A noite caiu suave sobre a vila, espalhando um véu escuro pontilhado de pequenas luzes que vinham das casas simples. O som ritmado das ondas contra a areia trazia uma sensação de tranquilidade, mas para Marina, aquela noite estava longe de ser como as outras.
Ainda com a imagem do marinheiro estrangeiro na mente, ela ajeitava as últimas coisas dentro de casa antes de dormir. Dona Rosa já havia recolhido os pratos e começava a trançar o cabelo longo da filha, como fazia desde que ela era menina.
— Você está calada demais — comentou a mãe num tom baixo, entrelaçando as mechas com cuidado.
— Foi só um dia longo — respondeu Marina, evitando os olhos da mãe.
Dona Rosa soltou um suspiro compreensivo.
— Às vezes, um dia longo também pode ser um dia cheio de novos sentimentos — disse, num tom que Marina sabia que escondia sabedoria.
A jovem soltou uma risada curta e balançou a cabeça.
— É só um forasteiro que apareceu aqui por causa do mar, mãe. Amanhã ele parte e a vida segue como sempre.
Ainda assim, algo em seu peito dizia que aquele dia mudaria alguma coisa dentro dela. Quando finalmente se deitou, sentindo o frescor da brisa marinha que entrava pela janela, ficou encarando o teto, sem sono, revivendo o tom da voz e o olhar profundo de Rafael.
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Na manhã seguinte, Rafael acordou com o céu tingido por um rosa suave e o sol que começava a espalhar calor sobre o convés. O iate balançava levemente, mas ele não sentia a pressa de zarpar como de costume.
Ao ver o reflexo da própria imagem num espelho, perguntou-se por que o rosto que o fitava parecia menos agitado que o habitual. O dia anterior foi diferente. Havia algo nos olhos de Marina que o intrigava — uma intensidade que contrastava com a simplicidade da vila.
Sem pensar muito, decidiu que desceria novamente à praia. A tripulação que o acompanhava — capitão Vitor e alguns marinheiros — estranhou que ele fosse permanecer por ali, mas ninguém fez perguntas. Rafael nunca foi homem que se explicava demais.
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Enquanto isso, Marina já voltará à sua rotina. Às seis da manhã, lançava a rede novamente ao mar, sentindo a água fria contra a pele e o peso da esperança nos ombros. Pescava com a destreza que o tempo lhe dera, alheia ao que acontecia na vila.
Mais tarde, quando carregava o balde cheio de peixes, viu João sentado num velho tronco à sombra de um coqueiro.
— Tá esperando o que, João? — perguntou brincalhona, para cortar o clima sério que ele transmitia.
— Nada — respondeu ele, levantando-se devagar. — Ou talvez esteja esperando que esse forasteiro não vire a cabeça das moças daqui.
Marina riu, mas o tom da voz dele a deixou pensativa.
— Você acha que ele vai ficar? — perguntou com um interesse que não pôde disfarçar.
João deu de ombros.
— Esses ricos nunca ficam. Eles vêm, bagunçam o que encontram e depois somem. Você devia tomar cuidado.
Marina sentiu o rosto esquentar.
— Não preciso que cuide de mim, João. Sei me virar.
Ele a fitou em silêncio por um momento, como se quisesse dizer algo que nunca tinha coragem de dizer. Depois murmurou um “eu sei” quase inaudível e saiu andando em direção às casas da vila.
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A vila parecia agitada naquela manhã. Ernesto, o empresário que sempre aparecia com planos mirabolantes para a praia, fazia questão de circular com um ar cheio de importância. Dizia a todos que um novo investidor viria conversar com ele em breve — uma promessa que ele repetia há tempos.
E Capitão Vitor, sentado num banquinho à porta do bar, observava o vai e vem das pessoas, mascando um pedaço de tabaco e assoviando uma canção antiga que falava sobre amores e mares.
Foi nesse clima que Rafael voltou a aparecer, caminhando com calma e acenando de leve para quem o cumprimentava. Quando viu Marina entre as pedras, limpando os peixes com habilidade, sentiu novamente a mesma sensação que tivera no dia anterior — uma curiosidade quase magnética.
— Bom dia — disse ele, simples.
— Bom dia — respondeu Marina, tentando conter o sorriso que teimava em surgir.
— Pensei que nunca mais ia te ver — brincou ele, parando a alguns passos de distância.
— Difícil não me encontrar aqui — respondeu, apontando para o mar com o queixo.
Rafael não respondeu, apenas ficou ali por uns instantes, absorvendo a calma que vinha dela.
— Você tem planos para hoje? — arriscou.
Marina soltou uma risada curta.
— Tenho, sim. Sempre tenho.
Ele entendeu que a rotina dela era cheia de responsabilidades que ele nunca experimentara, e isso o deixou ainda mais admirado.
— Então — começou ele — que tal eu ajudar em alguma coisa? Não sou muito bom com rede, mas posso carregar as cestas.
A proposta soava quase absurda para um homem como ele, mas foi dita com tanta naturalidade que Marina ficou sem jeito.
— Você quer mesmo ajudar? — perguntou, estreitando os olhos.
— Quero — respondeu ele, decidido.
Sem saber bem por que, Marina assentiu. Rafael arregaçou as mangas e seguiu-a até a casa simples da jovem, equilibrando a cesta cheia de peixes como se fosse a coisa mais importante que já fizera.
Enquanto andavam lado a lado pelo caminho de terra, nenhum dos dois percebia que cada passo que davam traçava uma nova linha em seus destinos — uma linha que nem o vento, nem o mar poderiam apagar.
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Atualizado até capítulo 28
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