O sol já havia subido um pouco mais quando Marina terminou de arrumar a última cesta de peixes sobre a bancada simples da casa. Ela limpou as mãos num pano velho, alisou o vestido desbotado e saiu para a varanda, onde o vento ainda trazia o cheiro salgado da manhã.
Dona Rosa cortava legumes num ritmo lento e cadenciado, que fazia o som da faca contra a madeira parecer uma melodia suave.
— Foi boa a pesca hoje? — perguntou a mãe, sem tirar os olhos da tábua.
— Foi, sim. Mais que ontem — respondeu Marina com um sorriso cansado, sentando-se num banco de madeira.
Enquanto isso, o murmúrio da vila começava a crescer. Crianças corriam descalças entre as casas, os homens mais velhos preparavam as embarcações e algumas mulheres estendiam roupas coloridas em cordas entre os coqueiros. Tudo parecia estar exatamente no lugar certo — como sempre fora.
Mas Marina não podia ignorar a sensação estranha que sentira na praia. Ela ainda pensava no iate que vira à distância, navegando silencioso como um intruso num cenário que nunca mudava.
— Tem alguma coisa te incomodando? — perguntou Dona Rosa, percebendo o olhar distante da filha.
— Nada demais, mãe. Só vi um iate diferente ancorar aqui perto.
A mãe soltou um pequeno suspiro e deixou a faca sobre a mesa.
— Visitantes ricos quase nunca passam por aqui — disse ela, com um tom pensativo. — Espero que só estejam de passagem.
Marina concordou em silêncio. Ela nunca fora muito interessada nesses forasteiros que apareciam uma vez ou outra para ver o “exótico” vilarejo. Mas algo nela sentia que desta vez as coisas poderiam ser diferentes.
Ainda assim, quando o dia avançou e o calor ficou mais intenso, Marina tratou de colocar essas preocupações de lado. Ela tinha muito o que fazer: ajudar a mãe, costurar algumas redes que João “Pé-de-Vento” deixara em casa para remendar e, depois, buscar água fresca no poço. Era uma rotina simples, mas cheia de pequenas responsabilidades que mantinham a casa funcionando.
Enquanto ela ajeitava os remendos da rede com agilidade, ouviu passos pesados vindo pelo caminho que levava até a casa.
— Marina! — chamou João, esbaforido. — Você viu o iate que parou ali perto?
— Vi sim — respondeu, levantando o rosto para encará-lo.
João tinha os ombros largos, a pele bronzeada pelo sol e um brilho intenso nos olhos que ele mal escondia quando olhava para Marina.
— Dizem que o dono do barco desembarcou pra dar uma volta. Parece que ele tem muito dinheiro — comentou ele, cruzando os braços com um ar desconfiado.
— E o que tem isso? — perguntou Marina, sem muito interesse.
— Nada — respondeu João, meio sem jeito. — Só que... essas pessoas sempre trazem problemas.
Marina ficou em silêncio. Ela sabia que João falava com uma preocupação sincera. Os turistas que passavam por ali nunca entendiam o valor do que a vila tinha. Queriam apenas consumir a paisagem e ir embora.
— Bom, vamos torcer pra que ele só esteja de passagem — disse Marina por fim, voltando a concentrar-se na rede.
Ainda assim, a sombra da preocupação pairava no ar. E não foi só João que notou isso — Ernesto, o empresário que vinha tentando comprar terrenos na vila há tempos, também soube da chegada do iate. Do alpendre da casa dele, com um charuto entre os dedos e os olhos apertados contra a luz forte da tarde, ele observava a embarcação como quem mede o valor de um prêmio.
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Ao entardecer, quando o céu se tingia de tons dourados e as sombras se alongavam pela areia, Rafael desceu da escuna e caminhou até a praia. Ele se sentia atraído por aquele lugar simples, quase intocado. Havia uma calma ali que ele nunca sentira antes, nem nos melhores portos por onde passara.
Seus passos o levaram até a beira d’água, onde a areia molhada fazia um caminho brilhante e fresco. Foi ali que ele viu Marina novamente. Ela terminava de recolher os últimos utensílios que havia levado para a pesca, concentrada como se não percebesse mais nada à sua volta.
Rafael hesitou por um momento. Depois, com um sorriso tímido, resolveu se aproximar.
— Boa tarde — disse, num tom gentil.
Marina virou-se, surpresa, e viu o rosto do estranho que antes só havia observado de longe.
— Boa tarde — respondeu, ajeitando o cabelo atrás da orelha num gesto automático.
— Você mora por aqui? — perguntou ele, com uma curiosidade genuína.
— Moro — respondeu Marina, sem saber muito bem o que dizer. Ela nunca fora boa em fazer conversas com desconhecidos.
Rafael apontou para o mar.
— É um lugar bonito. Parece que o tempo aqui corre diferente.
— Às vezes eu penso que ele nem corre — disse Marina, esboçando um pequeno sorriso.
Eles ficaram em silêncio por alguns instantes, apenas ouvindo o som das ondas. Rafael olhava para ela com um interesse que ia além da beleza simples que Marina possuía. Ela transmitia uma força tranquila, uma dignidade que ele nunca vira entre as pessoas que cruzavam o seu caminho em viagens apressadas.
— Meu nome é Rafael — apresentou-se ele por fim.
— Sou Marina.
Ele repetiu o nome baixinho, como quem guarda um detalhe precioso.
— Posso ajudar em alguma coisa? — perguntou, apontando para a rede que Marina segurava.
— Não precisa. Já estou acostumada — respondeu ela com um toque de orgulho.
A conversa entre eles era simples, mas cheia de significados que nem eles mesmos entendiam completamente. Rafael sabia que havia algo nela que o atraía como uma correnteza invisível. E Marina, apesar da desconfiança natural com forasteiros, sentia uma estranha calma quando ele falava.
Ao longe, no caminho que levava à vila, João observava os dois com o rosto fechado, sentindo o peito apertar num misto de ciúmes e preocupação. Ele nunca fora bom em demonstrar o que sentia por Marina, mas nunca antes sentira que pudesse perdê-la para alguém que vinha do mar com o mundo nos olhos.
Enquanto o sol mergulhava no horizonte e as primeiras estrelas começavam a surgir, o vento soprava suave entre as palmeiras. A vila adormecia devagar, embalada pelo som das ondas — e pelos passos incertos que começavam a trilhar novos destinos.
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Atualizado até capítulo 28
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