Na manhã seguinte, o tempo continuava nublado, e o vento carregava o mesmo peso que a SN sentia no peito. Jay Park estacionou o carro em frente à casa dela, uma residência antiga, com as janelas sempre fechadas e o portão rangendo até quando o vento passava.
Jay virou o rosto pra SN, que estava no banco do passageiro, de moletom, com o capuz cobrindo parte do rosto.
— Fica aqui no carro, tá bom? — ele disse, olhando nos olhos dela. — Eu vou lá buscar suas coisas. Prometo que volto rápido.
Ela apenas assentiu com a cabeça, apertando os próprios braços como se tentasse se proteger de tudo.
Jay desceu do carro e foi até o portão, passando pelos degraus da frente. Quando chegou perto da porta, parou. Ali no chão, várias caixas estavam empilhadas, algumas rasgadas, outras abertas, com a palavra "LIXO" escrita em marcador vermelho.
Curioso, ele se abaixou e olhou dentro.
O sangue dele ferveu na hora.
Eram roupas. Cadernos. Livros. Uma boneca rasgada. Um diário amassado. Tudo da SN.
A garota que já tinha quase nada... tinha tido até o pouco arrancado.
Atrás dele, a porta do carro se abriu devagar.
— Jay...? — SN chamou, caminhando até ele com os olhos marejados.
Ela olhou as caixas e mordeu o lábio. Os olhos arderam.
— Isso… era tudo meu. — sussurrou. — Eles jogaram tudo fora assim que eu saí ontem. Não deixaram nada pra trás.
SN se abaixou e enfiou a mão entre os papéis e roupas velhas. Retirou de lá uma foto velha, meio amassada, com o canto rasgado. Era ela bebê no colo da mãe, ambas sorrindo como se fossem de outro mundo. Um mundo onde ela era amada.
Ela segurou a foto com força, como se o simples toque pudesse curar tudo.
Jay olhou pra ela, e aquilo foi o limite.
— Não. — ele murmurou, se levantando de repente.
Sem pensar duas vezes, ele entrou na casa sem bater, empurrando a porta com força.
No corredor, ele ouviu risadas. As meias-irmãs da SN estavam sentadas no sofá, no celular, com cara de deboche.
— O que você tá fazendo aqui?! — uma delas perguntou, erguendo uma sobrancelha.
Jay gritou, com os olhos cheios de raiva:
— VOCÊS SÃO LOUCAS?! Como vocês tiveram coragem de fazer isso com ela?! Jogar tudo dela fora como se ela fosse um lixo?!
As duas deram uma risadinha falsa.
— Era só tralha inútil. Ela nem mora mais aqui. Não faz falta.
— ELA É UMA PESSOA! — Jay respondeu alto. — Uma pessoa que só queria paz! Uma menina que cresceu sem mãe, com um pai ausente e VOCÊS, como irmãs, tinham a chance de fazer diferente. Mas preferiram virar o inferno na vida dela!
Elas ficaram sem palavras por um segundo.
Foi quando SN apareceu na porta, segurando a foto da mãe, com os olhos vermelhos.
— Jay, por favor... — ela disse baixinho. — Vamos embora. Eu não quero mais pisar aqui. Esse lugar nunca foi meu lar.
Jay olhou pra ela, ainda ofegante de raiva. Ele caminhou até ela, pegou sua mochila rasgada, a caixa com o resto das roupas e segurou a mão dela com força.
Ele olhou pra dentro da casa uma última vez, os olhos cheios de desprezo.
— Eu vou cuidar dela agora. E vocês nunca mais vão ter a chance de machucar ela de novo.
Então ele fechou a porta com força, como se estivesse encerrando um capítulo.
Eles voltaram pro carro. No caminho, SN ficou em silêncio, olhando a foto da mãe no colo dela.
Jay dirigia com uma expressão séria, mas o coração dele estava firme numa coisa: ele não ia deixar ela sozinha nunca mais.
O carro estacionou em frente ao prédio. A tarde já estava virando noite, e o céu começava a escurecer devagar, carregado de nuvens pesadas.
Jay desligou o carro em silêncio. Olhou para o lado. A SN segurava a foto da mãe com tanto carinho, como se fosse um pedaço de alma que ela achou no meio do caos.
Eles subiram pro apartamento sem trocar muitas palavras. Ambos estavam cansados, exaustos por dentro. Mas por algum motivo... mais próximos do que nunca.
Assim que entraram, Jay trancou a porta e jogou as chaves na mesinha da entrada. SN foi direto pro sofá e sentou abraçada com a caixa de papelão onde estavam as poucas roupas que ainda restaram. O casaco largo dele cobria os joelhos dela.
Jay sentou do lado.
Ficaram um tempo assim. Em silêncio. O som da cidade entrando pelas janelas fechadas, mas lá dentro... só os dois.
Jay olhou de canto e perguntou baixinho:
— Quer assistir alguma coisa?
SN deu de ombros, com um sorrisinho fraco.
— Só quero... esquecer esse dia por uns minutos.
Ele pegou o controle, ligou a TV e colocou em um canal aleatório. Nem sabiam o que estavam assistindo. Só queriam fingir que era uma noite normal.
Mas então... a porta do apartamento se abriu.
— Jay? — chamou uma voz feminina.
A SN arregalou os olhos e se encolheu sem perceber. Jay se levantou na hora.
— Mãe! — ele disse, indo até a porta.
A mulher entrou com a bolsa atravessada, crachá do hospital pendurado na blusa e expressão cansada. Mas ao ver o filho... e logo atrás dele, a menina no sofá com os olhos assustados e o cabelo cacheado preso com uma xuxinha... ela parou.
— Quem é essa? — perguntou com delicadeza, tirando os sapatos.
Jay respirou fundo e falou de uma vez:
— É a SN. Ela... ela tentou se jogar do telhado da escola ontem. Eu tava lá. Eu impedi. Ela não tem ninguém. O pai tá viajando há meses, a madrasta odeia ela, as irmãs jogaram todas as coisas dela no lixo hoje. Ela não tem pra onde ir, mãe. Eu trouxe ela pra cá.
A mãe de Jay olhou pra ele. Depois olhou pra SN.
E então, ela tirou o jaleco branco e o pendurou, foi até a cozinha, pegou um copo d’água e levou até a menina.
— Você tá segura agora, tá bom? — disse, com a voz mais doce que alguém já tinha usado com SN.
SN olhou o copo. Depois olhou pra mulher. E então, pela primeira vez… ela chorou sem esconder.
Jay ficou ali do lado, observando. O peito dele apertava, mas era diferente dessa vez. Porque ele sabia que agora... ela tinha onde ficar.
A mãe dele sentou no outro lado do sofá e passou a mão nos cabelos cacheados da SN com carinho.
— Hoje você dorme aqui. Amanhã a gente vê o resto. O importante agora é você respirar... e descansar. Tá bom?
SN assentiu, ainda com as lágrimas escorrendo.
Jay pegou uma manta do armário, colocou sobre ela e sentou de novo ao lado. A TV seguia ligada, mas ninguém mais prestava atenção nela.
E ali, naquele sofá pequeno, apertado… SN sentiu algo que ela nem lembrava como era:
Paz.
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Atualizado até capítulo 90
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