...Miguel González...
Desço as escadas com animação — o que, convenhamos, não costuma acontecer, principalmente se levarmos em conta que estou indo para a universidade. Mas tenho motivos óbvios.
Julia.
Sento à mesa e como com gosto. Meu pai me observa com uma sobrancelha arqueada, em silêncio, provavelmente esperando que eu diga algo primeiro. Como permaneço quieto, ele toma a frente.
— A quem eu devo agradecer por te arrancar da cama tão fácil? — ele diz, jogando verde. Eu me faço de sonso.
— Do que está falando? — mastigo o pão, olhando para o nada, fingindo naturalidade.
— Acha que nasci ontem, né? Você desceu que nem um furacão… mais um pouco e levava os degraus da escada junto. Isso só pode ter a ver com alguém. Quem está te esperando?
Abro a boca para responder, mas ele me interrompe com um gesto da mão.
— Não me diga que é o Matheus. Vocês vão juntos quase todos os dias, e eu nunca te vi tão feliz por sair com ele. Muito menos pra ir à faculdade.
Suspiro. Ele me conhece bem demais.
Pondero. Conto ou não conto?
Eu e meu pai falamos sobre tudo — menos sobre garotas. Ele é meu melhor amigo, meu confidente, meu exemplo. Mas não tem o melhor histórico quando se trata de relacionamentos. Ele fez o possível pra me ensinar o básico, mas sempre trava um pouco quando o assunto é amor.
— Eu conheci alguém — falo com cautela, observando sua reação.
— Sério? Quem? — ele pergunta, tranquilo.
— Uma menina. É da minha universidade. Nós saímos ontem — não consigo esconder o sorriso que me escapa.
Meu pai me observa com os olhos semicerrados.
— É a primeira vez que você me fala de alguma garota. Como ela é?
Ele parece realmente contente, então continuo.
— Ela é linda, incrível e encantadora. Nós somos bem diferentes, mas ao mesmo tempo… tão iguais — tenho certeza de que meus olhos estão brilhando. Meu pai ri levemente.
— Meu garoto está apaixonado. Fico feliz por você, filho — ele segura minha mão com firmeza. Sei que está sendo sincero.
— Achei que você não fosse gostar muito… já que não deu muito certo pra você, no amor.
— Não é porque não deu certo pra mim que não possa dar certo pra você. Eu vivi sob circunstâncias diferentes… e talvez não tenha sido forte o suficiente pra lutar.
Se você está feliz e ela gosta de você também, vai fundo. Uma pessoa me disse uma vez que o amor verdadeiro é valioso e raro. Então, não podemos deixá-lo escapar sem lutar.
Ele fala olhando nos meus olhos, e sei que há arrependimento em suas palavras. Ele não quer que eu tenha o mesmo destino.
— Quem disse isso? A Dinda Vitória? — pergunto, sorrindo.
— Como adivinhou? Foi ela mesma — ele responde, gargalhando. É raro ver meu pai rindo assim. Acho que está mesmo feliz por mim.
A campainha toca, e ele se levanta para atender.
— Com certeza é a Vitória. Sempre que falamos dela, ela magicamente aparece — ele diz, me olhando com ar convencido enquanto caminha até a sala.
— RIC! — ouço a voz escandalosa da Dinda ecoar, provando que meu pai estava certo.
— Mimi, meu bebê! — ela me vê e vem correndo até mim, me beijando e me abraçando.
— Oi, tia, como você está? — a chamo assim de propósito, porque sei que ela não gosta.
— Tia!? Isso me faz parecer velha. Me chama de dinda, já falei! — ela faz beicinho. Chega a ser engraçado. Ela tem 38 anos e age como uma adolescente.
— Tá bom, dinda. Como foi a viagem?
Ela abre um sorriso gigante e começa a contar…
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— Então, meu bebê está namorando? — Dinda Vitória me olha com um sorriso brincalhão e olhos brilhantes.
Não me lembro em que momento o assunto “a melhor viagem da minha vida” virou “a garota que o Miguel gosta”, mas agora estou aqui, ouvindo a Dinda me zoar por estar apaixonado, enquanto torço em silêncio para que o teto caia em cima da minha cabeça.
— Ela não é minha namorada, no máximo somos amigos. Saímos só uma vez, e eu vou levá-la pra faculdade hoje. Nada demais — explico pela milionésima vez, sem nenhum resultado.
— Vocês não namoram ainda, mas logo vão. O que significa que ela é quase sua namorada. Então podemos dizer que já é, aliás… você tem que trazê-la aqui pra eu conhecer, porque eu... — Dinda começa a tagarelar, e eu resolvo sair antes que piore.
— Tchau, dinda. Tchau, pai — me despeço, interrompendo o discurso de Vitória. Dou um beijo nela e corro até a porta antes que ela me agarre. Ainda consigo ouvir seus resmungos com o meu pai quando saio.
No caminho para o endereço da Julia, meu coração dispara. Não sei como acalmar minha ansiedade: mãos suando, pernas tremendo... Nunca me senti assim. Acho que vou ter um infarto.
Paro em frente à residência — uma casa muito bonita. Mando uma mensagem avisando da minha chegada, e ela responde com um “ok”. Eu espero, mas os minutos parecem segundos… e ao mesmo tempo, horas.
Ela sai pela porta. Vejo uma mulher mais velha, muito parecida com ela. Julgo ser sua mãe.
Saio do carro e paro a meio metro de distância de Julia.
— Bom dia! Como você passou a noite? — pergunto, nervoso.
— Bom dia! Muito bem. E você? — ela responde sorrindo.
Sempre parece tão leve, tão espontânea. Me pergunto se ela também não está nervosa com essa situação.
— Que bom. Eu também — respondo. — E aquela bela senhora na porta… deve ser sua mãe, certo? — digo, num tom lisonjeiro.
Ela levanta uma sobrancelha e me olha com curiosidade. Depois, me leva até a mulher, que ainda está parada na porta.
— Essa é minha mãe, Helena. E esse é o Miguel... — ela diz, olhando de mim para sua mãe e fazendo uma pequena pausa antes de definir nossa relação — … meu amigo. Talvez algo mais no futuro.
Sinto o mundo ao meu redor parar.
Saio do transe quando a mãe de Julia estende a mão para mim. Aperto… e, num momento de ousadia, levo sua mão à boca. Não costumo ser tão pra frente assim, mas quis arriscar uma boa impressão.
— Que cavalheiro — ela comenta, divertida.
— Prazer, senhora.
— Apenas Tia Lena é suficiente, como a Mia costuma me chamar. É um prazer te conhecer também, querido.
Julia não parou de falar de você a noite inteira… minha Juju cresceu, está até namorando — diz, risonha.
Julia fica vermelha e a repreende:
— Mamãe! Eu não estou namorando! Somos só amigos… ainda.
— Ainda não é eterno, querida. Mas você sabe o que faz. De qualquer forma, eu te apoio — ela diz, abraçando a filha, e depois olha pra mim, colocando a mão no meu ombro:
— Gostei do garoto. Boa escolha.
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Atualizado até capítulo 24
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