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Marco narrando

Voltei para a Itália no meio da madrugada.

O silêncio do jatinho contrastava com o barulho que ainda zunia dentro da minha cabeça. Nem mesmo as duas acompanhantes que dormiam nos assentos ao lado conseguiram anestesiar o peso que vinha me esmagando o peito desde a ligação de Alex.

Minha mãe estava hospitalizada outra vez.

Piettra Rizzo, a mulher mais forte que eu conheci, estava frágil. E tudo por causa de uma dor que nunca cessou.

Foram anos ouvindo os gritos dela. Primeiro, em casa. Depois, nos corredores de hospitais. Os médicos sempre davam nomes bonitos praquilo: crise psicogênica, colapso emocional, surto dissociativo... Mas nenhum deles conseguia explicar por que ela desmaiava do nada, por que entrava em transe, chorava, gritava, arranhava o próprio corpo exigindo o que já não podia ser devolvido.

“Alice está viva. Tragam a minha filha de volta! Devolvam meu bebê!”

A mesma frase. Repetida há trinta anos.

E mesmo que eu já tivesse aceitado que ela estava morta, mesmo que eu tivesse enterrado aquele caixão, mesmo que o fogo tivesse consumido tudo... eu ainda sentia a dor da perda com a mesma força que ela.

Entrei no quarto e a vi ali. Deitada. Pequena.

Minha mãe nunca foi pequena pra mim. Era um furacão, uma mulher imbatível, dona de tudo.

Mas naquela cama, com tubos e monitores ao redor, ela parecia só... vazia.

Sentei ao lado dela e segurei sua mão.

— Mamma… sono qui. (Mãe... estou aqui.)

Ela não respondeu.

Meu peito ardia. E como sempre, não chorei.

Eu não posso chorar.

Não sou autorizado a fraquejar. Não eu. Não Marco Rizzo.

 

Naquela noite, retornei à boate. À minha boate.

Nada fazia sentido, mas eu precisava me distrair.

Chamei duas meninas. Bebemos. Fumamos. Uma delas se ajoelhou e começou a me agradar enquanto a outra se despiu na minha frente. Eu a virei contra a parede e enfiei nela com brutalidade. Sem delicadeza, sem afeto. Era sobre apagar a dor.

Ela gemeu. Choramingou. Mas eu não ouvia.

Meus olhos estavam fixos em outro lugar, no vulto do passado que ainda me atormentava.

Alice, com seus olhos grandes e mãos miúdas.

A explosão. O fogo. O luto.

— Senhor Marco! — a batida forte na porta me trouxe de volta à realidade.

Rosnei, saí de dentro da garota e gozei nas costas dela, como um animal. Me limpei com um lenço de papel, dei um tapa nas nádegas da menina e gritei:

— Fuori! Ora! (Fora! Agora!)

Ela correu, tropeçando, tentando recolher as roupas.

— Que porra é essa, Alex?! — abri a porta com raiva.

— Seu pai está aqui.

 

Antony Rizzo me esperava no andar de baixo. O olhar firme, a expressão impassível. Mas eu sabia que ele tinha visto a garota fugindo. E sabia também que ele me conhecia bem o bastante pra saber que aquele comportamento significava apenas uma coisa: eu estava prestes a explodir.

— Quanto tempo mais vai viver assim, Marco? — ele perguntou, sem rodeios. — Usando mulheres como bonecas infláveis e fingindo que não sente nada?

— Vai começar de novo com esse sermão de merda? — rosnei, empurrando uma cadeira.

— Você precisa encontrar alguém. Uma mulher de verdade. Ter sua família, seus filhos…

— Figli? Io non voglio figli! (Filhos? Eu não quero filhos!)

Antony arregalou os olhos com minha resposta.

— E sai perché? Perché non posso sopportare l’idea di perdere qualcuno come abbiamo perso Alice! (E sabe por quê? Porque eu não suporto a ideia de perder alguém como perdemos a Alice!)

A verdade explodiu do meu peito como uma bomba.

— Tu non capisci cosa significa portare quel dolore da solo per trent’anni! Ho visto mamma distruggersi ogni giorno! Ho giurato che avrei trovato una risposta, e non ho mai trovato niente! (Você não entende o que é carregar essa dor sozinho por trinta anos! Eu vi a mamma se destruir todos os dias! Eu jurei que ia encontrar uma resposta, e nunca encontrei porra nenhuma!)

Minha voz falhou.

Minhas mãos tremeram.

E então, pela primeira vez em décadas, vi meu pai se aproximar de mim com olhos úmidos.

— Figlio mio… (Meu filho...)

Ele me puxou para um abraço. Forte. Quente. Verdadeiro.

Aquele abraço que eu esperei a vida inteira.

— Eu também sinto falta dela todos os dias. — ele disse, com a voz pesada. — E me dói saber que você também carrega isso sozinho.

Fechei os olhos. Permiti que ele me segurasse por mais tempo.

Naquela noite, ali no salão vazio da minha boate, entre garrafas quebradas e luzes vermelhas, não havia mafiosos.

Não havia chefes.

Apenas dois homens.

Tentando, cada um à sua maneira, suportar o peso de ter amado demais — e perdido.

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