A manhã estava abafada, pesada como se o ar soubesse que algo estava prestes a mudar.
Beatrice subia as escadas do prédio do escritório com os braços cheios de pastas. O salto batia seco no mármore e o coque improvisado ameaçava se desfazer. Ela estava indo falar com a mãe sobre um novo caso que tinha chegado roubo seguido de lesão. Um menino de dezenove anos. Vítima ou bandido? Ela ainda não sabia. Mas queria entender.
O corredor estava movimentado. Gente entrando e saindo das salas, estagiários correndo com café, advogados no telefone. A vida pulsava ali dentro como em um tribunal vivo.
Beatrice virou à esquerda, em direção à sala da mãe, quando a porta do escritório de Ana Júlia se abriu.
Ela não viu.
Não viu que ele estava saindo no mesmo momento. Que o passo dele era firme, sem hesitação. Que o corpo dele preenchia o espaço.
Tudo aconteceu rápido.
— Ai, droga! — ela soltou, quando as pastas escorregaram dos braços e caíram com força no chão.
Papéis voaram.
Assinaturas, petições, anotações pessoais. Uma verdadeira bagunça no corredor elegante.
— Me desculpe. — disse uma voz grave, imediatamente. E então os dois se abaixaram ao mesmo tempo.
Nenhum deles se olhou ainda.
Ele pegava os papéis do chão com calma, os dedos rápidos, organizados. Ela puxava os documentos com um suspiro irritado, praguejando mentalmente. Até que as mãos se tocaram ao alcançarem a mesma folha.
Foi ali que ela olhou.
E ele também.
E o mundo parou.
Ele era alto. Trajava um terno impecável, tom grafite, que parecia costurado direto na pele. O rosto tinha traços definidos, os olhos escuros olhos que não desviavam. O tipo de homem que não precisa dizer nada pra ser percebido.
Ela estava com o rosto levemente corado, o cabelo bagunçado e os olhos afiados como sempre. Ele estendeu os papéis com um gesto lento, ainda observando.
— Aqui. Acho que isso é seu. — disse ele.
Ela pegou os papéis, assentindo com a cabeça. E então a voz de Ana Júlia ecoou do fundo do corredor:
— Pietro! Esqueceu seu celular.
Beatrice piscou. Voltou os olhos pra mãe e depois de volta pra ele.
— Pietro? — ela perguntou, ainda sem disfarçar o tom surpreso.
Ele sorriu, com o canto da boca. Não respondeu. Só estendeu a mão num gesto educado.
— Pietro Salvatore.
— Beatrice. — ela respondeu, firme, encarando sem desviar.
Eles se apertaram as mãos. Por dois segundos a mais do que o necessário.
Ana Júlia chegou, entregou o celular ao Pietro e olhou para a filha.
— Tudo certo?
Beatrice ergueu as pastas.
— Mais ou menos. Só desorganizei minha manhã inteira. — ela olhou pra Pietro de novo. — Mas já tô resolvendo.
Ele deu um leve sorriso. E saiu, com passos lentos, como se ainda quisesse olhar para trás mas não olhou.
Beatrice ficou ali, parada por um momento. Depois balançou a cabeça e entrou na sala da mãe.
— Que cliente é esse, hein?
Ana Júlia ergueu os olhos do notebook.
— Pietro Salvatore. Sócio majoritário da Salvatore Holdings. Um homem de negócios… reservado. Mas muito influente. Por quê?
Beatrice deu de ombros.
— Nada demais. Só quase me matou de susto no corredor.
Ana riu.
— Bem-vinda ao mundo real da advocacia. Aqui, até tropeço é estratégico.
Beatrice não riu.
Ela sentou, abriu os papéis, mas não conseguia evitar: a imagem daquele olhar continuava presa em algum lugar entre o coração e a nuca.
DIAS DEPOIS...
Dias se passaram desde o esbarrão no corredor do Moretti & Associados. Pietro seguiu a rotina reuniões, contratos, jantares com investidores. Tudo no lugar. Mas em algum canto da mente, o rosto da Beatrice continuava reaparecendo como se fosse uma nota fora do compasso.
Era só um esbarrão, ele dizia pra si mesmo. Um tropeço em meio ao dia.
Mas ninguém se repete na cabeça de Pietro Salvatore por tanto tempo à toa.
O escritório dele era silencioso como uma biblioteca de luxo. Madeira escura, persianas meio abertas, cheiro de couro e café. Enzo, seu secretário pessoal e o único amigo com liberdade pra falar qualquer coisa entrou com dois arquivos na mão e um sorriso debochado no rosto.
— Conferência da holding às quatro. E a reunião com o advogado de Milão foi adiada pra amanhã. — Ele colocou as pastas sobre a mesa. — E antes que pergunte: não, nenhuma novidade empolgante no radar.
Pietro estava encostado na mesa, paletó jogado na poltrona, mangas dobradas e olhar perdido pela janela.
— Enzo... é crime investigar alguém sem a pessoa saber?
O outro parou no ato. Piscar lento. Rosto impassível.
— Isso é uma pergunta retórica ou confissão de intenção?
— É... só curiosidade jurídica mesmo. — Pietro fingiu um tom casual, mas os olhos diziam outra coisa. — Suponha que alguém esbarre com uma mulher no meio de um corredor. Ela deixa uma impressão forte. Irritante, até. Mas... fica.
Enzo cruzou os braços.
— A filha da Advogada?
Pietro arqueou uma sobrancelha.
— Eu não disse nomes.
— Mas eu não sou idiota. Desde aquele dia você tá com cara de quem perdeu uma aposta com o próprio ego.
— Talvez eu só queira saber mais. — Pietro disse, indo até a cafeteira. — Nome completo. Onde estudou. O que defende. O que quer da vida.
— Isso se chama "pesquisa no Google", não "investigação". — Enzo rebateu, pegando o celular do bolso. — Mas como você é sofisticado demais pra redes sociais, vou considerar sua intenção como válida.
Pietro virou o café em um gole.
— Faça como sempre. Nada invasivo. Só quero saber se essa tempestade tem previsão de passar… ou se vai me afogar.
Enzo assentiu, já abrindo uma nova nota no celular.
— Tá bem, senhor Salvatore. Investigação romântica a caminho. Mas aviso: se isso virar um romance, eu quero ser padrinho do casamento.
Pietro riu pela primeira vez no dia.
— Eu quero saber se isso é um furacão... ou só mais uma brisa disfarçada.
E enquanto voltava pra mesa, ele sabia. Já era tarde demais pra fingir desinteresse.
Enquanto isso...
Beatrice estava sentada na mesa do escritório dela, com a xícara de café já fria ao lado do notebook aberto. Depois de revisar um relatório, pegou o celular e abriu o grupo com as meninas.
Bea:
Gente.
Esbarrei num homem no corredor, terça passada.
Yasmin:
Isso tá com cara de FOFOCA 👀
Detalhes ou vou te ignorar até 2026.
Helena:
Já imagino: você derruba papelada, ele te ajuda, mão com mão, olhares intensos.
Fala que foi assim.
Sofia:
Por favor me diga que era bonito.
Bea:
Tá. Foi exatamente assim. Mais como você adivinhou?
E sim. Bonito. Tipo, nível "cartaz de perfume caro".
Terno impecável, olhar invasivo e sorriso que parece saber coisa demais.
Yasmin:
Ai, minha filha, isso é o prólogo de um livro de romance.
Helena:
E o nome dele?
Bea:
Pietro.
Pietro Salvatore.
Sofia:
Salvatore tipo... da holding Salvatore?
Bea:
Exatamente esse.
Cliente da minha mãe.
Yasmin:
Já shippei e criei três filhos.
Helena:
Pelo amor de Deus, não se apaixone antes de investigar.
Bea:
Relaxa. Só caiu papel, não as minhas defesas.
Elas riram. Do outro lado da tela, em lugares diferentes do mundo, as três amigas sabiam: Beatrice estava mexida. Ela podia fingir que não. Mas aquela troca de olhares, mesmo breve, já tinha se instalado onde sentimentos reais costumam brotar no lugar onde a razão falha, mas o instinto reconhece.
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Atualizado até capítulo 37
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