O quarto ao lado

A noite caiu em cima do Rio como um cobertor pesado e úmido. Do meu quarto, dava pra ver os pontos de luz da cidade piscando como vaga-lumes bêbados. Mas eu não conseguia prestar atenção em nada disso.

Eu só conseguia pensar em Nick.

Tava tentando convencer meu cérebro de que ele não era tudo isso. Que era só mais um garoto bonito, desses que a gente encontra com frequência no feed das redes sociais. Mas, honestamente? Nada preparava a gente pra ele ao vivo. Ele era tipo um soco no estômago com luva de veludo: bonito, perigoso e completamente irritante.

Fiquei enrolando no quarto por horas, fingindo que tava interessada na decoração. Arrumei meus livros, tirei e coloquei roupas no armário, abri a janela, fechei, abri de novo. E nada dele aparecer de novo. Nem sinal de barulho, nem da moto.

Até que ouvi passos no corredor.

Sabe aquele som que já chega com presença? O tipo de passo que não precisa de anúncio. Era ele. Tinha certeza.

Segurei o ar sem querer.

A maçaneta da porta ao lado girou. A dele.

Pensei: "ok, Noah, é agora que você age como adulta civilizada. Vai lá, dá um oi, apresenta-se, finge que não tá se importando com a beleza dele."

Mas, é claro, que eu fui fazer o quê?

Fui espiar pela porta entreaberta.

Sim. Mico total.

Ele tava de costas, tirando a jaqueta de couro. A camiseta cinza marcava as costas largas, o cabelo bagunçado parecia proposital. E ele tinha tatuagens. Tatuagens. No braço, no ombro, no pescoço. Linhas pretas que pareciam contar segredos que eu nem sabia se queria descobrir.

Mas descobri o que era vergonha mesmo quando ele virou de repente e me pegou no flagra.

— Tá gostando da vista? — ele perguntou, com a voz rouca e um sorriso de canto que me tirou dois anos de vida útil.

Me endireitei num pulo.

— Eu... só tava vendo se você tinha chegado. — Menti na cara dura.

Ele cruzou os braços, encostando no batente da porta, me analisando com calma. Com aquele olhar que pesa, que vasculha. Que provoca.

— E? — perguntou.

— E o quê?

— Cheguei. Pode dormir tranquila agora?

— Hm, pode deixar. Nem tava preocupada. Só achei educado dar um alô.

— Alô dado — respondeu, curto e grosso, antes de virar de costas e fechar a porta na minha cara com um estalo seco.

Fiquei ali parada, com a testa franzida e o orgulho ferido. Que idiota arrogante.

Voltei pro meu quarto, bufando. Mas no fundo, bem no fundo, uma parte minha tava... sei lá. Viva.

Talvez fosse adrenalina. Talvez fosse raiva.

Ou talvez fosse aquela coisa que a gente não quer admitir de jeito nenhum.

No dia seguinte, acordei com o sol invadindo tudo. Meu corpo tava cansado, mas a mente ligada no 220. Vesti um short jeans, uma regata branca e prendi o cabelo num coque bagunçado. Ia explorar a casa. Talvez encontrar uma cozinha. Ou um canto em que eu não me sentisse uma intrusa.

Desci as escadas como quem pisa em território inimigo.

— Bom dia, dona Noah — disse uma das empregadas. — Quer um café?

— Por favor! — sorri com alívio. Café me faz sentir em casa, mesmo que a casa seja de outra pessoa.

Fui até a varanda. A mansão parecia mais viva de manhã. Barulho de vento nas palmeiras, cheiro de mar, sol refletindo nas janelas. Me sentei na beira da piscina com a xícara na mão, curtindo o momento de paz.

E, claro, como todo momento de paz na minha vida: durou pouco.

Nick apareceu.

Descalço, de bermuda, sem camisa e com aquele cabelo bagunçado como se tivesse acabado de sair da cama de alguém. E provavelmente tinha mesmo.

Ele passou por mim como se não me visse. Pegou uma garrafa de água na geladeira do bar da piscina e só então falou:

— Dormiu bem, espiã?

Revirei os olhos.

— Dormi. Pena que acordei.

Ele riu, um riso rouco e provocador.

— Você é cheia de resposta, né?

— Só quando alguém merece.

— Cuidado. Aqui nesse lugar, resposta demais acaba virando aposta.

Franzi a testa.

— Aposta?

Ele se sentou na borda da piscina, do meu lado, mas sem encostar. Aquele tipo de presença que ocupa tudo mesmo sem tocar em nada.

— Uma hora você vai entender como as coisas funcionam por aqui.

— E como funcionam?

— Todo mundo tem um papel. Uns mandam, outros obedecem. Uns seguem as regras... — ele virou a cabeça e me encarou — ...e outros criam as próprias.

— E você, Nick? É o quê?

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Eu? Eu sou o cara que não se mistura. Mas que todo mundo quer por perto.

Quase ri.

— Você se acha muito, né?

Ele sorriu. Aquele sorrisinho torto, preguiçoso, e de alguma forma irresistível.

— Eu só sei quem eu sou.

— Arrogante.

— Realista.

— Perigoso.

Ele inclinou um pouco a cabeça. O olhar ficou mais sério.

— E você? Quem é você, Noah?

Engoli seco.

— Ninguém que você precise se preocupar.

— Tarde demais — ele murmurou, se levantando e me deixando com a xícara tremendo nas mãos.

Fiquei ali parada, tentando entender o que, diabos, tava acontecendo comigo.

Eu mal conhecia esse cara.

Mas já sentia que ia dar merda.

E das grandes.

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