Na manhã de quinta-feira, a rotina começou como qualquer outra: Aurora revisando a agenda do dia, respondendo e-mails, organizando documentos. Tudo em ordem, até a mensagem aparecer na tela do computador:
"Reunião às 11h. Sala de Estratégia. Levar bagagem para dois dias. – D.V."
Aurora franziu o cenho. “Bagagem para dois dias”?
Poucos minutos depois, Dante passou por sua mesa, parando por exatos três segundos.
— Arrume suas coisas. Vamos para o Rio.
— Perdão?
— Reunião com investidores. Preciso que acompanhe.
Ela o seguiu, confusa.
— Não há nada disso na agenda, senhor.
— Porque foi decidido ontem à noite. E você é eficiente, não é? Vai se adaptar.
Ele entrou no elevador sem esperar. Aurora suspirou fundo.
Dois dias ao lado de Dante Vasconcellos. Um desafio. Uma tortura. Um risco para o coração — se é que o dela ainda estava sob controle.
Horas depois, já no jato executivo da Vasconcellos Corporation, Aurora observava pela janela a cidade ficando pequena.
O silêncio reinava na cabine. Dante lia um relatório, óculos de leitura baixos no nariz, impecável como sempre. Ela, ao lado, tentava parecer relaxada, mas o coração acelerava sempre que ele se movia.
Quando o avião balançou por causa de uma turbulência, o braço dele roçou no dela. Um toque breve. Mas intenso o suficiente para fazê-la prender a respiração.
— Algum problema, Vidal? — ele perguntou, sem erguer os olhos.
— Nenhum. Só não costumo viajar em aviões particulares com meu chefe.
Ele virou o rosto em sua direção, finalmente.
— Costuma viajar com outros chefes?
Ela sorriu, desafiadora.
— Nem todos são chefes que me mandam mensagens à noite.
Por um segundo, o ar entre eles mudou. Havia algo não dito ali. Algo perigoso. E Dante sentiu.
Mas, como sempre, se fechou.
— Concentre-se no trabalho.
—
Chegaram ao hotel cinco estrelas no final da tarde. Aurora foi levada a uma suíte executiva ao lado da de Dante.
Assim que entrou no quarto, o telefone tocou.
— Vista algo formal. Jantar com investidores em uma hora.
— Alguma exigência específica?
— Algo que impressione. Mas sem parecer que está tentando.
Ela riu, mesmo sozinha. Ele era impossível.
Mas ao mesmo tempo… ela adorava aquele jogo não declarado.
—
O jantar foi em um restaurante sofisticado de frente para a praia. Luz baixa, ambiente elegante, conversa carregada de cifras e termos técnicos. Aurora ficou a maior parte do tempo em silêncio, observando, anotando mentalmente cada expressão, cada dado relevante.
Até que um dos investidores dirigiu-se diretamente a ela:
— E você, senhorita Vidal? O que acha da projeção da Vasconcellos Corporation para os próximos trimestres?
Aurora engoliu seco. Olhou para Dante, esperando que ele interviesse. Mas ele apenas observava, como quem dizia: “Mostre do que é feita.”
Ela ajeitou a postura e respondeu com clareza, citando dados que ouvira nas reuniões internas e uma análise sucinta, porém inteligente, da movimentação de mercado.
Os homens na mesa assentiram, satisfeitos.
Dante, no entanto, manteve-se impassível.
Até que, ao fim do jantar, quando já estavam sozinhos no carro de volta, ele disse:
— Você roubou a cena.
— Eu achei que estava ali só para fazer anotações.
— Eu também. Até hoje.
Ela sorriu, mas não respondeu. Havia um elogio ali. Um raro. E vindo de Dante, era quase uma declaração.
—
Naquela noite, no quarto do hotel, Aurora tirou os saltos, soltou o cabelo e ficou um tempo olhando o reflexo no espelho.
Sentia-se exausta. Confusa. E… viva.
Havia algo crescendo ali. Um sentimento que se escondia entre olhares demorados, gestos pequenos, silêncios densos.
E embora soubesse que era perigoso se aproximar de um homem como Dante Vasconcellos… não conseguia evitar.
—
Na suíte ao lado, Dante encarava o teto.
O rosto dela surgia cada vez com mais frequência em sua mente. Ela era uma distração. Uma irritação. Um enigma.
E ele odiava não ter controle sobre isso.
Mas o pior, admitia para si mesmo, era que não queria mais se afastar.
Pouco depois da meia-noite, Aurora estava quase dormindo quando escutou uma batida suave na porta.
Levou alguns segundos para se sentar, atônita. Quem bateria àquela hora?
Vestia uma camisola leve de algodão, nada provocante — mas mesmo assim sentiu o coração saltar. Caminhou até a porta com passos hesitantes.
Quando abriu, encontrou Dante.
De camisa social aberta no colarinho e sem paletó, ele segurava o celular em uma das mãos. A expressão? Impassível. Como sempre.
— O Wi-Fi do meu quarto está instável. Preciso enviar um documento agora. Posso usar seu sinal?
Aurora piscou, confusa.
— O senhor quer... usar meu Wi-Fi?
— Tecnicamente, o da sua suíte. Sim.
Ela hesitou por um segundo. Mas abriu espaço.
— Entre.
Dante passou por ela, o perfume amadeirado se misturando ao ar do quarto. Sentou-se na escrivaninha com naturalidade, como se invadir a madrugada dela fosse parte da rotina.
Enquanto conectava o notebook, Aurora permaneceu de pé, desconfortável — mais consigo mesma do que com ele.
— Posso te trazer água… ou um pouco de noção de horário — disse ela, tentando aliviar a tensão com humor.
Ele não riu. Mas seus lábios se curvaram num quase sorriso.
— Você sempre responde assim quando está nervosa?
Ela cruzou os braços.
— Eu não estou nervosa.
— Claro que não — murmurou, com ironia.
O silêncio que se seguiu era mais pesado do que qualquer conversa.
Depois de alguns minutos, ele fechou o notebook e levantou-se.
— Obrigado. Está resolvido.
Ela o acompanhou até a porta, e por um momento, os dois pararam, frente a frente.
Tão perto que ela conseguia ver os tons de cinza nos olhos dele. Tão perto que ele podia ouvir o leve acelerar da respiração dela.
— Aurora — ele disse, pela primeira vez usando o nome dela.
Foi um sussurro. Um deslize.
Ela sentiu um arrepio subir pela espinha.
— Senhor Vasconcellos?
Ele hesitou. Como se lutasse consigo mesmo. Como se tivesse atravessado uma linha invisível… e agora não soubesse se queria voltar.
— Boa noite — disse, por fim, saindo do quarto.
Aurora fechou a porta devagar, com o coração disparado.
Aquela noite mudou alguma coisa. Ela não sabia o quê, nem como — mas sabia que nada mais seria igual.
—
Na manhã seguinte, ao entrarem na sala de reunião com os investidores, estavam diferentes.
Os olhares demoravam meio segundo a mais. As palavras vinham com uma tensão sutil. Havia uma linha invisível conectando os dois — e quem observasse com atenção notaria.
Na volta para São Paulo, Aurora tentou dormir no voo, mas os pensamentos estavam a mil. Já Dante, fitava a janela, aparentemente calmo — mas por dentro, sentia-se invadido por sensações que não sabia nomear.
Ela mexia com ele.
E isso o deixava furioso.
Porque quanto mais ele tentava afastá-la emocionalmente, mais presente ela ficava. Não como secretária. Mas como mulher. Como presença.
Como risco.
—
De volta ao escritório, os dias seguintes se tornaram uma dança silenciosa entre eles. Proximidade controlada. Palavras medidas. Olhares disfarçados.
Mas bastava um toque acidental, um sussurro próximo demais, uma pausa em meio ao caos corporativo — e o mundo parava por um instante.
Ambos sabiam: estavam entrando em um terreno perigoso.
E talvez… já fosse tarde demais para voltar.
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Atualizado até capítulo 44
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