Capítulo 4 — Ventos de Mudança

A noite na vila foi tranquila como sempre, embalada apenas pelo som distante das ondas e pelo assovio suave do vento entre as palmeiras. Mas, para Marina, o sono demorou a chegar. Ela se revirava entre os lençóis, com a imagem de Rafael viva em seus pensamentos. Havia algo nele que a intrigava — a educação simples, o olhar atento, a forma como falava dela e da vila como se nunca tivesse conhecido nada igual.

Na manhã seguinte, quando os primeiros raios de sol começavam a colorir o céu, Marina já se preparava para mais um dia de pesca. Ela seguiu sozinha até a beira d’água, sem a companhia habitual de João. O amigo sempre a esperava no portão para ajudar a carregar as redes, mas naquele dia ele simplesmente não apareceu.

— Estranho… — murmurou para si mesma, mas tratou de afastar a preocupação. Talvez ele apenas tivesse dormido demais.

Enquanto avançava pela areia fria, viu uma figura familiar à distância: Rafael, que vinha em sua direção com um aceno tímido.

— Você sempre começa o dia assim tão cedo? — perguntou ele quando a alcançou.

— Todos os dias — respondeu Marina, ajeitando o cabelo preso num lenço. — O mar não espera.

Rafael sorriu, colocando as mãos nos bolsos. Por um momento, ele hesitou antes de falar.

— Posso acompanhar você hoje? Quero ver como funciona a pesca.

A pergunta a pegou de surpresa.

— Quer mesmo me ajudar? — perguntou, desconfiada.

— Claro. Gosto do mar e sempre quis entender melhor a rotina daqui.

— Então prepare-se para trabalhar — respondeu ela, divertindo-se com a expressão curiosa no rosto dele.

Juntos, caminharam até o ponto onde Marina costumava lançar a rede. Ela mostrou a ele como segurar o cabo com firmeza e o momento certo para arremessar.

— Você aprende rápido — disse, depois que ele conseguiu atirar a rede quase perfeitamente.

— Tive uma boa professora — respondeu ele com um meio sorriso, e Marina sentiu o coração disparar.

Enquanto o dia avançava e o calor começava a esquentar a areia, os dois se concentravam na pesca. Rafael mostrava-se determinado a ajudar, apesar de não ter a mesma agilidade que Marina. Ela ria cada vez que ele errava alguma coisa, e ele acabava rindo junto, sem se importar.

Ao longe, João espiava a cena da sombra de uma rocha. Estava acordado há tempos, mas algo o impedia de se aproximar. Não sabia dizer por que, mas ver Marina tão à vontade com o marinheiro estrangeiro o fazia sentir como um forasteiro na própria casa.

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Mais tarde, quando o sol já ia alto e o calor ficava mais intenso, Marina e Rafael pararam para descansar sob a sombra de um coqueiro.

— Você nunca pensou em viver em outro lugar? — perguntou ele, limpando o suor da testa.

Marina ficou pensativa por um instante antes de responder.

— Já pensei, sim. Quando meu pai sumiu no mar, passei noites imaginando o que havia além dessas águas. Mas nunca encontrei um motivo forte o bastante para ir embora. Esta vila é meu lar.

Rafael assentiu em silêncio. Por um momento, sentiu uma pontada de inveja por essa ligação tão sólida que ela tinha com o lugar e com as pessoas.

— E você? — perguntou Marina, curiosa. — O que procura quando viaja tanto?

Ele hesitou, como se a pergunta tivesse aberto uma porta que ele preferia manter fechada.

— Talvez eu esteja buscando um lugar que me faça sentir o que você sente aqui — respondeu por fim, num tom mais baixo.

A resposta deixou Marina em silêncio por alguns instantes. Ela entendia o que ele queria dizer, e essa compreensão mútua criava entre eles um laço invisível que parecia fortalecer-se a cada palavra.

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Ao entardecer, quando voltavam para a vila com a pesca do dia, Marina sentiu o olhar atento da mãe assim que a viu acompanhada.

— Esse é o marinheiro que atracou aqui? — perguntou Dona Rosa, num tom calmo.

— Sim, mãe. Ele me ajudou com a pesca — respondeu Marina.

Rafael estendeu a mão com um sorriso.

— Muito prazer, Dona Rosa.

A mulher assentiu e aceitou o gesto com um olhar cuidadoso, como quem tenta decifrar o que o destino preparava.

Enquanto Marina entrava para organizar o que haviam pescado, Dona Rosa e Rafael ficaram por um momento a sós.

— Cuide bem dela — disse a mãe num tom sério, direto como uma onda que quebra contra as rochas.

Rafael engoliu em seco, surpreso com a intensidade daquelas palavras.

— Pode ter certeza que nunca faria nada para machucá-la — respondeu ele, sincero.

Dona Rosa assentiu e virou-se para dentro, deixando Rafael a sós com o vento e o som das gaivotas.

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Ao longe, Ernesto assistia a tudo, escondido entre as árvores. A presença de Rafael começava a incomodá-lo mais do que ele gostaria de admitir. Era um estranho que podia atrapalhar seus planos de transformar a vila num resort de luxo. Já fazia tempo que Ernesto tentava convencer os moradores a vender suas casas, e a maioria ainda resistia.

— Mais um para complicar as coisas — murmurou entre os dentes.

Enquanto isso, João andava sozinho pelo caminho que levava ao mar, perdido em pensamentos. Ele nunca fora bom em colocar os sentimentos em palavras, mas a imagem de Marina sorrindo para Rafael o machucava mais do que gostaria.

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Ao fim do dia, quando as luzes começavam a se acender entre as casas simples e o céu se tingia de roxo e dourado, Marina sentou-se sozinha na varanda. Ela sentia que alguma coisa havia mudado para sempre — como uma corrente que altera o curso da maré.

O vento soprava suave, e o som distante das ondas a fez fechar os olhos por um momento. Ela sabia que o dia seguinte traria novos encontros, novos desafios e novas escolhas.

E, acima de tudo, sabia que o mar nunca parava de mudar — assim como o que começava a crescer entre ela e o marinheiro que cruzara seu caminho.

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