SOL A LUA DESPERTA

A floresta úmida nos arredores do Cemitério Lafayette estava envolta em névoa espessa. A lua cheia, alaranjada e imponente, pendia no céu como um olho vigilante.

O som de carne rasgando, ossos se movendo fora do lugar, e gritos ferais ecoava entre as árvores.

Kate se aproximava em silêncio. O cheiro de sangue e medo estava por toda parte.

Ali, entre raízes grossas e folhas tombadas, Jack se contorcia. Metade homem, metade fera. Os braços cobertos por pelos escuros. Os olhos, selvagens. A pele clara brilhava de suor, e seus dentes já não eram humanos.

— “Jack...” — a voz de Kate saiu baixa, mas firme.

Ele a olhou, com dificuldade. Ofegante. Reconhecendo-a, mas temendo por ela — ou por si mesmo.

— “Fica... longe de mim.” — ele rosnou, entre palavras rasgadas.

— “Não vou machucar você.” — Kate deu mais um passo. — “Eu vim explicar.”

— “Explicar o quê?” — ele gritou, com as garras cravando no solo. — “O que está acontecendo comigo? O que eu sou?!”

— “Você é o fim... e o começo.” — ela murmurou, ajoelhando-se perto, encarando-o com olhos calmos. — “Você é o motivo pelo qual a lua está mais vermelha do que nunca. A maldição foi ativada. E agora, não tem volta.”

Jack caiu de lado, o peito arfando. Sua respiração começou a desacelerar. Parte da transformação havia passado, deixando-o exausto, suado, e parcialmente humano novamente.

— “Por quê agora? Por que aos 25?”

Kate hesitou. Sentou-se ao lado dele, o frio da noite não a tocava, mas a verdade que precisava dizer pesava como ferro.

— “A cada geração, tua alma reencarna. Mas não desperta até um dos sinais ser cumprido.”

— “Que sinal?” — ele sussurrou, encarando-a.

— “O toque do amor... ou a presença da morte.” — ela desviou o olhar. — “Você me viu. Me sentiu. E isso... quebrou o selo. 25 anos é a idade exata que você tinha... na vida passada... quando tudo acabou.”

Jack fechou os olhos. Imagens retornavam. Memórias desconexas: fogo, beijos, traições, e o brilho de olhos vermelhos em meio à escuridão.

— “Eu fui você antes.” — Kate continuou. — “E você... foi aquele por quem eu morri.”

Jack se sentou lentamente, os músculos doloridos, o rosto sujo de terra.

— “Então o que eu sou? Um monstro? Um fantoche de uma história repetida?”

— “Você é Jack.” — ela respondeu. — “Mas também é o filho do ciclo. Metade humano. Metade fera. E agora... parte de algo muito maior do que nós dois.”

— “E se eu não quiser ser parte disso?”

— “Então nos condena. A mim, a você. Ao mundo. Porque agora que despertou... os outros também vão sentir. O Conselho. Os lobos. E... aquele que causou a maldição original.”

Jack olhou para ela, os olhos ainda meio selvagens, mas agora cheios de uma dor mais antiga do que ele mesmo entendia.

— “Você fala como se soubesse o fim.”

— “Porque eu já vivi ele uma vez.”

Silêncio. Apenas o som da floresta e o pulsar das verdades recém-ditas.

E sob a lua ensanguentada... eles entenderam: o destino acabara de recomeçar.

O asfalto molhado refletia as luzes da cidade como um espelho trincado. Nova Orleans continuava viva — bares cheios, jazz vazando pelas janelas, turistas embriagados de cor e pecado. Mas algo no ar tinha mudado.

Jack caminhava ao lado de Kate, ainda com a camisa rasgada e as marcas da transformação recém-vivida. Seus olhos buscavam explicações em tudo: nas sombras entre os postes, nos passos de estranhos que pareciam saber demais, nos reflexos nos vidros dos carros.

— “Você sempre foi de Nova Orleans?” — ele perguntou, quebrando o silêncio.

— “Em parte, sim.” — ela respondeu. — “Mas eu sou do mundo. Já vivi em cidades que não existem mais... e vi impérios caírem antes mesmo do teu nome existir.”

Jack assentiu devagar.

— “E você continua linda.” — disse, sem ironia.

Kate o encarou de soslaio, surpresa por um momento.

— “Você disse isso da última vez também.”

— “Na outra vida?”

— “Sim. Antes de morrer nos meus braços.”

Ele ficou em silêncio. As palavras soaram como poesia, mas queimavam como verdade.

— “Você me amou?” — ele perguntou, sincero.

— “A ponto de me perder.” — ela respondeu, firme.

Eles entraram por uma viela discreta no bairro francês. A boate Lune Noire se erguia ao fundo: fachada antiga, letreiro em neon roxo e uma fila de humanos desavisados. Kate empurrou a porta dos fundos.

Dentro, tudo era diferente. Música abafada, corredores escuros, paredes revestidas de espelhos negros. Um guarda vampiro assentiu ao vê-los passar.

— “Você tem um esconderijo dentro de uma boate?” — Jack perguntou.

— “Melhor forma de se esconder: entre os que não acreditam.” — ela respondeu.

Descendo escadas estreitas, chegaram a um salão subterrâneo. O chão era de pedra antiga. Velas azuis ardiam sem consumir cera. Ali, vampiros mais velhos aguardavam em silêncio. Entre eles, Verona.

— “Ele voltou.” — disse Kate. — “Mas não como antes.”

Verona caminhou até Jack, analisando-o com olhos opacos.

— “A cidade está se movendo. Há murmúrios nos túneis dos licantropos. E Silas... já sabe que você o escolheu.”

— “Eu não escolhi ninguém.” — Jack disse.

— “Ainda.” — completou Kate, olhando-o de forma que apenas ele entendeu.

— “O que a gente faz agora?” — ele perguntou.

Verona ergueu uma das velas. A chama oscilou e projetou na parede um mapa antigo da cidade. Ruas, túneis, rios. E um ponto em vermelho piscando no coração da cidade.

— “Agora... vocês voltam onde tudo começou. Onde a maldição foi lançada. Onde o pacto foi quebrado. A Cripta do Sangue.”

Jack engoliu seco.

— “E o que tem lá?”

Kate cruzou os braços. Seus olhos eram pálidos como inverno.

— “O nosso passado.”

Verona completou:

— “E talvez... o nosso fim.”

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