O sol já começava a se inclinar quando Marina e Rafael chegaram à casa simples da jovem, a cesta pesada entre os braços dele. A casa, feita de madeira antiga e coberta por telhas avermelhadas que refletiam o fim da tarde, exalava o calor da cozinha e o cheiro reconfortante de um ensopado que Dona Rosa mantinha no fogo.
Ao ouvir passos na varanda, a mãe de Marina apareceu na porta, secando as mãos num pano e estreitando os olhos para o estranho que vinha atrás da filha.
— Boa tarde — disse Rafael, educado. — Vim ajudar Marina com os peixes.
Dona Rosa franziu o cenho por um momento, depois soltou um suspiro longo.
— Boa tarde, moço. Entre, então.
Marina fez um gesto para que ele a seguisse e o conduziu até a mesa da cozinha, onde despejou os peixes num balde. Rafael assistia atento, admirando a agilidade com que a jovem trabalhava. Ela tinha uma maneira própria de lidar com tudo que tocava, uma delicadeza que escondia a força necessária para a lida do dia a dia.
— Não precisa ficar aqui parado — brincou Marina, percebendo que ele a olhava em silêncio.
— Gosto de ver como você faz isso — respondeu ele, sincero. — Nunca imaginei que uma coisa tão simples pudesse ser tão bonita.
A jovem sentiu o rosto esquentar, mas antes que pudesse responder, Dona Rosa interveio, colocando duas xícaras fumegantes na mesa.
— Aqui tem café — disse a mulher, num tom gentil. — Pode sentar, rapaz.
Rafael agradeceu e aceitou a xícara. Olhando em volta, notava o quanto a casa era simples, mas cheia de calor humano — algo que nunca encontrara nas mansões silenciosas que fazia questão de evitar.
Enquanto isso, Marina começava a limpar os peixes, concentrada. Por mais que tentasse se manter distante, sentia a presença dele como uma corrente invisível que a puxava, e isso a deixava inquieta.
— Você sempre morou aqui? — perguntou Rafael, tentando puxar conversa.
— Desde que nasci — respondeu Marina, sem tirar os olhos da faca. — Esta casa, o mar, a vila... tudo que sou está aqui.
— E nunca quis ir embora? — perguntou ele, genuinamente curioso.
A pergunta fez Marina hesitar por um segundo. Ela nunca pensara muito além da vila; nunca houve motivo para isso.
— Para quê? — respondeu por fim. — O que eu buscaria lá fora que aqui já não tenha?
Rafael ficou pensativo. Para ele, que sempre viveu em constante viagem entre portos, a ideia de permanecer num único lugar soava quase impossível. Ao mesmo tempo, havia algo profundamente tranquilizador no apego que Marina tinha por sua terra e suas origens.
Enquanto conversavam, o dia escurecia devagar, e o vento que vinha da praia trazia o som distante das ondas. Dona Rosa levantou-se e foi até a janela, observando o céu avermelhado.
— A maré vai estar boa amanhã — comentou num tom baixo, quase para si mesma.
— Como sabe? — perguntou Rafael, intrigado.
— São muitos anos ouvindo o que o mar tem a dizer — respondeu a mulher, com um sorriso enigmático.
A conversa entre os três seguiu assim, cheia de detalhes simples que pareciam novos para Rafael: o modo como Marina falava dos peixes que chegavam sempre que o tempo mudava, as histórias que Dona Rosa contava sobre as tempestades que varriam a vila, os dias de pesca farta e os dias de escassez.
Em algum momento, quando a noite já começava a estender seu manto escuro sobre o vilarejo, Rafael se deu conta de que o tempo ali passava diferente. Não era apressado, nem cheio de compromissos. Era lento e cheio de pausas, como se cada momento tivesse seu próprio valor.
Ao se despedir, sentiu um estranho calor no peito.
— Obrigado por me receberem — disse, sincero.
— A casa é simples, mas sempre cabe mais um — respondeu Dona Rosa, maternal.
Marina o acompanhou até o portão, o caminho iluminado apenas pela luz suave da lua que começava a surgir.
— Então… — começou Rafael, sem saber muito bem como dizer o que sentia. — Espero que a gente possa se ver de novo.
Marina esboçou um sorriso tímido.
— Você sabe onde me encontrar — respondeu, apontando para o mar.
Rafael assentiu e, antes de ir embora, lançou um último olhar para a jovem. Ela permaneceu ali por um momento depois que ele sumiu entre as casas, sentindo a brisa e o som distante das ondas que pareciam murmurar segredos que só o futuro poderia revelar.
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Do outro lado da vila, João observava a cena da sombra de uma casa antiga. Havia acompanhado cada gesto, cada palavra que conseguira ouvir. Uma sensação pesada apertava seu peito.
— Ela nunca me olhou assim — murmurou para si mesmo, chutando a areia antes de sumir pelas vielas.
Enquanto isso, Ernesto, sempre atento às mudanças que o vento trazia para a vila, mantinha o olhar cravado no iate ancorado ao longe.
— Um forasteiro rico, hein? — disse a si mesmo entre uma tragada e outra. — Pode ser que isso me ajude a conseguir o que eu quero.
Ao longe, o mar refletia as últimas luzes da tarde e preparava-se para embalar a vila em mais uma noite calma. Mas, entre os murmúrios das ondas, algo começava a mudar.
Na casa simples próxima à praia, Marina fechava a janela e, antes de apagar a luz, deixou escapar um suspiro longo. Por mais que quisesse ignorar, sabia que a visita do marinheiro havia mexido com alguma coisa dentro dela.
E o que quer que fosse, ainda não tinha nome — apenas a promessa suave que vinha com a próxima maré.
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Atualizado até capítulo 28
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