Depois que Caio se formou, a escola ficou mais vazia.
Não que ele ocupasse tanto espaço físico… era mais o jeito como ele preenchia tudo quando estava por perto. Sabe aquele tipo de presença que aquece um lugar, mesmo sem dizer nada? Era isso.
Mas ele se foi.
E eu fiquei.
Agora, no 2º ano, minha rotina voltou a ser mais silenciosa. As risadas dele, os bilhetes escondidos nos meus cadernos, os olhares no intervalo… tudo virou lembrança.
O único que permaneceu igual foi Dani.
Sempre ali. Do meu lado. Me defendendo de todo mundo, principalmente da peste da Bianca, que parecia fazer questão de ocupar o espaço que Caio deixou.
— Ih, o patinho feio ainda tá na escola? Achei que tinha ido atrás do Caio, já que era a única coisa interessante na sua vida. — Ela dizia, quase todos os dias.
— Quer que eu fale pro inspetor que você anda jogando tinta na mochila da Bia de novo? — Dani rosnava, com os olhos cheios de ódio.
— Relaxa, Dani. Ela precisa disso. É o único talento que ela tem — eu dizia, tentando esconder o quanto aquilo ainda me machucava.
O 3º ano do Ensino Médio chegou com tudo.
Novas matérias, novas responsabilidades… e uma estranha sensação de que eu estava ficando grande demais pro espaço em que vivia. Não era só a escola, era a vida inteira.
Meus pais estavam trabalhando mais do que nunca. Minha mãe, com as faxinas; meu pai, fazendo turnos dobrados na Méndez Enterprise.
Mas mesmo cansados, sempre faziam questão do nosso café da manhã juntos. Sempre com risadas, conselhos, e aquela frase que minha mãe dizia todos os dias antes de eu sair:
— Não importa o que digam, minha filha. Você é o sol de alguém. Mesmo que esse alguém demore pra aparecer.
Eu sempre ria. Sempre.
Até que o riso acabou.
Foi em uma noite chuvosa. Eu estava estudando na casa do Dani, preparando uma apresentação em dupla. Meu celular tocou. Um número desconhecido.
O mundo parou depois disso.
— Bia… seus pais… eles sofreram um acidente. O carro derrapou na estrada. Eles… não resistiram.
Não lembro muito bem do que veio depois. Só lembro do grito do Dani. Do abraço apertado da mãe dele. Do chão que parecia se abrir sob os meus pés.
Eles se foram.
Assim. Do nada.
No meio da minha vida, levaram tudo.
Fiquei em silêncio por dia. Sem conseguir chorar. Sem conseguir falar. A dor era tão grande que não cabia em mim.
Foi só quando abri a última carta que meu pai tinha deixado — em um envelope que ele sempre dizia para guardar "para um dia importante" — que tudo desabou.
“Filha,
Se você está lendo isso, é porque algo tirou a gente cedo demais.
Deixamos a casa no seu nome. Você é forte. Você sempre foi.
Continue estudando. Continue sonhando.
E nunca deixe ninguém te fazer sentir menos do que você é.
Com amor,
Papai e Mamãe.”
Ali, no meio da tragédia, uma decisão teve que ser tomada. Meus tios queriam que eu fosse morar com eles, em outra cidade. Mas eu sabia que meus pais me criaram pra andar com minhas próprias pernas. E foi assim que, com apoio dos tios, dos advogados e principalmente do Dani, me emancipei.
Agora a casa era minha. A responsabilidade era minha. A dor também era só minha.
No último ano da escola, tudo parecia diferente. Eu andava mais séria, mais focada. Bianca continuava tentando me provocar, mas já não tinha o mesmo efeito.
Talvez fosse o luto. Talvez fosse a maturidade.
— Você virou um muro, sabia? — Dani disse uma vez. — Não deixa ninguém entrar.
— Porque é mais seguro assim — respondi.
Ele não discutiu. Só ficou ali. Porque ele sempre fica.
No fundo, sentia falta do Caio. Do jeito como ele me via quando eu ainda não me enxergava. Mas agora ele era só uma lembrança.
Uma lembrança doce e dolorida.
E eu? Eu era só uma garota tentando sobreviver à tempestade, com o coração cheio de saudades e os olhos fixos no futuro.
Sozinha.
Mas de pé.
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Atualizado até capítulo 52
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