O relógio marcava quase oito da manhã. A luz entrava suave pela janela da sala, esquentando o sofá onde SN ainda estava encolhida debaixo da manta. Os olhos dela abriram devagar, estranhando acordar num lugar onde ninguém gritava, onde o silêncio não era ameaça… mas conforto.
Do outro lado da sala, ela sentiu o cheiro de comida no ar. Arroz fresquinho, ovos sendo fritos, e até o som de uma chaleira apitando baixinho. Jay estava de costas, na cozinha, mexendo algo na frigideira.
SN se levantou devagar, a manta ainda enrolada nos ombros. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, a mãe do Jay apareceu, com um sorriso gentil.
— Bom dia, SN. Dormiu bem?
Ela assentiu, com a voz baixa:
— Dormi sim... obrigada, senhora Park.
A mãe dela se sentou na cadeira da cozinha, ajeitando o jaleco no colo.
Jay virou pra ela e falou:
— Mãe, você não tinha ido pro hospital? Já tá de volta?
A mulher riu baixinho.
— Fui sim. Mas era só o primeiro turno. Pedi pra sair mais cedo hoje. Achei que devia estar aqui. — Ela olhou pra SN com carinho. — Vocês dois passaram por muita coisa em pouco tempo.
SN abaixou a cabeça, envergonhada.
— Eu… eu pensei que a senhora fosse ficar brava comigo. Por eu ser uma estranha aqui... por estar ocupando espaço na casa de vocês...
A mãe do Jay sorriu com ternura.
— SN… você não é um peso. Você é só uma menina que foi machucada por gente que devia ter cuidado de você. E ninguém merece passar por isso sozinha. Ainda mais na sua idade. Aqui… você não precisa ter medo.
SN sentiu os olhos arderem de novo, mas tentou segurar.
— Eu... não tenho ninguém além do meu pai. E ele... viaja muito. Não sei nem onde ele tá agora...
A mãe olhou para ela com calma.
— Você sabe se tem algum parente próximo? Tios, avós, primos?
SN balançou a cabeça devagar.
— Não… minha mãe morreu cedo. E do lado do meu pai… nunca conheci ninguém. Ele nunca falou de ninguém da família dele. Sempre foi só eu e ele. E depois… a madrasta.
Jay, que ouvia tudo enquanto arrumava os pratos, deu um sorrisinho tímido, se virando com dois copos de suco na mão.
— Bom… agora você tem a gente, né?
SN olhou pra ele surpresa. E não conseguiu segurar o pequeno sorriso tímido que escapou no canto dos lábios.
Jay colocou os sucos na mesa, depois puxou a cadeira ao lado da dela.
— Vem… a comida tá pronta.
Ela sentou. E por alguns segundos, esqueceu que tinha chorado tanto no dia anterior.
Esqueceu o lixo, a porta batida, as palavras cruéis.
Porque pela primeira vez… ela estava sentada à mesa com pessoas que realmente se importavam.
Enquanto terminavam o café da manhã, Jay pegou o celular que estava em cima da bancada e viu uma notificação acender. Era uma mensagem da mãe dele.
Ele abriu, leu em silêncio e deu um sorrisinho discreto, virando o rosto para a SN, que ainda segurava a xícara de chá com as duas mãos.
— SN… — ele chamou baixinho. — Minha mãe mandou uma mensagem. Ela falou que deixou o cartão de crédito na bolsa dela... e pediu pra eu levar você no shopping hoje.
SN arregalou os olhos, surpresa.
— Shopping?
Jay assentiu, meio sem jeito.
— Ela disse pra gente comprar um lanche, mas também… roupas novas pra você. E tudo o que você quiser. Ela falou que é pra você escolher sem medo.
SN mordeu o lábio, desconfortável.
— Eu não preciso… Jay, eu não quero incomodar. Já tô comendo na sua casa, dormindo aqui… agora gastar o dinheiro da sua mãe?
Jay balançou a cabeça na hora.
— Ei. — ele se aproximou, gentil. — Você não tá incomodando ninguém, SN. Minha mãe quer isso. Ela se importa de verdade, tá bom? E tipo… você merece. Mesmo que não ache que merece ainda.
SN ficou quieta, o coração batendo forte. Não tava acostumada com esse tipo de cuidado.
No shopping
O lugar era grande, cheio de vitrines iluminadas, cheiro de perfume caro e muita gente andando pra lá e pra cá. SN andava meio devagar, como se estivesse pisando em solo desconhecido.
Jay estava ao lado, as mãos nos bolsos do moletom, andando no mesmo ritmo que ela.
— A gente pode começar por onde você quiser — ele disse.
SN olhou ao redor, ainda tímida.
— Eu... não sei. Eu nunca comprei roupa assim. Sempre usava as que as irmãs deixavam velhas.
Jay olhou pra ela, sentindo o peito apertar de novo. Queria pegar aquele passado e apagar com as próprias mãos.
Pararam na frente de uma loja cheia de peças coloridas, moletom fofinho, jeans modernos e meias com desenhos. SN hesitou, mas Jay parou e disse, com o tom calmo de sempre:
— Minha mãe falou que é pra você escolher as roupas. Tudo que precisar. E eu... eu sei que isso é novo pra você, mas... você tá segura, SN. Ninguém vai tratar você mal. Minha mãe é muito gentil, sabia?
SN olhou pra ele com os olhos brilhando, engoliu em seco e assentiu devagar.
— Ok… eu vou escolher algumas roupas.
Jay deu um sorrisinho tímido, aliviado.
— Tá. Se você quiser, eu espero do lado de fora da loja. Mas se precisar de ajuda... eu tô aqui.
Ela entrou devagar na loja, olhando cada peça com cuidado. As vendedoras sorriram pra ela, oferecendo ajuda com delicadeza — algo que ela não tava acostumada.
E pela primeira vez em muito tempo, SN se permitiu imaginar como seria viver… sem medo. Com alguém ao lado. Com espaço pra respirar, pra existir, pra ser só uma garota normal escolhendo roupas e tomando milkshake num shopping qualquer.
E talvez… só talvez… isso fosse o começo de uma vida nova.
Depois que a SN saiu da loja com uma sacola cheia de roupas novas, ela parecia outra pessoa. Ainda tímida, mas com os olhos mais leves e o semblante menos pesado. Jay caminhava ao lado dela com um milkshake na mão e um sorriso de canto, como se ver ela bem fosse a maior recompensa do mundo.
— E aí? Gostou das roupas? — ele perguntou, meio envergonhado.
SN olhou pra sacola nas mãos e depois pra ele.
— Eu gostei sim... obrigada, Jay. Tipo, de verdade. Eu nunca… nunca achei que teria um dia assim.
Jay riu baixinho.
— Ainda nem acabou. A gente tem que tirar uma foto agora. É regra, tá?
— Foto?
— É! Você teve seu primeiro rolê real. Precisa registrar.
Antes que ela pudesse negar, ele já puxava o celular do bolso.
SN sorriu, tímida, cobrindo o rosto com a manga do moletom novo. Mas Jay abaixou a mão dela com cuidado.
— Ei, não esconde esse sorriso. Você tá bonita assim.
Ela corou e deixou escapar uma risada curta.
Tiraram várias fotos juntos. Algumas sorrindo de verdade, outras fazendo careta. Jay até tirou uma selfie dela sem ela perceber e depois mostrou:
— Essa ficou minha favorita.
— Jay! — ela riu, batendo de leve no braço dele.
Sentaram em uma das mesas da praça de alimentação, com lanches simples na bandeja — hambúrguer, batata frita e refrigerante. Era só uma refeição qualquer... mas pra SN, era tudo.
Enquanto comiam, Jay olhou pra ela e soltou, meio do nada:
— Hum… SN?
— Hm?
— A gente tá no último ano da escola, né? E tipo… eu fiquei pensando. O que você quer fazer depois?
SN mastigou devagar, pensativa.
— Eu não sei… nunca tive tempo de pensar nisso. Eu tava sempre focada em sobreviver, sabe?
Jay ficou em silêncio. Sabia exatamente o que ela queria dizer.
Ela continuou:
— Mas… quando eu era pequena, eu sonhava em dançar. Eu amava ver os grupos de K-pop, e às vezes, eu me trancava no quarto e dançava escondida, imitando as coreografias. Era o único momento em que eu me sentia… viva.
Jay arregalou um pouco os olhos, impressionado.
— Caramba. Você dança?
SN deu um risinho envergonhado.
— Mais ou menos. Ninguém nunca viu. Só eu, meu espelho e… sei lá, a minha vontade de fugir da vida por alguns minutos.
Jay encostou no encosto da cadeira e a encarou com um sorrisinho curioso.
— E se você... tentasse ser ídolo de K-pop?
SN arregalou os olhos.
— O quê?!
— Tô falando sério — ele respondeu, sincero. — Você pode treinar. Fazer aulas. Tem empresa que recruta gente até depois dos 18. Se esse é seu sonho... por que não correr atrás?
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, processando aquilo. Ninguém nunca tinha falado com ela assim. Como se os sonhos dela fossem possíveis.
— Eu nunca tive coragem de pensar nisso de verdade. Mas… talvez com você e sua mãe do meu lado… eu consiga tentar.
Jay sorriu.
— A gente vai tá com você. Sempre. E se você debutar… eu vou ser seu maior fã. Vou até usar lightstick, banner com seu rosto e tudo.
SN riu alto dessa vez, sincera.
— Você ia mesmo?
— Lógico. Eu sou seu fã número 1 desde o telhado.
Ela parou de rir na hora e olhou pra ele, os olhos marejando.
— Obrigada, Jay… por me salvar. Não só lá em cima. Mas depois também.
Jay ficou vermelho, olhando pro lanche como se ele tivesse dito algo embaraçoso.
— Você me salvou também, sabia? Eu era só o cara do canto, desenhando sozinho. Agora eu tenho um motivo pra sair de casa sorrindo.
SN abaixou os olhos, sorrindo tímida.
E naquele shopping cheio de gente, entre fotos engraçadas e sonhos antigos sendo ditos pela primeira vez… os dois entenderam que aquilo não era só uma amizade comum.
Era o começo de algo raro. Verdadeiro.
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Atualizado até capítulo 90
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