A Faculdade não era uma fase. Era um campo de batalha.
Beatrice Moretti acordava antes do sol, deitava com códigos penais marcados a lápis, e passava o dia entre tribunais simulados, cafés requentados e discussões acaloradas sobre direitos fundamentais.
Ela cursava Direito com ênfase em Criminal. E aquilo não era só uma escolha acadêmica era quase um ato de resistência.
Queria defender o que ninguém queria ver, lutar por quem nunca teve voz, mergulhar em causas que doíam mesmo quando o mundo a chamava de "filha da Ana Júlia Moretti" como se isso explicasse tudo.
Mas ela sabia: o nome te abre portas. Mas é você quem precisa ter coragem de entrar.
— Por que Criminal? — perguntavam sempre.
— Porque é onde a verdade grita mais alto. — ela respondia, sem piscar.
Nos corredores da universidade, era conhecida por ser séria, certeira e brilhante nas exposições orais. Tinha fama de durona mas quem a conhecia sabia que o coração era feito de manteiga aquecida.
E quando ela falava, até os professores mais rígidos prestavam atenção.
Anos depois… o fim de um ciclo
A manhã da formatura amanheceu quente, típica de janeiro. O vestido de Beatrice era azul escuro, os cabelos presos num coque elegante, e os olhos? Cheios de história.
Vestido da Beatrice:
Sofia chegou direto do aeroporto, de mala na mão e olhos marejados.
— Eu não ia perder isso nem por decreto real — disse, abraçando a amiga com força.
Helena foi com um cartaz escrito “Doutora Imperatriz” e Yasmin com uma faixa ridícula dizendo “a melhor advogada do planeta Terra e da galáxia próxima”.
Beatrice riu, chorou e gritou junto.
Naquela noite, elas foram comemorar. Em um barzinho com luz baixa, boa música e muitas histórias entre taças.
— E agora, Bea? Vai direto pro império da tua mãe? — Yasmin perguntou, servindo mais vinho.
Beatrice girou a taça, pensativa.
— Não é o império dela. É o lugar onde eu aprendi que justiça tem preço... e que às vezes, o preço é você mesma.
— Isso foi profundo demais — Sofia disse. — Alguém segura a poeta.
— Ela tá dramática porque vai ser oficialmente adulta segunda-feira. — Helena completou, brindando. — Que venha o novo ciclo!
Beatrice sorriu. E ali, no meio daquelas mulheres que conheciam cada tom da sua alma, sentiu que o mundo podia ser pesado mas também podia ser belo.
Segunda-feira
O salto batia firme no chão de mármore. O blazer escuro moldava a postura ereta. A pasta preta nas mãos tremia um pouco mas só por dentro.
Era o primeiro dia dela como advogada criminalista no escritório Moretti & Associados.
O prédio era o mesmo que frequentava desde criança, quando ia brincar com as canetas da mãe. Mas agora tudo parecia diferente. Agora, o nome na porta não era só o da mãe. Era também o dela.
Beatrice Moretti. OAB em mãos. Nome no crachá. Voz no peito.
Respirou fundo diante da sala onde ia atender seu primeiro cliente. Um caso simples, segundo os colegas. Mas nada era simples quando envolvia a vida de alguém.
Ana Júlia passou por ela no corredor e parou por um instante.
— Preparada Filha?
— Mais que nunca.
A mãe sorriu.
— Lembre-se: escutar é mais difícil que falar. Mas é onde mora a justiça.
Beatrice assentiu. E entrou na sala.
Beatrice fechou a porta da sala e respirou fundo. O som do clique ecoou como um ponto final e um ponto de partida ao mesmo tempo.
Na cadeira à frente da mesa, um homem magro, de roupas simples e mãos trêmulas, a observava com uma mistura de medo e esperança. Devia ter uns cinquenta anos, talvez menos o tempo nem sempre é justo com quem carrega o peso da rua no rosto.
— Bom dia, seu Valmir. Pode ficar à vontade — ela disse, com a voz mais firme do que sentia.
Ele assentiu com um gesto tímido e pigarreou.
— A doutora Ana… ela disse que ia me colocar nas mãos da filha. Achei que era só modo de falar. Não sabia que… era mesmo a filha dela.
Beatrice sorriu com gentileza, puxando a cadeira.
— É mesmo. E não se preocupe. A gente tá aqui pra resolver isso juntos.
Ela abriu a pasta, conferiu os papéis, e começou a escutar.
Valmir estava sendo acusado de tentativa de furto. Um botijão de gás. Tentou pegar o da mercearia da esquina da casa onde vivia ou melhor, onde tentava viver com a esposa doente e o neto pequeno.
— Eu não queria roubar, doutora… Eu queria cozinhar. Ela tava com febre e não tinha nem água quente. A gente ficou dois dias sem nada. E eu juro… ia devolver depois que recebesse o auxílio.
A história era simples. Dura. E crua. Dava vontade de chorar, mas Beatrice manteve o foco.
— O senhor já tem passagem?
— Nunca. Nem multa. Eu só trabalho, doutora. Mas esse mês… — ele abaixou a cabeça. — Eu falhei com eles.
Ela anotava tudo, mas principalmente escutava. Lembrava do que a mãe dissera: “escutar é mais difícil do que falar”.
Quando ele terminou, Beatrice respirou fundo.
— O senhor não falhou. A falha é do sistema. E eu vou fazer o possível pra mostrar isso pro juiz.
Ele levantou os olhos marejados.
— A senhora acredita em mim?
— Eu acredito no que a lei pode fazer quando a gente insiste. E vou insistir até o fim, seu Valmir.
Ela se levantou, apertou a mão dele — firme, humana — e o conduziu até a porta. Quando ele saiu, ela ficou alguns segundos parada, encarando a cadeira vazia.
Ali, naquele silêncio pós-desabafo, Beatrice teve certeza: estava no lugar certo.
Não porque era o escritório da mãe.
Não porque tinha um sobrenome forte.
Mas porque ela havia escutado. E sentido. E se comprometido.
Voltou à mesa, pegou o processo e começou a escrever.
Começou a desenhar a linha de defesa de um homem que só queria cozinhar para a família.
E era assim, sem glamour, sem manchete, sem flores, que se começava um império de justiça. Palavra por palavra. Vida por vida.
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Atualizado até capítulo 37
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