Queima lenta

Acordei com a luz do sol cortando meu quarto como uma navalha. Tinha dormido mal. Na verdade, nem sabia se tinha dormido. O corpo tava ali, mas a cabeça ainda revivia o momento de ontem.

Nick. No meu quarto. Falando que eu destruía ele.

E depois indo embora como se nada tivesse acontecido.

Eu queria gritar. Quebrar alguma coisa. Ou só beijar ele até o mundo desabar. Era tudo confuso demais. Intenso demais. Aquele cara era um furacão e eu? Uma idiota apaixonada pelo caos.

Levantei, botei um short jeans surrado, uma regata larguinha e fui dar uma volta pela casa. Não que eu esperasse encontrar paz, mas precisava me distrair. Tava indo pegar um café quando vi um bilhete em cima do balcão.

“Te espero às 15h. Se quiser entender. — N.”

Nenhum endereço. Nenhuma explicação. Só isso.

Como se ele soubesse que eu ia entender.

E, droga, eu entendi.

゚・✻・゚・✻・゚゚・✻・゚・✻・゚゚・✻・゚・✻・゚゚・✻・゚

Passei o resto da manhã tentando agir normal, fingindo que não tava com o coração batendo mais forte a cada minuto que se aproximava das 15h. Minha mãe me chamou pra sair com ela, eu inventei uma dor de cabeça. Meu padrasto me ignorou como sempre. E eu fiquei rodando pela casa feito uma alma penada.

Quando deu 14h30, peguei minha mochila, joguei uma garrafinha d’água dentro, botei meu coturno e desci. Fui até a garagem e peguei a moto elétrica que tinham me dado quando cheguei – bem menos empolgante que as motos do Nick, mas servia.

Saí sem avisar ninguém. Só segui o instinto.

Cheguei no galpão depois de uns vinte minutos, com o vento bagunçando meu cabelo e a expectativa pesando nos ombros. O portão já tava entreaberto. Entrei devagar.

Lá dentro, um grupo pequeno de caras mexia nas motos. Alguns me reconheceram de longe e fizeram aquele olhar que diz “ih, lá vem problema”. Mas ninguém impediu minha passagem.

E então eu vi ele.

Nick.

De costas, mexendo no motor de uma das motos. Camisa preta colada no corpo, o suor já marcando as costas. Lindo até demais pra ser verdade. Quando ele me ouviu chegando, virou só o rosto.

— Pensei que não vinha.

— Pensei em não vir.

— Mas veio.

— E você sabia que eu viria, né?

Ele sorriu de lado. Aquele sorriso que mais parece um aviso.

— Sabia.

Me aproximei devagar.

— Por que me chamou?

Ele limpou as mãos com um pano sujo de graxa e apoiou os braços na moto.

— Porque você quer respostas.

— Quero?

— Quer. Desde o dia que me viu naquela festa. Desde que ficou me seguindo. Desde que sentou naquela moto comigo e deixou o medo lá atrás.

Suspirei.

Ele tava certo. E isso me irritava ainda mais.

— Tá bom. E o que você vai me mostrar?

Ele me olhou como quem calcula o risco.

— Hoje tem corrida. Oficial. Com plateia, apostas e tudo mais. Quero que você veja o que realmente é o meu mundo.

— Por quê?

— Porque... se você vai se meter nele, que seja sabendo onde tá pisando.

— E se eu não quiser me meter?

Ele se aproximou, devagar. Cada passo dele era uma provocação. Parou na minha frente. Tão perto que eu podia sentir o calor do corpo dele irradiando.

— Tarde demais, Noah.

E quando ele disse meu nome, daquele jeito rouco e cheio de intenção, eu soube. Ele tinha razão. Era tarde demais.

゚・✻・゚・✻・゚゚・✻・゚・✻・゚゚・✻・゚・✻・゚゚・✻・゚

O sol já tava se pondo quando chegamos no lugar da corrida.

Um trecho isolado de estrada no meio de um parque industrial abandonado. Gente pra todo lado. Luzes de moto, fumaça, cheiro de gasolina e adrenalina. Era como entrar num universo paralelo onde ninguém dorme e todo mundo vive no limite.

Nick me guiou pela multidão como se aquele caos fosse casa pra ele. Os caras cumprimentavam ele com respeito. As garotas olhavam pra ele como se fossem derreter. E eu? Eu só tentava não me perder dentro daquilo tudo.

— Fica aqui — ele disse, apontando pra um canto perto da pista, onde dava pra ver tudo. — Promete que não sai.

— Tá achando que sou criança?

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Promete.

Bufei.

— Tá. Prometo.

Ele se afastou e foi se preparar. Enquanto isso, fiquei observando. O barulho dos motores esquentando. As apostas rolando. A tensão no ar.

Quando Nick apareceu de novo, montado na moto preta fosca, com o capacete pendurado no braço e o olhar fixo, eu senti.

Senti que aquilo ali era mais que uma corrida. Era uma guerra pessoal. E ele tava lutando contra fantasmas que eu ainda nem sabia o nome.

Um cara ao meu lado comentou:

— O Nick vai correr contra o Cobra hoje. Vai ser feio.

— Quem é o Cobra? — perguntei.

— Rival antigo. E não joga limpo.

E foi aí que me dei conta: aquilo podia dar muito errado.

A corrida começou com um ronco de motores que vibrou dentro do meu peito. Nick saiu na frente, como um raio cortando a noite. O Cobra veio logo atrás, colado. A multidão gritava, empurrava, vibrava.

Meus olhos não desgrudavam da pista.

As motos sumiam na curva e voltavam rasgando o asfalto. Era perigoso. Era sujo. Era insano.

E eu tava adorando.

Na última volta, Nick tava na frente, mas o Cobra tentou passar por cima. Literalmente. Jogou a moto pra cima dele. Nick desviou por milímetros, perdeu o controle por um segundo, mas segurou. Recuperou a liderança e cruzou a linha como um rei.

Vivo.

Vitorioso.

E furioso.

Desceu da moto, jogou o capacete no chão e partiu pra cima do Cobra. Os dois começaram a se empurrar, gritar. A galera se aproximou, querendo ver briga.

Eu fui no instinto.

— Nick! — gritei, correndo até ele.

Ele me viu. E parou.

O olhar dele veio direto pro meu. E naquele segundo, o mundo inteiro silenciou.

— Chega — eu disse, ofegante. — Você já ganhou. Não precisa disso.

Ele respirou fundo. Mandou um “vai se foder” pro Cobra e se afastou.

Me puxou pela mão e me levou pro fundo do estacionamento, onde tava mais escuro e mais quieto.

Encostou na parede e olhou pra mim.

— Por que você veio mesmo?

— Porque eu quis.

— Você devia correr disso.

— Mas eu corro pra isso.

Ele riu, um riso amargo.

— Isso vai dar merda, Noah.

— Provavelmente.

— Você vai se machucar.

— Já tô machucada.

A gente ficou em silêncio por um tempo. Só os olhos dizendo tudo.

E então ele encostou a testa na minha de novo.

Mas dessa vez, ele não foi embora.

Dessa vez, ele me beijou.

Um beijo quente, urgente, cheio de raiva e desejo e medo.

E eu deixei.

Porque, no fim das contas... talvez a culpa seja mesmo minha.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!