5- Aula de balé

O ar no estúdio da DançArte Academia tinha um cheiro doce de madeira encerada, suor infantil e sonhos.

A luz da tarde entrava generosa pelas janelas altas, iluminando as partículas de poeira que dançavam no mesmo ritmo que minhas pequenas bailarinas.

Cinco anos. Tudo era magia nessa idade. Os tutus rosa, as meias-calças brancas, as sapatilhas macias ainda sem fita e os olhos arregalados de quem acredita que pode voar.

— E um, e dois, e plié… muito bem, Clara. Muito bem flexionado.

incentivei, batendo palmas leves no ritmo do piano suave que saía do caixa de som. Minha voz era um fio de mel, projetada para envolver, não para comandar.

— Agora, port de bras… braços redondinhos, como se abraçassem uma bolinha gigante…

Sophie, a loirinha de cachos de ouro e olhos azuis como o céu de julho, executava cada movimento com uma concentração solene que me derretia por dentro.

Ela era minha estrelinha, minha miniatura de Odette no Lago dos Cisnes que encenaríamos no Teatro Municipal. Seu solo era simples, três passinhos, um giro, terminando com um pequeno vôo e uma reverência, mas na cabeça dela, era como o palco do Bolshoi. E eu estava adorando isso.

— Agora é sua vez, Sophie!

anunciei, a voz carregada daquela emoção contida que só uma professora apaixonada por seus pupilos conhece. A música mudou para uma valsinha delicada.

— Lembra da história da princesa que encontra o cisne? Sua surpresa… sua alegria…

Sophie posicionou-se no centro do estúdio. Por um segundo, parou. Olhou para as amiguinhas, para mim, para a Dona Marie, a dona da academia  estava sentada no cantinho, observando com um sorriso tranquilo que valia mais que qualquer crítica.

E então, como se uma fada tivesse soprado, Sophie transformou-se. Saltitou com uma leveza que desafiava a gravidade, os bracinhos esvoaçando como asinhas. O giro foi um pouco cambaleante, a suspendi e ela terminou com os pés um pouquinho desencontrados, mas o sorriso que estampou seu rosto ao final, ofegante e radiante, foi pura poesia.

— Brava! Brava, Sophie!

exclamei, e as outras meninas já estavam batendo palminhas desengonçadas, contagiantes na sua sinceridade.

Meu coração apertou de um jeito bom. Era isso. Esse friozinho na barriga, essa certeza de estar exatamente onde deveria estar, fazendo exatamente o que nasci para fazer.

Mesmo com as noites mal dormidas entre a a academia e os ensaios solitários neste mesmo estúdio, quando as luzes se apagavam e só eu e o espelho restavam.

Mesmo com as memórias do que houve com meu Charger na garagem do vovô. Tudo valia por esse instante, pela luz nos olhos daqueles seres pequenos e perfeitos.

— Perfeito, queridas!

minha voz ecoou, cheia de um orgulho que não cabia em mim.

— Vamos descansar um minutinho? Água e um lanchinho!

O estúdio se transformou num burburinho de risadas e tutus rodopiantes correndo para as garrafinhas coloridas. Foi quando Dona Marie se aproximou.

Alta, elegante mesmo com os cabelos grisalhos presos num coque impecável, ela emanava uma serenidade que sempre me acalmou.

— Cecília, minha querida

disse, colocando uma mão leve no meu ombro. Seus olhos, de um azul profundo e inteligente, brilhavam.

— Que delicadeza. Que doçura você coloca em cada gesto delas. O solo da Sophie…

Ela abanou a cabeça, sem palavras por um segundo.

— Você conseguiu tirar dela mais do que eu imaginava ser possível em crianças tão pequenas. E Sophie, ela é um diamante bruto, vejo o mesmo que você. E isso é um dom.

O elogio, vindo dela, fez-me corar. Dona Marie não era de exageros.

— Ela é especial, Dona Marie. Todas são. Só preciso… ouvir o que elas têm a dizer sem palavras, sabe?

confessei, limpando um fio de suor da testa com a manga do top. O calor do esforço misturava-se ao calor da emoção.

— Você ouve, sim. E traduz em movimento. É raro.

Ela apertou meu ombro suavemente.

— A apresentação no Municipal vai ser linda. Estou certa disso. E não se preocupe com os últimos detalhes. Você está pronta. Elas estão prontas.

Sophie correu até nós, ofegante, segurando um biscoito.

— Senhorita Ceci! Olha! É uma estrela! Igual a da minha sapatilha nova. Que o meu tio me deu.

Ela mostrou o biscoito mordido, formando de fato uma estrela imperfeita.

Ri, o som leve preenchendo o estúdio.

— É sim, Sophie! Agora vai lá com as amigas, precisa repor as energias!

Sophie deu um abraço rápido nas minhas pernas e saiu correndo de volta para o grupo, seu tutu rosa, uma mancha de alegria contra a luz da tarde.

Dona Marie me olhou, o sorriso ampliou-se.

— Viu? Até os biscoitos viram arte com você por perto.

Brincou, um piscar de olhos carinhosos.

— Quando terminar, passa no meu escritório? Quero falar sobre um projeto novo para o ano que vem. Algo… maior.

Maior? O coração deu um salto. Antes que eu pudesse responder, ela já se afastava com seu passo gracioso, deixando-me com as borboletas dançando no estômago e o eco das crianças enchendo o ar.

Olhei para minhas bailarinas, rindo e compartilhando biscoitos em formatos diversos, criados pela imaginação sem limites.

Aqui, com o cheiro de infância e futuro, eu era só Cecília. Professora. Guia de pequenos sonhos com sapatilhas de fita. E era mais do que suficiente. Era tudo.

A luz da tarde já se alongava, tingindo o estúdio de tons quentes de âmbar e dourado quando o penúltimo tutu rosa desapareceu pela porta, abraçada às pernas de um pai sorridente.

O burburinho alegre das crianças deu lugar ao silêncio.

Apenas Sophie permanecia, sentada no chão de madeira, as perninhas esticadas, balançando os pés descalços.

Seu tutu formava uma nuvem rosa ao seu redor, e seus olhos azuis, antes cheios de fogo durante o solo, agora brilhavam com uma ponta de ansiedade enquanto fitava a porta.

— A mamãe tá demorando hoje, né Senhorita Ceci?

perguntou, a voz, um fiozinho trêmulo.

Sentei-me ao seu lado, envolvendo-a com um braço. A pequena cabeça loira encostou no meu ombro, os cabelos macios cheirando a shampoo de bebê.

— Às vezes o trânsito prega peças, estrelinha

respondi, suavemente. Sabendo que nessa cidade só havia dois semáforos, e eram nas duas saídas da cidade.

— Mas ela, e deve estar a caminho. Enquanto isso… que tal aproveitarmos para repassar aquele giro mágico da princesa cisne? Só pra aquecer enquanto esperamos?

Os olhos de Sophie iluminaram-se instantaneamente, toda a preocupação dissipada como fumaça.

— Sim! Por favor! O giro com os braços assim?

Ela saltou, imitando o port de bras, arredondado que havíamos trabalhado, os bracinhos finos criando uma curva imperfeita mas cheia de intenção.

— Exatamente assim!

Sorri, levantando-me também.

— Mostra pra mim outra vez, como a princesa fica surpresa quando vê o cisne lindo?

A ajudei a colocar as sapatilhas de novo. Peguei o controle remoto do som. A valsa delicada encheu novamente o estúdio vazio, soando mais íntima, mais pessoal agora, sem a plateia de pequenas bailarinas. Sophie respirou fundo, fechou os olhos por uma fração de segundo, um hábito adorável que ela tinha para se concentrar e então começou.

Desta vez, sem a pressão dos olhares, seu movimento fluía com uma naturalidade ainda maior. O salto foi mais alto, o giro… Bem mais estável, e terminado com os pés firmes no chão e um sorriso triunfante voltado para mim.

— Brava!

Aplaudi, genuinamente impressionada.

— Foi muito lindo, Sophie! Estou muito orgulhosa!

Ela corou, fazendo uma pequena reverência. Estávamos no meio do terceiro “solo improvisado” e a insistência dela era contagiante, quando a porta do estúdio se abriu com um ruído suave.

Helen estava ali, toda linda com o rosto corado, os cabelos loiros platinados um pouco desalinhados, a respiração um pouco ofegante.

Trazia uma bolsa de couro preto pendurada no ombro e um olhar cheio de culpa e alívio ao encontrar Sophie.

— Sophie! Amor, me desculpa!

exclamou, correndo para a filha e ajoelhando-se para abraçá-la.

— A Rita me deu carona, mas o pneu furou.

Ela beijou a testa da menina, que afundou no abraço materno com um suspiro de contentamento.

— Obrigada, Cecília, por ficar com ela. Sério, não sei como agradecer. E me desculpe pelo atraso.

Helen ergueu o olhar para mim. Havia uma energia nervosa nela, uma familiaridade nos traços a linha forte da mandíbula, a intensidade do olhar azul, que me fez piscar.

— Não foi problema algum, Helen 

respondi, sorrindo enquanto recolhia as sandálias minúsculas de Sophie que estavam jogadas no chão.

— Sophie é uma companhia maravilhosa e uma bailarina de primeira. Estivemos aperfeiçoando o solo para o Municipal. Ela está brilhante.

Helen sorriu, um sorriso cansado, mas cheio de orgulho ao olhar para a filha.

— Ela vive falando da Senhorita Ceci e da apresentação. Mal posso esperar para vê-la.

Recolheu a mochila da filha que eu estendi.

— Vamos, estrela? O seu tio vai nos levar para jantar.

— Tchau, Senhorita Ceci!

Sophie acenou entusiasmada, segurando a mão da mãe.

— Até amanhã!

— Até amanhã, princesa cisne!

acenei de volta, observando-as sair. Helen deu um último aceno de agradecimento antes de desaparecerem pelo corredor. A porta fechou-se, deixando um vácuo súbito no estúdio.

A energia vibrante de Sophie levou embora.

Guardei a última sapatilha com cuidado, meu coração ainda quente com o ensaio de Sophie, mas também com o fio de curiosidade tecendo-se ao redor da figura daquele homem enigmático da academia.

Capítulos
1 1- Oito segundos
2 2- Madrugada silenciosa
3 3- Camaro velho
4 4- Toyota amarelo
5 5- Aula de balé
6 6- Cumprindo promessas
7 7- Teatro municipal
8 8- A apresentação de balé
9 9- Dança contemporânea
10 10- Distraído
11 11- Oficina
12 12- Inferno de fogo
13 13- Sobre rodas
14 14- Luz da varanda
15 15- Lista de compras
16 16- Promessa de guerra
17 17- Hospitalidade
18 18- Quente como um vulcão
19 19- Armadilha
20 20- Prova de resistência
21 21- Um passo pra trás
22 22- Feira de primavera
23 23- Sanduíche de costela
24 24- A primeira mordida
25 25- Show de country
26 26- Raiva e fogo
27 27- Momento de clareza
28 28- Entendeu tudo errado
29 29- Planos para o sábado
30 30- Prontos pra carnificina
31 31- Submundo
32 32- Demolidor
33 33- Medo congelante
34 34- verdade crua
35 35- Choque das revelações
36 36- De homem pra homem
37 37- Almoço surpresa
38 38- Festa dos Fire Angels
39 39- Nova realidade
40 40- Condenado
41 41- Volta de moto (+18)
42 42- Atraída pelo abismo - Dança contemporânea
43 43- Negócios, são só negócios
44 44- Afunda ou deixa entrar?
45 45- Brava (+18)
46 46- Aquário
47 47- Uma busca implacável está começando
48 48- Fúria corporal
49 49- O peso das palavras não ditas
50 50- O inferno não chegou, ele já está aqui!
51 51- Rompendo barreiras
52 52 - Quente como um vulcão (+18)
53 53- Meu Caçador
54 54- Planos de guerra
55 55- Priminhos
56 56 - Jantar e convidados inesperados
57 57- Cilada
Capítulos

Atualizado até capítulo 57

1
1- Oito segundos
2
2- Madrugada silenciosa
3
3- Camaro velho
4
4- Toyota amarelo
5
5- Aula de balé
6
6- Cumprindo promessas
7
7- Teatro municipal
8
8- A apresentação de balé
9
9- Dança contemporânea
10
10- Distraído
11
11- Oficina
12
12- Inferno de fogo
13
13- Sobre rodas
14
14- Luz da varanda
15
15- Lista de compras
16
16- Promessa de guerra
17
17- Hospitalidade
18
18- Quente como um vulcão
19
19- Armadilha
20
20- Prova de resistência
21
21- Um passo pra trás
22
22- Feira de primavera
23
23- Sanduíche de costela
24
24- A primeira mordida
25
25- Show de country
26
26- Raiva e fogo
27
27- Momento de clareza
28
28- Entendeu tudo errado
29
29- Planos para o sábado
30
30- Prontos pra carnificina
31
31- Submundo
32
32- Demolidor
33
33- Medo congelante
34
34- verdade crua
35
35- Choque das revelações
36
36- De homem pra homem
37
37- Almoço surpresa
38
38- Festa dos Fire Angels
39
39- Nova realidade
40
40- Condenado
41
41- Volta de moto (+18)
42
42- Atraída pelo abismo - Dança contemporânea
43
43- Negócios, são só negócios
44
44- Afunda ou deixa entrar?
45
45- Brava (+18)
46
46- Aquário
47
47- Uma busca implacável está começando
48
48- Fúria corporal
49
49- O peso das palavras não ditas
50
50- O inferno não chegou, ele já está aqui!
51
51- Rompendo barreiras
52
52 - Quente como um vulcão (+18)
53
53- Meu Caçador
54
54- Planos de guerra
55
55- Priminhos
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56 - Jantar e convidados inesperados
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57- Cilada

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