3

O telefone tocou três vezes. Três. Nunca quatro. Nunca duas. Três.

Toque codificado.

Desviei o olhar da taça de vinho e encarei Alex, que já se levantava da poltrona com o celular na orelha. Não precisei perguntar nada. Pelo olhar dele, eu já sabia: merda grande.

— Fala.

Ele ouviu por alguns segundos, depois desligou sem dizer uma palavra. Veio até mim, firme, o rosto mais tenso do que eu gostaria.

— Interceptaram a carga em Nápoles. Um dos nossos homens morreu. Dois estão desaparecidos.

Fechei os olhos. Respirei fundo.

— Que tipo de carga?

— A remessa vinda da fronteira leste. Cem quilos de armamento leve, os fuzis e as munições que iríamos redistribuir em Palermo, Roma e Milão.

Levantei-me, puxei o paletó, abri o fundo falso e retirei o coldre com minha Glock. A arma encaixou com um estalo seco no lugar.

— Quem foi ousado o bastante pra atacar no nosso caminho?

— Facção nova. Croatas. Vieram pra ficar, segundo os informantes.

Sorri.

— Então vamos ensiná-los o que significa brincar com a família errada.

O galpão em que planejamos tudo ficava fora do radar. Local neutro, sem escutas, sem olhos curiosos. Alex mapeou com ajuda de dois soldados confiáveis o possível caminho que a carga poderia ter feito após ser desviada. Os caminhões nunca foram encontrados, o que significava que os croatas tinham base própria e sabiam esconder.

Eles não eram amadores.

Espalhei os mapas sobre a mesa. Apontei para o ponto onde a interceptação tinha ocorrido e desenhei um semi-círculo até uma zona industrial decadente ao sul de Nápoles.

— Eles não tentariam ir pra fora da Itália. Não com armamento desse porte. Isso é para redistribuição. Pra dominar mercado.

Alex assentiu.

— Achamos uma movimentação atípica de energia elétrica nesse setor aqui. Uma usina desativada teve aumento de consumo nos últimos dois dias.

— Perfeito. Entraremos essa noite.

— Você e eu?

— Só nós. Nada de chamar atenção. Dois fantasmas.

 

A noite caiu silenciosa, como um lâmina afiada. Usei calça tática preta, camisa justa de algodão escuro, luvas e bota leve. Meu corpo já se movia por instinto, cada centímetro treinado para morte.

Alex dirigia o carro sem placas. O silêncio entre nós era quase sagrado. Há anos agíamos juntos. Ele sabia como eu pensava. Eu sabia quando ele ia agir.

Estacionamos a 700 metros do alvo. Seguimos a pé pela encosta de terra. A noite era densa. Sem lua. Ideal.

Do alto da colina, avistei o galpão. Três vigias. Dois do lado de fora, um no alto da torre de observação improvisada. Armados com AK-47.

Fiz sinal com os dedos. Três alvos. Três soluções.

Alex deu a volta, silencioso, e foi pela parte leste. Eu fiquei encarregado dos dois vigias de fora.

Aproximei-me rastejando por entre caçambas e contêineres abandonados. Peguei a faca. Um dos homens acendeu um cigarro. Foi a deixa.

Avancei por trás, cravei a lâmina direto na jugular, tampei a boca com a outra mão. O sangue jorrou quente, mas sem som.

O segundo se virou.

— Chi è lì?! (Quem está aí?!)

Dois tiros com a pistola com silenciador. Um no peito. Outro entre os olhos. Caiu como saco de ossos.

Alex já tinha abatido o da torre. Entramos.

Dentro, seis homens. Todos croatas. Jogavam cartas. Riam. Não perceberam quando desligamos a energia. Não ouviram quando abrimos a porta.

Mas ouviram os tiros.

Avancei primeiro, mirando certeiro. Um caiu com o pescoço perfurado. Outro tentou correr, mas Alex cravou três balas nas costas. Um quarto se rendeu. Os dois restantes reagiram.

Houve luta corpo a corpo. Um me golpeou com uma barra de ferro. Senti o sangue escorrer pela testa, mas não parei. Quebrei o braço dele com um giro. Finalizei com a faca no coração.

O último tentou escapar. Atirei na perna.

— Dove pensi di andare, bastardo? (Aonde pensa que vai, bastardo?)

O homem gritava no chão.

— Fala! Cadê o resto da carga?

Ele cuspiu no chão, rindo.

O silêncio que veio depois dos tiros era mais incômodo que o som dos disparos. Alex se aproximou com o semblante sério, o coldre ainda em mãos, as botas sujas de sangue e barro.

— Dois escaparam — ele rosnou, limpando o suor da testa com o dorso da mão. — Mas a carga tá ali. Intacta. Eles não tiveram tempo de mover nada.

Andei até o caminhão. A estrutura traseira estava com o cadeado arrebentado, mas o conteúdo continuava dentro. Trinta caixas, empilhadas com precisão. Drogas, armas, documentação falsa, diamantes — uma mistura de tudo que financiava nosso império. Respirei fundo, o cheiro do metal misturado com pólvora me trouxe uma lembrança antiga. Do dia em que vi meu pai dar o primeiro tiro. Eu tinha sete anos. E entendi ali que, para manter o que era nosso, precisávamos estar dispostos a perder tudo. Inclusive a alma.

— Alex, manda os rapazes descarregarem isso no galpão do porto. Vamos reforçar a segurança do perímetro. — Me virei para o grupo que sobreviveu. — E quero rastrear os dois que escaparam. Agora.

O olhar que lancei foi o suficiente para que todos saíssem correndo. Um dos homens se ajoelhou no chão, estalando os dedos de nervoso enquanto ligava para os pontos de apoio espalhados pela cidade. Não era só a carga que estava em jogo. Era meu nome. Minha reputação.

De volta ao carro, encostei a cabeça no banco de couro. Alex dirigia em silêncio, como sempre fazia quando percebia que eu estava em modo de cálculo. No meu mundo, nenhuma vitória é completa enquanto o inimigo respira. A máfia tem leis próprias. E uma das mais antigas era: Não deixe testemunhas que possam voltar com reforço.

Alex me encarou pelo espelho retrovisor.

— Você não precisava ter ido. Tínhamos homens pra isso.

Sorri.

— Ninguém toca na minha carga. Ninguém toca na minha família.

Ele sorriu de volta.

Marco Rizzo. O nome que até os mortos aprendem a respeitar.

Peguei o telefone e liguei para um dos nossos informantes dentro da delegacia regional de Palermo. O homem atendeu no terceiro toque.

— Sim, senhor Rizzo?

— Preciso de localização de dois veículos. Acabei de enviar as placas por mensagem. Prioridade máxima.

— Recebido. Dou retorno em dez minutos.

Alex desviou o olhar da estrada por um segundo.

— Vai querer fazer isso ainda hoje?

— Não durmo enquanto não tiver o sangue deles no chão. Fizeram isso aqui — apontei para minha camisa rasgada pelo tiro que quase me atingira. — Acharam que era só uma carga. Não sabiam que carregavam um recado.

Alex assentiu. Não precisava dizer mais nada.

Chegamos ao galpão ainda de madrugada. Os homens já estavam descarregando a mercadoria, enquanto outros vigiavam os arredores. Peguei um colete tático e coloquei por baixo da camisa. Na lateral do corpo, senti o peso confortável da minha Glock.

Em poucos minutos, o telefone vibrou.

— Senhor Rizzo. Localizamos um dos carros. Está escondido num galpão abandonado no fim da Via San Lorenzo.

— Mandem a localização para Alex. Vamos pessoalmente.

— Sim, senhor.

Encerrada a ligação, olhei para Alex, que já girava a chave de ignição. Tínhamos um endereço. Tínhamos um alvo. E eu estava com sede de sangue.

A noite estava mais fria do que o normal. Ao nos aproximarmos do galpão, sinalizei para que reduzíssemos a velocidade. Puxei o capuz do casaco escuro, cobrindo parte do rosto. Não que eu tivesse medo de ser reconhecido. Eu queria que soubessem quem os matou. Só não queria que soubessem quando.

Estacionei atrás de um caminhão velho, desligamos os faróis e saímos em silêncio. A estrutura metálica da porta do galpão denunciava que alguém havia passado por ali recentemente. Havia pegadas na terra seca. Três pares, provavelmente. Um terceiro homem?

Fiz sinal com a mão. Alex foi para a esquerda. Eu entrei pelo lado direito.

Não havia som algum. Apenas o eco dos meus passos. Por um momento, senti a adrenalina se espalhar pelas veias. Aquilo era o que eu conhecia. Era onde eu respirava melhor. O caos.

No fundo do galpão, dois homens estavam agachados diante de uma mala preta. Um deles apontava uma lanterna e mostrava ao outro algo no celular.

Levantei a arma, mirei na nuca do primeiro e disparei.

A bala perfurou com precisão. O sangue esguichou como uma fonte silenciosa.

O outro gritou e tentou correr, mas Alex apareceu do lado oposto, bloqueando a saída. Antes que eu dissesse qualquer coisa, ele atirou na perna do sujeito, que caiu aos berros.

Me aproximei, abaixei e agarrei o rosto dele com força.

— Quem mandou vocês interceptarem a carga?

— Eu não sei! — ele gritava, com a voz embargada de medo. — Pegamos a dica com um informante no porto. Diziam que o transporte era de ouro puro!

— Você sabia de quem era?

— Não! Eu juro! Só disseram que era dinheiro fácil!

— Nada no meu nome é fácil. — Sussurrei. E então puxei a faca do coldre de perna e passei pelo pescoço dele, num único movimento seco.

O corpo caiu sem mais resistência. A lâmina reluzia sob a luz fraca do lugar. Eu a limpei na camisa da vítima e me levantei, encarando Alex.

— Manda que limpem tudo. Queimem esse lugar.

— Vai querer dar algum recado?

— Não. Não é mais sobre avisos. É sobre silenciar os tolos que não entendem as regras do jogo.

Duas horas depois, já de volta à mansão, entrei no banho ainda com o sangue seco nas mãos. A água quente caiu sobre mim como se tentasse purificar a parte que ainda resistia dentro do peito. Uma parte que, sinceramente, eu nem sei se existe mais.

Lembrei da expressão da minha mãe no hospital. Da forma como ela segurava minha mão sem forças. Do grito de dor que atravessa décadas, todos os dias.

A máfia me criou. Mas a dor me moldou.

Saí do banho, vesti uma calça escura e fui até a varanda do quarto. O céu de Palermo estava limpo, com poucas estrelas. E eu ali, um predador silencioso em constante estado de alerta.

O telefone vibrou de novo. Dessa vez era Alex.

— Terminamos de limpar. Queimaram tudo. Sem rastros.

— Ótimo. E o terceiro homem?

— Ainda nada. Mas vamos achar.

Desliguei sem dizer mais nada.

Peguei meu charuto cubano preferido, acendi com calma e sentei na poltrona de frente para a escuridão.

A guerra estava longe de acabar. Mas enquanto eu respirasse, nenhum inimigo ficaria de pé.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!