O sol já subia preguiçoso entre as árvores da propriedade quando Elias retornou à casa principal. O cheiro da floresta ainda impregnava sua pele, misturado ao perfume de Helena.
Ele não se sentia satisfeito.
Nem limpo.
Na verdade, sentia como se cada passo o enterrasse mais fundo em algo escuro e sem volta.
Passou pelos fundos, evitando ser visto. Entrou pela porta da cozinha com os ombros tensos, o olhar pesado. Subiu as escadas em silêncio, como um ladrão voltando à cena do crime.
Quando entrou no quarto, o ar pareceu parar.
Luna estava do mesmo jeito em que a deixara — mas pior. Seu rosto estava ainda mais pálido, e sua respiração, mais rasa. Um suor frio cobria sua testa. E então ele viu: o colar.
A pedra.
Antes com um brilho avermelhado fraco... agora parecia cinza opaca.
Quase morta.
— Luna... — ele sussurrou, se aproximando com cuidado.
Ela não respondeu.
Elias pegou um pano úmido e limpou sua testa com movimentos suaves. Seu coração batia mais rápido, tomado por uma inquietação que não conseguia mais ignorar.
Algo estava errado. Muito errado.
Mas ele ainda não sabia o quê.
Foi então que a porta se abriu.
— Elias?
A voz suave e melódica de Helena preencheu o quarto com uma ousadia que parecia fora de lugar.
Ele se virou, surpreso e nervoso.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou, tentando manter o tom calmo.
— Estava com saudades — ela respondeu, caminhando até ele, os olhos escorregando rapidamente até a cama. — Ela está pior?
Elias assentiu, relutante.
Helena se aproximou, observando Luna com um olhar curioso demais para alguém que falava com preocupação. Ela então fixou os olhos no colar.
— Essa pedra... — disse, se inclinando um pouco mais — sempre achei tão bonita. Diferente.
Ele não respondeu. Apenas seguiu cuidando de Luna, tentando ignorar a presença dela ali.
Mas Helena deu mais um passo.
— Elias… — disse, em tom doce — por que você não me dá esse colar? Como presente.
Ela sorriu. — Por mim... pelos nossos filhos.
Foi como um soco.
O coração de Elias congelou.
— O quê? — ele virou-se devagar, incrédulo.
— Esse colar. — Helena apontou com naturalidade absurda. — Se ela não vai mais usá-lo... eu adoraria. Acho que combina comigo.
O silêncio caiu pesado no quarto.
Luna, mesmo inconsciente, pareceu se contorcer levemente. Um tremor percorreu seu corpo, como se a alma soubesse o que estava sendo pedido.
Como se a magia dentro da pedra reagisse à ameaça de ser arrancada.
— Helena... você não pode estar falando sério — Elias disse, agora mais firme. — Esse colar é dela. Sempre foi.
Helena cruzou os braços, o rosto se contorcendo por um breve instante, antes de voltar à máscara de inocência.
— Eu só pensei que seria simbólico... algo que selasse o que temos. Você está comigo agora. Não com ela. E essa pedra não serve mais pra nada, não é?
— Saia.
A ordem veio seca, cortante.
Helena o encarou, chocada.
— O quê?
— Eu disse: saia. Agora.
Ele se levantou e foi até a porta, abrindo-a para ela.
Helena hesitou, ofendida, mas saiu sem dizer mais nada, batendo o salto contra o chão com fúria silenciosa.
Quando Elias fechou a porta, respirou fundo e voltou a olhar Luna.
Ela tremia levemente.
Ele tocou o colar — e por um segundo, sentiu a energia fraca que ainda pulsava ali.
Não sabia o porquê, mas algo dentro dele dizia que aquela pedra… ainda a mantinha viva.
O silêncio dentro do quarto era espesso, sufocante.
Elias continuava ao lado da cama, observando Luna como se apenas agora começasse a enxergá-la de verdade. O rosto dela estava abatido, mas calmo.
Frágil.
Quase... etéreo.
Ele se perguntou quando exatamente ela se tornara uma sombra. Quando foi que deixou de ouvir sua voz com atenção, de reparar no modo como ela sorria pouco, mas com verdade.
E por que, mesmo assim, ele continuava agindo como se ela fosse eterna?
Ouviu batidas na porta novamente.
Ele não queria abrir. Mas abriu.
Helena entrou sem permissão, os olhos brilhando com lágrimas que pareciam cuidadosamente dosadas.
— Desculpa — disse, fechando a porta atrás de si. — Eu... fui egoísta. É só que… eu estou vulnerável. E você sabe que meu histórico com rejeição é complicado. Não quero competir com ela, Elias, mas às vezes sinto que nunca vou ser o bastante.
Elias apertou os lábios, sentindo o peso das palavras.
Helena sabia tocar exatamente onde ele era mais fraco: no senso de responsabilidade.
Na culpa.
— Não é competição, Helena. Mas ela... está mal. Não posso...
— Eu sei. Eu sei. — Ela chorou, encostando a cabeça no ombro dele. — Mas você também tem que cuidar de mim. Dos nossos filhos. Eu não quero mais me sentir como a outra. Eu quero algo que me prove que sou importante pra você.
Silêncio.
— Como o colar — ela sussurrou.
Elias se afastou levemente, o rosto tenso.
— Já falamos sobre isso.
— Elias… — ela segurou o rosto dele com ambas as mãos. — É só um colar. Você disse que não acredita nessas lendas. Que não tem mais magia ali.
Ela nem o usa mais com frequência. E se é só simbólico... então deixa que o símbolo seja meu agora. Nosso.
Ele desviou o olhar, o coração dividido entre o instinto e a lógica.
Entre a culpa e o desejo de manter a paz.
Entre a mulher com quem dividia o presente... e aquela a quem havia sido destinado.
Helena deu o golpe final com voz trêmula:
— Eu vou embora, Elias. Se você ainda vê ela como sua luna... então eu não tenho mais lugar aqui. E vou levar os seus filhos comigo.
A ameaça não foi dita com raiva. Foi dita com precisão.
Elias fechou os olhos por um segundo.
Ele não a amava. Sabia disso. Mas os filhos... ele os queria. E se Luna estava mesmo tão fraca, tão perto do fim, por que... por que não fazer esse último gesto?
Ela não ia viver muito mais, não é?
---
Naquela noite, Luna despertou do leve torpor em que havia mergulhado.
A dor no peito era aguda. O colar, cada vez mais frio contra sua pele.
Ela mal teve tempo de focar os olhos quando viu Elias se aproximar. Ele estava calado. Evitava olhá-la diretamente.
Ela percebeu.
Sentiu.
— Elias? — sua voz saiu rouca, mas firme.
Ele sentou-se à beira da cama.
— Luna… eu preciso te pedir uma coisa. Uma última coisa.
Ela ficou em silêncio, aguardando.
Ele engoliu em seco. Não havia forma de suavizar o que estava prestes a dizer.
— O colar. A pedra. Eu… queria que você me desse.
— Para a Helena.
O quarto pareceu congelar.
Luna sentiu o sangue gelar nas veias.
Não foi surpresa.
Foi constatação.
— Você quer... — ela tentou rir, mas saiu como um sussurro cortado. — Você quer que eu te dê a única coisa que me mantém viva... pra dar de presente à mulher com quem você me traiu?
Elias não respondeu.
A vergonha era evidente, mas ele ainda acreditava que era justificável. Que havia alguma lógica em seu pedido.
— Eu juro que não é o que parece — tentou dizer, quase arrependido. — Só... só me entrega o colar. Eu prometo que não deixarei ela te desrespeitar nunca mais.
Luna fechou os olhos por um instante.
A dor já não era apenas física.
Era ancestral.
Ela ergueu a mão até o fecho do colar. Os dedos trêmulos tocaram a corrente com reverência.
— Você quer a pedra?
Então... tome.
Com esforço, ela retirou o colar.
E colocou-o na palma da mão de Elias.
— Que ela sinta o mesmo vazio que você deixou em mim.
Ele a encarou, desconcertado.
A pedra, ao ser separada do corpo de Luna, emitiu um estalo seco — e escureceu de vez.
Elias sentiu um arrepio subir pela espinha.
Por um instante... jurou ouvir um sussurro no ar.
Algo como um adeus.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 24
Comments
Glaucia Marques Gomes
que Elias sofra, que chore muito, porque o que ele fez.... ansiosa por mais mais mais mais mais mais mais mais mais
2025-06-20
0
Lourdinha Martins
esse não é um lobo e um nojento 😭😭😭😭
2025-06-28
0
Izabelle Black
Quase chorei.
2025-06-19
1