mas queria descobrir.
E por mais que o mundo dissesse que ele era um homem frio, prático e impossível de ler, havia algo nela que estava abrindo frestas.
Frestas que ele não sabia se queria fechar.
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Atualizado até capítulo 37
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