(...Savena)
A tarde estava morna e silenciosa quando Michael me levou até a biblioteca da escola Roosevelt. As estantes altas cercavam o lugar como muralhas silenciosas, guardando o tempo em páginas antigas. A luz suave, filtrada pelas janelas grandes, iluminava os livros empoeirados e as mesas de madeira gasta.
Ele caminhava à frente, mas de vez em quando se virava pra ter certeza de que eu o acompanhava. As mãos dele estavam nos bolsos de um casaco bege, e havia um nervosismo leve no olhar.
(...Michael)
— Essa aqui é minha parte favorita da escola — falei, parando em frente a uma seção de livros sobre música, cultura afro-americana e biografias de artistas. — Quando tudo tá barulhento demais… é aqui que eu fujo.
Fiquei observando a reação dela. Ela olhava ao redor com os olhos brilhando, como se estivesse entrando num outro mundo.
(...Savena)
— Eu gosto de livros. Mas no Brasil eu lia mais poesia. Às vezes... escrevia também.
Falei baixo, quase como se fosse um segredo só meu.
(...Michael)
Virei o rosto rápido pra ela, surpreso.
— Sério? Você escreve?
Ela assentiu, encolhendo os ombros de um jeito tímido, mas bonito.
(...Savena)
— Não é nada demais... É só… coisas que eu sinto. Eu sempre fui mais quieta... então escrevia pra me entender.
(...Michael)
— Isso é lindo. — Falei sem pensar, com sinceridade demais. Mas era verdade. Me peguei preso nos olhos dela, com uma vontade boba de saber mais. — Você devia mostrar um dia.
(...Savena)
— Talvez... — sorri pequeno.
A gente se sentou num canto perto da janela. Ele tirou um caderno de anotações de dentro da jaqueta. Abriu nas páginas do meio, e me mostrou algumas folhas cheias de rabiscos, letras de músicas e frases soltas.
(...Michael)
— Às vezes eu escrevo letras aqui. Não mostro pra quase ninguém. Mas... — fiz uma pausa, meio envergonhado. — Posso confiar em você.
(...Savena)
Segurei o caderno com todo o cuidado do mundo. Como se fosse uma coisa frágil, feita de vidro.
— Você é muito sensível. Não imaginava. — comentei, folheando devagar.
Meus olhos pararam num trecho que dizia:
"Why do we close our eyes to the things that hurt?"
"Why do we run from the truth we know first?"
Aqui está a tradução:
(Tradução)
"Por que fechamos os olhos para as coisas que machucam?"
"Por que fugimos da verdade que sabemos primeiro?"
Li em voz baixa, quase sussurrando.
(...Michael)
Dei um sorriso pequeno, meio tímido.
— Eu sou... diferente do que esperam às vezes.
(...Savena)
— Eu entendo. — Falei de um jeito que nem precisei explicar. Acho que ele sentiu.
Respirei fundo. Sabia que era a hora de contar um pouco de mim também.
— No Brasil... a vida nunca foi fácil. Meu pai foi embora quando eu nasci. Nem sei como era o rosto dele. Minha mãe, Lúcia, criou todos nós sozinha. A Flávia é a mais velha tem 6 anos a mais que eu — ela é tipo uma segunda mãe pra mim. Depois tem o André, o Diego e o Bruno com quase lum ou dois anos de diferença entre eles... e eu, a caçula com 16.
(...Michael)
Fiquei olhando pra ela, tentando imaginar como devia ter sido tudo isso.
— Deve ter sido difícil…
(...Savena)
Assenti devagar.
— Foi. Mas minha mãe sempre fazia parecer que a gente tinha tudo, mesmo com tão pouco. Mas Flávia ajudava fazendo bolos para vender e cuidava da gente pra minha mãe trabalhar. Eu não tive avós, nem tios próximos... Era só minha mãe, trabalhava em dois empregos. Ela fazia bolo de fubá nos domingos pra gente fingir que era festa.
(...Michael)
Ri com carinho, imaginando a cena.
— Sabe… minha mãe também é a base de tudo. Ela é um anjo. Às vezes eu acho que sou quem sou por causa dela... e... apesar do meu pai.
Ela me olhou de um jeito que não precisava de palavras. Um olhar que dizia: "Eu sei exatamente como é."
(...Savena)
— Você tem medo do palco? — perguntei, tentando mudar de assunto, mas ainda curiosa.
(...Michael)
Sorri e olhei pra uma fresta de luz entrando pela janela.
— Sempre. Toda vez. Mas quando a música começa... é como se tudo calasse dentro de mim. Até o medo. Só a música fala.
(...Savena)
— Deve ser maravilhoso sentir isso. — disse, encostando o queixo na palma da mão, totalmente hipnotizada pelo que ele dizia. Já tinha ouvido falar deles os Jacksons 5 mas nunca liguei muito.Mas ali, naquele momento isso havia mudado.
(...Michael)
— Eu queria que você visse um ensaio nosso. — falei de repente, sem nem pensar muito. — Acho que... seria legal ter você por perto. Não só na plateia. Tipo... nos bastidores também.
(...Savena)
Abri os olhos, surpresa.
— Você me colocaria nos bastidores do Jackson 5? — perguntei, fingindo espanto.
(...Michael)
Ri.
— Colocaria no palco se quisesse. — disse baixinho.
(...Savena)
Nós dois rimos juntos. E, por um momento, parecia que toda aquela biblioteca tinha sido feita só pra gente.
MAIS TARDE NAQUELE DIA....
(...Savena)
O caminho de volta pra casa parecia mais curto, como se as ruas tivessem decidido me empurrar logo pra frente só pra eu chegar mais rápido. Carregava nos olhos aquele brilho novo... uma mistura de felicidade tímida e expectativa. A tarde tinha sido leve e cheia de conversa boa. A gente falou sobre tudo... histórias de infância, desenhos que ele fazia no caderno, frases que eu gostava de livros antigos… Até sobre sonhos.
(...Michael)
Eu não conseguia parar de olhar pra ela. Cada vez que Savena ria, era como se o som ficasse preso dentro de mim. Falei pra ela que meu sonho era escrever músicas que curassem as pessoas, que fizessem elas se sentirem menos sozinhas. Ela me contou que queria ajudar mulheres como sua mãe. Só ainda não sabia como…. Aquilo mexeu comigo de um jeito que eu nem sei explicar.
(...Savena)
Quando a gente parou em frente à minha casa, fiquei com vontade de prolongar aquele momento. O vento esfriava, mas eu sentia um calor gostoso por dentro. Michael mexeu nas próprias mãos, parecia nervoso.
(...Michael)
— Ei... amanhã depois da aula... se você quiser... pode ir lá no ensaio — falei, tentando soar casual, mas por dentro meu coração batia rápido. — É só bater no portão. Eu aviso pro Joe que é importante.
(...Savena)
Arregalei um pouco os olhos, meio brincando, meio falando sério.
— Ele é bravo, né?
(...Michael)
Soltei uma risada curta e balancei a cabeça.
— Um pouco... — admiti. — Mas... se minha mãe souber que você é minha amiga... ela te protege.
(...Savena)
Eu ri junto. Era fácil rir com ele. O jeito dele fazia o mundo parecer menos pesado.
— Boa noite, Michael.
(...Michael)
— Boa noite, Savena. — Acenei com os dedos, me afastando devagar, mas com vontade de ficar ali mais um pouco.
(...Savena)
Fiquei ali parada, vendo ele sumir aos poucos na penumbra, até a porta dele se fechar. Entrei em casa ainda com aquele sorriso bobo no rosto. Joguei a mochila num canto e me joguei na cama, ainda com o uniforme da escola. Abracei o travesseiro como se pudesse guardar aquele dia dentro dele.
E, pela primeira vez desde que cheguei em Gary, Indiana... eu me senti... em casa.
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Atualizado até capítulo 248
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