...Miguel González...
O caminho até a universidade foi tranquilo.
Eu ainda estava digerindo tudo o que aconteceu na última semana: conhecer a Júlia, ir a um encontro, conversar com meu pai sobre um assunto delicado e me apresentar à mãe da minha — talvez — futura namorada.
Enquanto ela cantarolava a música que passava no rádio do carro, com os cabelos ao vento esbofeteando seu rosto, eu admirava sua suavidade e leveza. Quando olho em seus olhos, vejo uma cachoeira no centro de uma floresta: linda, majestosa, natural e encantadora. Forte e delicada, poderosa e intocável.
Ela é uma força da natureza que me atrai com seu charme e sua doçura.
Eu, por outro lado, sou tão sem graça, tão fechado. Meu mundo reflete uma noite chuvosa, fria, escura e silenciosa.
Como um sol de primavera, ela parece trazer calor e cor para o meu inverno cinzento.
— Uma moeda pelos seus pensamentos — ela me traz de volta à realidade, interrompendo minhas reflexões com uma piada.
— Eles não valem a sua moeda — digo, brincalhão.
— De certo que sim. Qualquer coisa que venha de você vale mais que uma mera moeda — ela fala com serenidade, como se pudesse ler minha mente conflitante.
— Você está blefando. Eu não tenho todo esse valor — me encolhi. Tenho a péssima mania de me diminuir toda vez que alguém tenta me fazer um elogio, como se não conseguisse acreditar neles.
— Tem razão — ela me olha séria, uma expressão intensa no olhar. E continua:
— As pessoas têm um valor incalculável. Não têm preço. Nem todas as moedas seriam suficientes.
Não respondo.
Não tenho o que dizer.
A vida toda ignorei o fato de que minha própria mãe me abandonou recém-nascido, sem nem vacilar.
Fingindo estar bem, a chamo de “genitora”, como se isso tornasse tudo mais fácil.
Mas a verdade é que sinto que não sou bom o suficiente para fazer as pessoas ficarem.
Sempre tive amizades falidas… nem sei como eu e o Matheus estamos durando tanto tempo.
Permaneço em silêncio o caminho todo.
— Chegamos — digo simplesmente, quando estaciono o carro.
— Ótimo, então... vou indo, ou vou me atrasar pra aula — Julia diz, desfazendo o cinto de segurança.
— Nunca tinham me dito isso — falo, enquanto ela se prepara pra sair.
— O quê? — ela pergunta.
— Que eu sou valioso — confesso.
Sim, eu tenho meu pai, mas ele não é exatamente bom com as palavras.
E a Dinda não conta... ela acha até uma planta especial.
— Eu sei — ela não disse mais nada, apenas sorriu e se aproximou, me dando um beijo na bochecha.
Mesmo sem palavras, seus olhos me diziam muita coisa.
Ela estava reafirmando o que dissera, como se me dissesse, em silêncio, que falava com sinceridade.
Ela saiu do carro e caminhou em direção ao prédio da faculdade de engenharia.
Fiquei um tempo refletindo... até olhar as horas e perceber que, se eu não corresse, também me atrasaria.
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Depois de deixar a Júlia no prédio da faculdade, corri — quase tropeçando nos próprios cadarços — para o meu prédio. Ainda cheguei no final da primeira aula. Quando o sinal tocou, fui direto para o refeitório, onde sabia que encontraria a criatura mais insuportavelmente pontual do planeta: Matheus.
Ele já estava sentado com o celular na mão e uma coxinha na outra. Me viu de longe e abriu um sorriso daqueles que parece até ameaça.
— Olha só quem resolveu dar as caras! — disse, enquanto me entregava uma garrafinha de água como se eu tivesse acabado de terminar uma maratona.
— Obrigado, treinador — falei, sentando na cadeira de frente pra ele, ainda recuperando o fôlego.
— Foi deixar a donzela no castelo? — ele levantou uma sobrancelha e deu uma mordida dramática na coxinha. — Como foi o clima no carro? Vento batendo no cabelo, música romântica, mãos se encostando sem querer?
Revirei os olhos, mas sorri.
— Foi... tranquilo. Ela é leve, sabe? E tem algo nela que me desmonta. Ela fala como se tivesse uma linha direta com a parte de mim que eu tento esconder do mundo.
— Ih, rapaz... — Matheus me olhou com uma cara engraçada, como se estivesse vendo um alienígena. — Tu tá lascado.
— Acho que tô mesmo — suspirei, apoiando os cotovelos na mesa. — Eu gosto dela, Matheus. Gosto de verdade. E o pior é que eu sinto que posso me apaixonar ainda mais, com facilidade. Só que ao mesmo tempo... — respirei fundo — eu não acho que sou o bastante.
Ele franziu a testa, e pela primeira vez em muito tempo, ficou em silêncio. Isso durou exatos cinco segundos.
— Pera aí. Você? Miguel “Mister Natação e Número Um de Arquitetura” González? Não é o bastante?
— Eu sei que parece drama, mas é real. Eu fui abandonado, Matheus. Tipo, a mulher que me colocou no mundo nem quis saber se eu sobrevivi. Isso mexe com a cabeça da gente, cara. E mesmo tendo o melhor pai do universo, isso fica... grudado.
— Mas você não é esse abandono, Miguel. Você é o que fez com isso. E olha só onde chegou. Você é incrível — disse com o máximo de seriedade que ele consegue antes de soltar um: — Embora ainda tenha péssimo gosto pra amigo.
Ri, mesmo contra a vontade.
— Eu conversei com meu pai ontem. Contei sobre a Júlia. Ele ficou feliz por mim, disse que devo lutar pelo amor se ele for verdadeiro. E hoje... eu conheci a mãe dela.
— O quê? Já conheceu a sogra? Uau, esse boy anda rápido!
— Foi casual, só um encontro na porta da casa dela. Mas foi... legal. Ela parece gostar de mim. E fez uma piada, dizendo que eu já tô namorando a filha.
— Se a mãe já abençoou, meu amigo, você só precisa abençoar a si mesmo. Para de procurar desculpa pra não viver isso.
Fiquei em silêncio, refletindo. Ele estava certo. De um jeito bem “Matheus de ser”, ele estava completamente certo.
— Valeu, cara.
— Sempre, irmão. Agora vê se aproveita a chance e para de agir como protagonista de novela mexicana. Vai viver o romance logo!
Soltei uma risada sincera, dessas que aquecem por dentro.
Talvez eu não esteja tão quebrado quanto pensei.
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Atualizado até capítulo 24
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