O cartório estava quase vazio naquela manhã nublada. A sala onde os casamentos civis eram realizados era fria e sem charme, com cadeiras de plástico dispostas em fileiras e uma mesa de fórmica ao fundo, onde o juiz de paz folheava documentos com indiferença.
Para qualquer um que olhasse de fora, Lívia Antunes e Gabriel Fontes eram apenas mais um casal resolvendo burocracias. Nenhuma aliança ainda. Nenhuma troca de olhares apaixonados. Mas sob aquela aparência controlada havia um mar revolto de emoções mal digeridas.
Lívia usava um vestido branco simples, de tecido leve e mangas bufantes, emprestado pela dona da pousada onde se hospedava. O cabelo preso em um coque baixo e discreto. Nada de véu. Nada de flores.
Gabriel, por outro lado, estava impecável em um terno azul-marinho sob medida. O rosto sereno, mas os olhos — sempre os olhos — denunciavam uma tensão escondida. Havia algo nele que misturava proteção e promessa, como se estivesse ali por muito mais do que um contrato.
— Nome completo da noiva? — perguntou o juiz.
— Lívia Helena Antunes — ela respondeu, a voz firme, mas o coração disparado.
— Nome completo do noivo?
— Gabriel Elias Fontes.
A assinatura veio em seguida. Dois traços no papel. Dois destinos cruzando-se não por amor, mas por necessidade. E ainda assim, algo ali parecia verdadeiro. Como se ambos soubessem que estavam reconstruindo algo a partir do chão.
— Declaro-os, perante a lei, marido e mulher.
Lívia soltou o ar lentamente. Gabriel ofereceu o braço com um gesto sutil. Ela aceitou. Não havia beijo. Não havia aplausos. Mas havia um silêncio sólido entre os dois — como um pacto.
Ao saírem do cartório, foram recebidos apenas pela luz fria da manhã e uma brisa que mexia nas folhas do chão.
— É estranho — ela comentou. — A gente cresce sonhando com um momento como esse. E agora ele parece... irreconhecível.
— Não foi o momento que te decepcionou, Lívia. Foram as pessoas que prometeram estar nele — respondeu Gabriel com honestidade.
Ela baixou os olhos. Pela primeira vez, não se sentiu sozinha.
Mais tarde, na pousada, o celular de Lívia não parava de vibrar. Suas redes sociais estavam cheias de notificações. Ela quase não postava nada, mas Gabriel, estrategicamente, havia solicitado que um assessor divulgasse uma foto dos dois saindo do cartório. “Para os registros”, ele dissera. “E para deixar claro que você seguiu em frente.”
A legenda era discreta:
“Começando uma nova etapa com respeito, coragem e liberdade.”
Foi o suficiente para incendiar os bastidores.
Sua irmã, Letícia, mandou uma mensagem com três interrogações e um "VOCÊ CASOU COM OUTRO???".
O pai, em letras garrafais: “VOCÊ FICOU LOUCA???”
Até um tio distante mandou um áudio de dois minutos em que misturava oração, drama e previsão de apocalipse familiar.
Mas nada se comparava à reação que viria de Caio e Sabrina.
Na manhã seguinte, a campainha da pousada tocou.
Era Sabrina.
Vestida com uma blusa larga, um boné cobrindo o rosto e olhos faiscando de raiva, ela parecia tão descomposta quanto Lívia se sentira ao vê-la de mãos dadas com Caio dias antes.
— Você perdeu a cabeça? — perguntou assim que Lívia abriu a porta.
— Você acha? — retrucou Lívia, cruzando os braços, com o mesmo tom calmo que agora parecia um escudo.
— Se casou com outro homem em uma semana? Isso é algum tipo de teatro? Você não é assim!
— Você também não era. Mas aqui estamos. Eu superei. Você devia tentar também.
Sabrina se aproximou, o rosto tenso.
— Caio está arrasado.
— Ele teve um ano para pensar no que estava fazendo. Eu tive uma semana para decidir que não vou mais viver com metade do que mereço.
Sabrina mordeu o lábio inferior.
— Esse cara… o tal do Gabriel. Você o conhece há quanto tempo?
— Tempo suficiente para saber que ele nunca me colocaria de lado por conveniência. — Fez uma pausa. — E ele está me ajudando a recuperar o dinheiro que Caio me deve.
O olhar de Sabrina mudou. Assustada? Indignada? Lívia não se importava.
— Gabriel tem contatos. Recursos. E princípios. Se Caio não pagar por bem, vai ter que responder legalmente. Não pensem que meu silêncio vai durar mais que meu amor.
Antes que Sabrina dissesse qualquer outra coisa, uma voz soou da escada.
— Está tudo bem aqui?
Gabriel. Tinha acabado de chegar. Estava sem gravata, mangas da camisa dobradas, e ainda assim parecia alguém com poder suficiente para parar o mundo com um olhar.
— Tudo certo, amor — disse Lívia, calmamente.
Sabrina recuou um passo.
— Isso tudo é uma farsa. — Sua voz falhou. — Não pode ser real.
Gabriel aproximou-se, sem arrogância, apenas com firmeza.
— Pode não ser um conto de fadas, mas é verdadeiro no que importa. E você... você devia se perguntar por que está tão incomodada com a liberdade da mulher que vocês abandonaram.
Sabrina recuou. Calada.
E então se foi.
Mais tarde, já sozinhos, Gabriel serviu duas taças de vinho. Não brindaram. Apenas sentaram-se no sofá da pequena sala, um ao lado do outro, ouvindo o silêncio.
— Você tem certeza de que quer enfrentar isso tudo comigo? — ela perguntou, olhando para o líquido escuro na taça.
— Eu não enfrento. Eu caminho. E estou caminhando ao seu lado.
Lívia encostou a cabeça no ombro dele. Não era um gesto romântico. Era alívio. Era gratidão.
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Atualizado até capítulo 31
Comments
Marisa Sampaio
ELA quer tudo que outra conquistou!
2025-06-28
1
Sandra Camilo
que Sabrina idiota , invejosa, cretina
2025-06-26
0
Jane Silva
ué a outra se doeu porque??
2025-07-02
0