O Homem que Me Escolheu Quando Eu Estava em Pedaços

O Homem que Me Escolheu Quando Eu Estava em Pedaços

Capítulo 1

Lívia Antunes abriu a porta giratória da estação, o zumbido do vento se misturando com o apito distante das locomotivas. Dez horas de trem, sacolas e caixas — tudo para surpreender Caio. Mas, lá no fundo, ela sabia: surpresa era um risco.

Com passos firmes e um sorriso meio sem graça no rosto, ela buscou o número no folder que guardava no bolso. Lá estava: o endereço. Respirou fundo. Um último olhar para a mochila, cheia de cartas, presentes e lembranças dos dez anos com ele.

Na calçada em frente, sombras de árvores balançavam no muro do prédio. E, ali, sobre o tapete de luz e sombra, viu os dois. Caio de mãos dadas com Sabrina, o rosto dela iluminado por um sorriso cúmplice. Era como se aquela cena tivesse sido ensaiada, projetada especialmente para destruí-la.

Lívia sentiu os joelhos tremerem. Um nó se formou na garganta. Abriu a mão, iluminando os nomes dos cartões que tinha comprados para o jantar surpresa. Mentiu para ela mesma, dizendo que era só falta de ar... até que viu a curva suave da barriga de Sabrina. E soube que cada segundo desde que saiu de casa estava mudando tudo.

Os dois passaram por ela sem olhar. Entraram no prédio de número exato, descendo de mãos dadas como se o mundo fosse deles. O mundo, naquele momento, deixou de ser dela.

Lívia respirou fundo. Cada batida do coração era um punhal. A mala, pesada, pesava mil quilos semu os ombros, mas ela nem lembrava de puxá-la. Uma força silenciosa a empurrou em direção à porta, como se dissesse: “É agora.”

— Caio.

A voz dela soou distante e indefinida — fragmentada como o que sentia por dentro. A mão dele parou no metal da porta, congelada, trêmula. Soltou Sabrina e se virou. Lívia viu o choque estampado no rosto, um reflexo de culpa que a machucou mais do que a traição em si.

— Lívia… não sabia que viria. Eu... poderia ter...

Ele hesitou completamente. Então disse:

— Não faz muito tempo.

Lívia engoliu seco, foi obrigada a caminhar mais perto. Encostou as costas na parede fria. Perguntou num sussurro:

— Quanto é ‘não faz muito’?

Ele fechou os olhos. Contou, baixo:

— Um ano.

O chão oscilou. Ela recuou dois passos, o peito queimando. As palavras vieram com a ponta da faca:

— E todo esse tempo você estava com ela — e ainda me pedia apoio financeiro? Trinta mil reais enviados enquanto me traía.

Caio balançou a cabeça, os olhos cheios de remorso. Tentou falar, mas nenhum “desculpa” existia no mundo que pudesse apagar o estrago. Fechou a cara:

— Eu não tenho esse dinheiro.

— Realmente jogou fora nossa história e jogou minhas economias no lixo. Quero o que é meu. E quero distância.

Sem olhar para trás, ela empurrou a porta, entrou no prédio, foi até a máquina de bilhetes e comprou passagem para o próximo trem. Fez o que tinha de ser feito.

No banco do bar ao lado da estação, envolta em suas cartas e lembranças espalhadas, os olhos dela brilharam com um novo tipo de fogo. Não de esperança, mas de liberdade. A liberdade de escrever de novo sua história — em cacos, talvez, mas só dela.

O bar da esquina não tinha nome, só uma placa enferrujada balançando no toldo. Lá dentro, a luz era amarelada, morna demais para o desespero que Lívia carregava nos ombros.

Ela pediu o primeiro drink sem pensar. O segundo veio rápido. No terceiro, não sabia mais se era o álcool ou a mágoa que fazia o peito arder. Estava ali havia menos de uma hora, mas parecia ter atravessado uma década desde que o mundo desmoronara sob seus pés.

No fundo do copo, encontrou a mulher que Caio havia deixado para trás. A mulher que o sustentou, que cuidou da mãe dele quando ficou doente, que cozinhava nos finais de semana mesmo depois de trabalhar dobrado. A mulher que nunca pediu nada em troca — só fidelidade.

Mas nem isso ele foi capaz de oferecer.

A garrafa esvaziava. Os dedos dela estavam trêmulos. Lívia passou a mão no rosto, as lágrimas secas deixando uma marca invisível na pele. Estava vazia. Pior: estava irreconhecível para si mesma.

— Doutora Antunes?

A voz veio como uma lembrança distante. Baixa, grave, com um timbre que parecia ressoar direto em alguma parte protegida dentro dela.

Lívia levantou os olhos devagar. E ali estava ele. Um rosto que ela conhecia… mas de outro tempo. Um paciente antigo, silencioso. Sempre evitava falar demais nas consultas. Sempre olhava para o chão, como se estivesse procurando o sono perdido que o atormentava.

— Gabriel? — ela piscou, surpresa e, por um instante, levemente envergonhada. — Fontes…?

Ele assentiu, discreto. Estava mais magro, os ombros levemente curvados, mas os olhos — aqueles olhos — mantinham a mesma intensidade cansada de antes. Havia dor ali. Mas também firmeza.

— Beber assim não combina com você.

Ela deu uma risada seca.

— Hoje, nada combina comigo. Nem meu próprio nome.

Ele se sentou ao lado dela sem pedir permissão. Não era invasivo, mas direto, como alguém que sabe exatamente quando o silêncio é mais cruel que qualquer palavra.

— Caio? — perguntou ele, sem olhar diretamente para ela.

Ela soltou o ar com força. Pigarreou.

— Você sabia?

— Não. Mas você está com os olhos de quem perdeu algo que achava que nunca iria embora.

Lívia encarou o copo por um longo instante. E então, como se não aguentasse mais manter a pose, murmurou:

— Eles estão juntos. Ele e... minha melhor amiga. Ela está grávida.

Gabriel não disse nada. Apenas ficou ali. Presente. Vivo. Real. Como ninguém havia estado por ela naquele dia.

— Dez anos. Eu dei tudo. Tudo. E ele só... virou as costas. Agora diz que não tem como me pagar de volta. Me traiu, me usou. E tudo que minha família quer saber é: “e o casamento?”

Ela riu, mas a risada veio quebrada.

— E você? — perguntou ela, encarando-o. — Ainda não dorme?

Gabriel a observou por um instante. Então, com uma calma que cortava como navalha, respondeu:

— Não. Mas agora sei que não sou o único que perdeu a paz à noite.

Ela engoliu seco.

— O que você quer dizer com isso?

Ele apoiou os braços na mesa, os dedos entrelaçados.

— Quero dizer que você merece mais do que ser deixada em pedaços. E se quiser alguém que te ajude a colar cada um deles... eu tô aqui.

Lívia o encarou, o mundo rodando devagar.

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Comments

Sônia Ribeiro

Sônia Ribeiro

Isso mesmo mostra pra ele o que ele perdeu.♥️♥️👏👏👏👏👏 Ja amei o primeiro capítulo ♥️♥️👏👏👏👏

2025-06-27

0

Sandra Camilo

Sandra Camilo

isso mesmo , vcs dois vão superar tudo e wue se dane o maldito do ex

2025-06-26

0

Fatima Pinheiro

Fatima Pinheiro

Eita Tá Aí Q Gostei Curto E Direto 😍❤❤❤

2025-06-27

0

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