A mansão dos Daevon erguia-se como um monumento ao tempo. Suas colunas negras, corroídas por musgo, tocavam o céu encoberto. Era ali que o sangue governava há três milênios. O lugar onde as decisões do Clã eram seladas em sussurros e execuções silenciosas.
Kate adentrou o salão principal, sua presença despertando murmúrios entre os membros da cúpula.
— *"A princesa retorna."* — sibilou Verona, a conselheira mais antiga, seus olhos pálidos e opacos como névoa.
— *"Esperávamos notícias melhores."* — disse Armand, com um leve tom de sarcasmo. — *"O híbrido ainda respira, dizem..."*
Kate caminhou até o trono negro onde seu pai, Lorde Silas, repousava como uma sombra viva. Seus dedos longos seguravam uma taça de cristal escuro, o conteúdo espesso e vermelho.
— "Jack fugiu." — ela admitiu, firme.
— "Jack." — Lorde Silas repetiu o nome como se saboreasse uma ofensa. — "O filho de quem?"
— "Ninguém sabe. Mas ele não é só humano... Nem só lobo. É algo novo."
Um murmúrio tomou o salão. Vampiros, todos com séculos de vida, reagiam como se estivessem ouvindo uma profecia se cumprir.
Verona se aproximou, arrastando sua capa azul-marinho manchada de veludo antigo.
— "Eu vi isso antes. Em um presságio. Uma criança nascida entre dois mundos. Um arauto da ruína. Ou da salvação."
— "Poético." — ironizou Armand. — "Mas ele é uma ameaça. Se for metade lobo, deve ser destruído antes que os Licantropos o reivindiquem."
— "Ou usado." — sugeriu Kate. Os olhos se voltaram para ela. — "Podemos descobrir como ele sobreviveu... como ele existe. Talvez... como controlá-lo."
— "Você fala como se estivesse envolvida demais." — acusou Lorde Silas. — "O sangue dos Daevon não se mistura. Você sabe disso."
Kate susteve o olhar do pai.
— "Eu conheço minha linhagem. Mas também conheço a guerra. E sei reconhecer quando precisamos mudar de estratégia."
O silêncio pesou como pedra. Silas se levantou. Com mais de dois metros, sua figura era esquelética e poderosa, como um cadáver revestido de coroa.
— "Então descubra tudo sobre Jack. Traga-o. Ou mate-o. Mas se ousar se apaixonar por ele..." — a voz cortou o ar — "...eu mesmo arrancarei seu coração."
**Na calada da noite**, Kate seguiu até os arquivos secretos, onde Verona a aguardava com uma caixa antiga.
— "Ele já esteve entre nós." — Verona murmurou. — "Não como Jack... mas como outra vida. Outro tempo. O ciclo está se repetindo, querida."
— "O que isso significa?" — Kate perguntou, abrindo a caixa.
Dentro, um retrato antigo. Um homem com os mesmos olhos que Jack. A mesma fúria contida. Ao lado dele... **uma mulher idêntica a Kate.**
— "Reencarnação." — Verona sorriu. — "E isso nunca termina bem..."
Kate segurava o retrato antigo com as mãos trêmulas. O papel estava amarelado, mas os traços eram inconfundíveis. O homem tinha os mesmos olhos de Jack — selvagens, tristes, intensos. E ao lado dele, a mulher com cabelos vermelhos ondulados... ela. Ou alguém idêntica a ela.
— "Reencarnação?" — Kate sussurrou, sem conseguir desviar o olhar da pintura.
— "Você está dizendo que... nós dois já existimos assim antes?"
Verona cruzou os braços, o olhar cansado, como alguém que já viu séculos passarem por seus dedos.
— "Sim. A história se repete. Sempre entre o sangue e a lua. Sempre entre vocês dois."
— "E por que ninguém nunca me contou isso?"
— "Porque você foi feita para esquecer. Toda vez que ele morre... você renasce no mesmo corpo, mas sem a memória. Ele, por outro lado, reencarna. Novas vidas, novos rostos. Mas a mesma alma." — Verona se aproximou, seu tom sombrio. — "E o mesmo amor."
Kate riu, amargo.
— "Isso é uma maldição."
— "Ou uma chance de redenção."
Ela se afastou, encarando os vitrais escuros da biblioteca secreta.
— "E se dessa vez... ele não me amar? E se dessa vez... ele me odiar?"
— "O amor e o ódio entre vocês sempre caminharam juntos. Você o traiu uma vez. Ou talvez ele tenha traído você. As versões mudam... mas o fim sempre foi o mesmo: morte."
Kate fechou os olhos. Uma dor antiga reverberava em seu peito, como se algo dentro dela começasse a lembrar, mesmo que não quisesse.
— "E se eu quebrar o ciclo?"
Verona sorriu, frágil.
— "Então, pela primeira vez em três mil anos... um vampiro e um lobo vão reescrever o destino."
Enquanto isso, em outro ponto da cidade...
Jack corria pela mata úmida ao redor do cemitério Lafayette. Sua pele ardia, os ossos doíam, e os gritos rasgavam sua garganta. A transformação havia começado. Mas não era só física. Ele via flashes. Memórias que não eram dele.
Um campo em chamas.
Kate, de cabelos trançados e olhos cheios de lágrimas.
Uma promessa sussurrada: "Eu volto por você..."
Uma adaga atravessando seu peito.
Ele caiu de joelhos. O uivo que escapou de sua boca não era humano. Nem totalmente lobo.
— "O que está acontecendo comigo...?"
A lua, cheia e vermelha, parecia observá-lo.
De volta à mansão Daevon, Kate se vestia para sair. Roupas leves, de couro e tecidos elásticos — para correr, lutar... ou fugir. No espelho, seus olhos brilhavam de um jeito diferente.
— "Se isso for reencarnação... então eu tenho uma escolha a fazer."
Ela tocou a adaga presa à cintura.
— "Salvar Jack. Ou matá-lo... antes que meu coração me traia de novo."
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Atualizado até capítulo 29
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