(...Savena)
O sol mal aparecia naquela manhã. As nuvens cinzentas cobriam o céu, e o ar parecia mais frio do que o normal. Mesmo assim, eu sentia uma energia elétrica percorrer meu corpo. Primeiro dia de aula numa escola nova. Num país novo. Tudo em mim era ansiedade e expectativa.
Minha mãe, Lúcia, já tinha saído de casa mais cedo. Ela trabalhava na Roosevelt School como merendeira, e foi por isso que consegui a vaga ali. Antes de sair, ela me deu um beijo na testa e tentou me encorajar:
— Você vai arrasar, filha. Vai dar tudo certo.
Me olhei no espelho com atenção. Escolhi minha roupa com cuidado: uma calça jeans escura, uma blusa azul clara de mangas compridas e prendi o cabelo finalizei meus cachos definindo-os levemente. Passei um pouco de brilho nos lábios e coloquei a pulseira que minha mãe derá no meu ultimo aniversário quando completei 16. Era o meu amuleto de coragem.
Respirei fundo e fui.
(...Michael)
Quando cheguei na escola, tudo parecia igual a qualquer outro dia: corredores cheios, vozes misturadas, gente correndo pra não perder o sinal. Eu caminhava devagar pelos corredores estreitos com os lockers azuis, com os fones no ouvido, mas sem música tocando. Era só pra evitar conversa fiada.
Na terceira aula, entrei na sala de História como sempre. Me joguei na minha carteira, penúltima da fileira do meio, e comecei a desenhar no canto da folha enquanto a professora organizava os papéis.
Foi aí que ouvi o nome dela.
— Pessoal, essa é a Savena Fonseca. Ela veio do Brasil. Sejam gentis.
Levantei o olhar, curioso. E lá estava ela... A garota das folhas. A mesma que eu tinha visto no quintal, no dia anterior. Meu coração bateu um pouco mais rápido. Senti um sorriso surgir, quase sem querer.
(...Savena)
Quando a professora me apresentou, senti todos os olhos da sala sobre mim. Minhas mãos tremeram.
Caminhei em silêncio até o fundo da sala, com a respiração curta e a cabeça cheia de pensamentos em português e inglês misturados.
E então... vi ele.
Ele me olhou de um jeito surpreso, mas com aquele sorriso de novo... Aquele sorriso que ele tinha me dado no primeiro dia em que nos vimos. Senti meu estômago dar um salto. Escolhi uma carteira na fileira do lado, uma atrás da direção dele, tentando fingir que era só coincidência.
Durante a aula, de vez em quando, nossos olhares se encontravam. Ele parecia querer falar algo... mas sempre hesitava.
(...Michael)
Cada vez que eu virava o rosto, pegava ela me olhando. Ou... talvez fosse eu que ficava encarando demais. Não sei. Tinha alguma coisa nela que chamava a minha atenção de um jeito estranho, mas bom.
Quando o sinal bateu, a sala virou um formigueiro de gente levantando e saindo correndo. Eu fiquei parado, encostado no batente da porta, esperando ela passar.
Quando ela se aproximou, juntei coragem.
— Você fala bem inglês... mas tem um sotaque bonito.
(...Savena)
Minha vontade foi de enfiar a cabeça dentro da mochila de tanta vergonha. Mas acabei soltando um riso baixo, meio sem jeito.
— Obrigada... Ainda misturo as palavras... Às vezes esqueço até como se fala "borracha".
(...Michael)
Soltei uma risada de verdade dessa vez.
— Eraser, né? — falei, achando graça na sinceridade dela. — Eu também misturo palavras às vezes. Falo "man" dentro de casa e meu pai já grita logo.
(...Savena)
Ri junto, mas com cuidado.
— Ele parece... rigoroso. — comentei, escolhendo bem as palavras.
Vi o sorriso de Michael dar uma pequena diminuída. Ele abaixou o olhar, suspirou e deu de ombros.
— Ele é... exigente. Mas... acho que é só o jeito dele.
Depois voltou a sorrir, como se quisesse mudar de assunto.
— Você mora na casa ao lado, né?
— Sim. — respondi, e então perguntei: — Você tem muitos irmãos?
(...Michael)
Não consegui segurar a risada.
— Muitos. Quer que eu conte? — falei, rindo. — Marlon, Tito, Jermaine, Jackie, Randy... e ainda tem as meninas, LaToya e Janet! Tem dia que nem eu lembro quem é quem.
Ela riu também. Parecia que o gelo entre nós estava começando a derreter.
De repente, antes que ela fosse embora, me veio uma ideia... e um pouco de coragem.
— Quer... que eu te mostre a biblioteca depois do almoço? — perguntei, com a voz mais baixa, quase com medo de ouvir um “não”.
(...Savena)
Meu coração disparou. Por um segundo, hesitei... Mas depois, respirei fundo e assenti.
— Quero sim.
(..Michael)
Senti um sorriso escapar antes mesmo de perceber. Um sorriso de verdade.
Naquele corredor gelado, com o barulho das portas se fechando e os alunos correndo, algo dentro de mim soube... que aquele era só o começo.
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Atualizado até capítulo 248
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