O elevador subia silenciosamente até o 28º andar, reservado para reuniões de diretoria e negociações de alto nível. Aurora se sentia deslocada ali — entre os ternos sob medida, perfumes caros e olhares que a escaneavam como se fosse um erro de RH.
Mas Dante, à sua frente, parecia alheio a tudo. Andava com passos firmes, sem olhar para trás, como se o mundo devesse segui-lo naturalmente.
E, de algum modo, ele fazia isso acontecer.
Entraram em uma sala ampla, com uma mesa de madeira escura em formato oval e telas gigantes nas paredes. Já havia seis pessoas ali — entre eles, diretores, conselheiros e o CFO da empresa.
Dante sentou-se na cabeceira. Aurora, à direita dele.
— Iniciem — disse ele, sem cumprimentos.
O clima era tenso. O setor financeiro havia identificado um rombo inesperado: um investimento alto que não gerou o retorno previsto. Os rostos sérios denunciavam o peso da situação.
Aurora ficou em silêncio, observando e anotando, até que um dos executivos questionou os dados do relatório que ela mesma havia organizado horas antes.
— Isso aqui está incompleto — resmungou ele, folheando a planilha impressa. — Faltam as despesas indiretas dos fornecedores terceirizados.
Antes que Dante pudesse intervir, Aurora se inclinou levemente.
— Estão na segunda aba do arquivo digital. Como o senhor preferiu imprimir, deve ter deixado de lado. Posso enviar agora para seu e-mail, se desejar.
O homem arregalou os olhos. Dante, ao lado, não esboçou reação — mas ela notou o pequeno músculo em sua mandíbula se movendo.
— Faça isso — disse o executivo, sem encará-la.
Ela o fez em segundos. A sala caiu em um breve silêncio constrangido.
Dante então falou, com a calma cortante que era sua marca.
— Contratem pessoas melhores para o seu time, Moreira. Não vou tolerar erros por falta de atenção.
O tal Moreira ficou vermelho, mas engoliu seco.
A reunião seguiu por mais quarenta minutos, e Aurora manteve-se atenta, profissional, invisível quando necessário e precisa quando chamada. Ao final, Dante levantou-se sem olhar para ninguém.
— Vidal. Comigo.
Ela o seguiu de volta ao escritório. Quando a porta se fechou atrás dos dois, ele virou-se para encará-la. Havia algo em seu olhar — não era irritação. Era… curiosidade desconfiada.
— O que exatamente você fazia no hospital onde trabalhou?
— Era recepcionista da ala de oncologia e nefrologia. Fazia triagens, arquivos, e às vezes ajudava pacientes com os formulários.
— E aprendeu tudo isso sozinha?
— Ninguém me ensinou — respondeu, dando de ombros. — Mas eu prestava atenção em tudo.
Dante se aproximou um passo.
— Você é… incomum.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Isso é um elogio ou um aviso?
Ele não respondeu. Apenas desviou o olhar, como se odiasse ser surpreendido.
—
Mais tarde, já perto das cinco da tarde, Aurora recebeu uma ligação urgente no celular. Vinha do hospital público onde seu pai fazia tratamento. Ela pediu licença para sair um pouco mais cedo e explicou brevemente a situação.
Dante apenas assentiu, de forma seca.
— Vá. Mas me avise quando retornar. Detesto surpresas.
Ela agradeceu, pegou a bolsa e saiu às pressas. Seu coração estava disparado — não pelo Dante, mas pelo pai.
—
O hospital tinha cheiro de éter e urgência. Aurora encontrou a mãe sentada no banco do corredor, chorando baixinho.
— Foi uma crise — disse ela, com os olhos vermelhos. — O médico disse que ele precisa ser internado por alguns dias. E precisa do medicamento novo. Amanhã.
Aurora apertou a mão da mãe, tentando passar uma força que não sentia.
— Eu vou conseguir, mãe. Eu prometo.
—
Mais tarde naquela noite, quando Aurora finalmente voltou para casa, encontrou uma mensagem no celular. Era de um número desconhecido.
“Vidal. Você deixou sua pasta aqui. Pegue-a amanhã cedo. — D.V.”
Ela soltou uma risada cansada. Ele havia decorado o número dela? E o bilhete… curto, direto, como tudo nele. Mas ainda assim, ele notou sua ausência. E isso, vindo de Dante Vasconcellos, era quase intimidade.
—
Na cobertura elegante de Dante, ele caminhava de um lado para o outro, camisa social aberta no colarinho, whisky na mão. Os olhos presos na noite através dos vidros.
Não conseguia tirar da cabeça a imagem de Aurora saindo às pressas. Havia algo na maneira como ela falava com a mãe ao telefone. Desespero contido. Um tipo de dor que ele conhecia — mas jamais admitiria.
Ele odiava sentir. E aquela garota… fazia ele sentir.
Deitou-se tarde, inquieto. Mas antes de dormir, pensou pela primeira vez em anos em algo que não era trabalho.
Pensou nela.
Aurora chegou à empresa antes das sete.
As olheiras denunciavam a noite mal dormida, mas ela manteve o batom discreto e o coque alinhado. Se havia uma coisa que aprendera trabalhando em hospitais era que dignidade se carrega nos ombros, mesmo quando tudo dentro da gente está desmoronando.
Subiu os andares com a pasta esquecida em mente — e com a imagem de Dante lendo a mensagem no celular dela.
Como ele tinha o número? Provavelmente pegou do sistema interno. Claro. Ele era o tipo que controlava tudo. Mas mesmo assim… havia algo de pessoal na mensagem. Algo que escapava do usual tom corporativo dele.
Quando entrou na sala, encontrou a pasta sobre sua mesa, ao lado de uma xícara com um líquido escuro ainda fumegante.
Café.
Ela olhou para os lados, desconfiada, e então viu a tampa da garrafa térmica aberta sobre o aparador. Ele havia servido.
Ela não sabia se ria ou se assustava.
O CEO mais arrogante de São Paulo havia colocado café em sua mesa?
Na dúvida, tomou um gole.
Amargo, forte. O tipo que mantinha executivos acordados por três reuniões seguidas.
Minutos depois, Dante entrou. Terno escuro, expressão inabalável. Passou direto por ela, mas antes de fechar a porta de sua sala, disse:
— Chegou cedo.
Aurora respondeu, sem desviar os olhos do computador:
— E o senhor também.
Ele não replicou.
Mas sorriu. Um sorriso rápido, involuntário, que ela quase não viu — mas viu.
—
Mais tarde, naquele mesmo dia, Aurora recebeu um e-mail com o título:
"Verba emergencial: autorização liberada"
Ela estranhou. Não tinha solicitado nada.
Ao abrir, encontrou um voucher com liberação para uma “ajuda de custo excepcional”, no valor exato do medicamento que o pai precisava. Estava no sistema da empresa, registrado como bônus por “atuação destacada no início de funções”.
Aurora congelou.
O valor. A rapidez. O momento. Tudo indicava a mesma fonte.
Levantou-se, atravessou a sala e parou diante da porta do escritório de Dante. Bateu duas vezes, entrou sem esperar.
Ele estava de pé, ao telefone. Encerrando a chamada.
Ela ergueu o celular, mostrando o e-mail.
— Isso foi o senhor?
Ele cruzou os braços.
— Está reclamando?
— Estou perguntando.
— Então aceite como um reconhecimento. Você tem feito um bom trabalho.
Ela se aproximou mais um passo.
— O senhor não parece o tipo que distribui recompensas generosas a secretárias novatas.
— E você não parece o tipo que aceita ajuda sem lutar contra.
Os olhos de ambos se encontraram — duros, intensos, quase elétricos.
Aurora respirou fundo. Queria agradecer. Queria se afastar. Queria gritar que não precisava da piedade dele, mas também sabia que aquele dinheiro salvaria o pai.
— Obrigada — disse por fim, quase num sussurro.
Ele apenas assentiu.
— Volte ao trabalho, Vidal.
Ela saiu, deixando para trás uma atmosfera densa — carregada de tudo o que não podia ser dito.
—
No fim do dia, enquanto organizava a papelada da reunião seguinte, recebeu uma notificação no celular.
Mensagem da mãe:
"O médico disse que começaremos o novo remédio amanhã. Ele sorriu hoje. Disse que vai lutar mais."
Aurora segurou o celular com as duas mãos, sentindo os olhos marejarem. Pela primeira vez em meses, sentia que as coisas estavam começando a mudar.
E parte dessa mudança vinha… dele.
Do homem que era seu chefe. Seu desafio diário. Sua linha tênue entre raiva e fascínio.
—
Na cobertura de Dante, naquela noite, ele encarava a cidade pela varanda, como sempre. Copo na mão, gravata solta, a escuridão refletindo seus pensamentos.
Não sabia por que havia feito aquilo. Nunca interferia na vida de funcionários. Mas havia algo em Aurora… um senso de honra, talvez. Um fogo sob controle. Ela lembrava uma versão de si mesmo que ele havia enterrado anos atrás.
Mas também era mais do que isso.
Era irritante. Era linda. Era um risco.
E mesmo assim, ele queria ver até onde aquilo iria.
Mesmo sabendo que devia parar.
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Atualizado até capítulo 44
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