^^^"Na vida todos temos^^^
^^^um segredo inconfessável,^^^
^^^um arrependimento irreversível,^^^
^^^um sonho inalcançável^^^
^^^e um amor inesquecível".^^^
^^^Diego Marchi^^^
Minha mente me condenada. Imunda. Suja. Impura. Possuída pelo mar sombrio e profundo do pecado mais tentador.
A vergonha queimou como labaredas em meu interior quando encarei o rosto empático de mamãe hoje no almoço. Foi como se ela soubesse do ato repugnante que fiz no meu quarto algumas horas atrás. Dos pensamentos contraditórios, da confusão entre a moral e o desejo poderoso e puramente carnal que sentira. Dos gemidos e suspiros afoitos, desesperados por mais e mais prazer, até sucumbir aos desejos perversos de minha alma. Ainda posso sentir os dedos grossos e firmes deslizando pelo meu corpo com fome, vorazes.
Repulsivo.
Meus olhos ainda ardem pelas várias lágrimas que derramei depois que aquele homem bárbaro foi embora. O meio das minhas pernas lateja com um ardor excruciante, causada pela intrusão rude no meu canal despreparado. E acima de tudo, minha mente me corrói pelo arrependimento e pela culpa. Tudo me fere, porém não sei qual deles vão me destruir primeiro. Talvez o que mais me assombra, é o fato de que sinto que as coisas estão somente começando.
Ainda estou longe de terminar com você, suas palavras intensas batem em mim como um soco. Não foi uma ameaça, foi um prelúdio do meu destino ao lado daquele monstro profano. E eu não duvido que ele vá tornar todas suas sentenças em verdades. Alessandro tem em mãos o poder para destroçar meu corpo e minha alma, e não sou capaz de fazer absolutamente nada. Avassalar minha vida e tudo que pensava acreditar piamente.
Uma batida suave soa na porta do meu quarto, logo em seguida a voz familiar que tanto me acalenta.
— Piccolina, abra a porta, por favor. Não posso demorar muito.
Em um pulo, levanto da cama e praticamente corro para abrir a porta. Perla está parada no batente da porta, sorrindo imensamente para mim. Estou tão aliviada de poder vê-la depois de tudo que aconteceu, que envolvo meus braços em seu pescoço rechonchudo, fazendo ela rir de surpresa e soltar um arquejo de reprovação alguns segundos depois.
— Cuidado, mocinha! Vai derrubar o prato com o seu presente de aniversário.
Recuo, confusa e olho para baixo. Somente naquele momento percebo o prato modesto de porcelana em suas mãos e no centro dele há dois pedaços da minha torta preferida. Torta caprese¹. Só de olhar para os pedaços cheios de chocolate com o cheiro maravilhoso das avelãs, faz minha boca salivar com a vontade de comer tudo aquilo em segundos. O quarto inunda com o aroma doce.
Suspiro, meus olhos brilhando de emoção.
— A torta está com uma aparência ótima!
É notável como a massa feita de chocolate está macia e consistente. E para acompanhar, algumas framboesas lindas decoram o prato, junto com uma calda de chocolate em cima da torta.
— Eu e as meninas fizemos do jeito que você disse que gostava quando chegou nessa casa; muito chocolate.
Minhas bochechas doem pelo tamanho do meu sorriso imenso. Pego o prato de suas mãos e coloco-o sob a penteadeira, perto da porta. Viro-me para Perla rapidamente e a abraço apertado mais uma vez, porém desta vez, ela retribui o afeto no mesmo instante.
— Sei que isso está longe de ser o bolo de aniversário que você merece, mas fiz com todo o amor e carinho.
— Isso é muito mais do que eu mereço. Muito obrigada, Perla — sussurro, sentindo as corriqueiras lágrimas já presentes em meus olhos — Não recebo um bolo de aniversário faz vários anos...
— Ah, querida, meu coração se parte por saber disso. Se depender de mim, vou fazer você ganhar bolos e doces em todos os seus aniversários a partir de agora. — Seus dedos afagam meus cabelos dourados com lentidão, enquanto sua outra mão esfrega suavemente minhas costas. Sinto-me segura e imensamente contente. Mesmo com poucos dias, Perla me trata muito melhor que minha própria mãe foi capaz de fazer durante toda minha vida. — Você não merece passar por algo assim, é uma menina tão gentil e inocente.
Todos os meus músculos tornam-se tensos e um caroço enorme parece se alojar em minha garganta, dificultando engolir a saliva.
Perla une as sobrancelhas, uma ruga surge em sua testa.
— O que aconteceu, Giulia?
Afasto-me de seus braços acolhedores e tento sorrir com normalidade, porém sei que meu rosto está tudo, menos tranquilo.
— Nada, Perla. Como sempre.
Seus olhos se espremem, estudando cada linha e expressão do meu rosto suado. Avaliando atentamente. Conhecendo-me, sei que não estou conseguindo esconder nada dela. Merda.
— Não tente me enganar, Giulia.
Engulo em seco, balançando a cabeça imediatamente.
— Não aconteceu nada, P-Perla.
Uma mão sobe para a sua cintura e fica lá, exigindo a verdade com seus olhos repreensíveis.
— Olha, só não continuo essa conversa porque tenho que ir para a cozinha fazer algo para você e a Sra. Giordano. Não pense que vai conseguir fugir desse assunto mais tarde.
Com a mudança de assunto, a tensão foi embora, dando espaço para a animação.
— A Sra. Giordano vai vir me visitar?
— Sim, piccolina. — Com a minha alegria renovada, Perla ri da minha animação. — Vou fazer algo para vocês duas.
— Quando ela chega?
— Daqui alguns minutos. Pode comer sua torta. Há bem mais guardado para o seu café da tarde hoje.
Seguro as mãos de Perla, emocionada e sem palavras para expressar o quanto tudo que ela me fez é essencial para mim. Ela não tem obrigação nenhuma de me dar presentes ou torta caprese no meu aniversário. Um aniversário que poucos se dão conta ou se importam.
— Obrigada...
— Não precisa me agradecer, piccolina. Estou só fazendo tudo ao meu alcance para tornar sua vida um pouco mais tolerável nesse abismo opressor que chamamos de vida.
Já estava preparada na soleira da porta quando ouço o som abafado de suas sandálias pelo piso do corredor. Cada ranger deixando-me mais feliz por sua companhia, finalmente. Não vejo a Sra. Giordano desde o dia que mamãe se casou e nos mudamos. Não sei o motivo de seu afastamento repentino. Antes, ela me via todos os dias à tarde, dando-me aulas de várias matérias escolares e etiqueta, como uma bela dama deveria se portar nas nossas tradições e meios de vida. Sra. Giordano sempre esteve em minha vida, ensinando e me educando adequadamente de seu modo distante. Entretanto, mesmo não sendo muito afetuosa ou gostasse de aproximadamente, ela é bem mais que apenas uma boa professora e babá. Ela é minha única melhor amiga que possuo. Uma confidente e conselheira maravilhosa.
— Por um momento, achei que jamais iria vê-la novamente! — Quero abraça-lá apertado de tanta saudade, como fiz com Perla, mas sei que serei escrachada instantaneamente pelo comportamento impulsivo. Já cometi esse erro com ela muitas vezes antigamente.
Serena Giordano para em minha frente com toda a definição de refinada. Sua calça de barras retas são de um tom de cinza escuro com o comprimento nos tornozelos, sapatos sofisticados de saltos fechados e, para deixar o visual ainda mais harmonioso e elegante, uma camisa de mangas compridas branca e um blazer da mesma cor de sua calça. Seu cabelo negro, com poucos fios brancos, está preso em um rabo de cavalo alto e impecável. Tudo nela exala respeito e seriedade.
— Não vai se livrar das minhas broncas tão facilmente, Srta.
Solto uma risada divertida e ando um passo para o lado, convidando-a com um gesto da mão.
— Estou torcendo para isso. Entre, por favor.
Giordano curva a cabeça em um breve aceno respeitoso, entrando em meu quarto grande. Seus passos são controlados e certeiros até a cadeira estofada na minha mesa no canto esquerdo. Ela senta com a graça de um cisne, e pousa na pequena mesa de vidro uma caixa retangular que estava carregando em seus braços quando chegara. Fico curiosa com o que se trata o pacote, mas me contenho de questionar-lhe. Estou ansiosa para saber qual é o presente desse ano que ela comprou para mim.
— Está gostando de viver nessa nova casa? — Sra. Giordano pergunta, unindo suas mãos finas sob a mesa.
— Bem, acho que sim. — Aproximo-me e sento ao seu lado. Olho para seu rosto, suas órbitas gélidas escondendo quaisquer sentimentos ocultos. — Já fiz amizade com quase todas as mulheres da cozinha.
Ela assente em um movimento.
— Isso é bom. Todos foram acolhedores com você?
"Me excita pra caralho ver o terror nos seus lindos olhos, Giulia".
— A maioria, sim. — Sufoco a vontade de desviar o olhar ou ficar vermelha de vergonha. — Contudo, acho que o pior não é nem as pessoas novas, mas mamãe, que me trata do mesmo jeito sempre. Gostaria muito de entender a razão de tudo isso.
Giordano pigarreia e desmancha as mãos juntas para empurrar a caixa de papelão para minha frente.
— É seu. Abra.
Sorrio amplamente, mostrando todos os meus dentes e não demoro em puxar as abas da caixa e abri-la. Dentro do pacote encontro muitos embrulhos de plásticos, protegendo os objetos com cuidado. Pego um retângulo embalado e retiro tudo em volta dele com entusiasmo, como uma criança ganhando seu primeiro presente. O que vejo em minhas mãos fazem meus olhos se arregalarem e um arquejo surpreso escapa de minha boca ligeiramente aberta.
Uma linda tela em branco se estende, mais ou menos até uns 70 centímetros de comprimento. Nas outras embalagens vejo tintas, pincéis de vários tamanhos e formatos e uma paleta para misturar as cores.
Olho para a mulher ao meu lado, confusa. A Sra. Giordano segue as regras severas de mamãe à risca, sem questionar ou contrariar em absolutamente nada e tenho certeza que, em um determinado momento, ela ordenou-lhe que a arte ficaria bem longe de mim de agora em diante.
— Sei que você gosta muito da arte, e como isso lhe faz bem. — Serena faz uma pausa, lambendo os lábios finos. — Acho que você deveria continuar, principalmente agora que está ocorrendo muitas mudanças em sua vida.
Abro e fecho a boca, sem palavras e perplexa.
— Você tem o dom para desenhar coisas lindas, Srta. Rossini. Isso não deve ser oprimido apenas por caprichos de sua mãe.
Permito que as lágrimas caírem livres pelo meu rosto. Meu coração fica quente, cheio de sensações boas. Talvez eu seja importante para algumas pessoas, afinal. Quando abri os olhos pela manhã, jamais passou pela minha cabeça a ideia de receber um bolo de aniversário maravilhoso, e poder voltar à desenhar, o que eu tanto sentia falta.
— Não tenho palavras para descrever o quanto estou feliz e grata...
Pela primeira vez em dias, vejo um sorriso pequeno repuxar os cantos de sua boca.
— Só lembre de esconder essas coisas muito bem.
Balanço a cabeça, esfregando a mão nos meus olhos molhados.
— Não se preocupe com isso, Sra. Giordano. Mamãe jamais saberá o que você fez por mim.
— Na verdade, sua mãe não é o que me preocupa — Ela umedece os lábios novamente, parecendo momentaneamente receosa. O que é uma coisa muito estranha para os costumes dela. — A arte não precisa ser apenas um hobby seu, já que você ama tanto o que faz, deveria tornar-se uma profissional.
Pisco, boquiaberta.
— Está dizendo que eu deveria fazer faculdade?
— Sim.
Já pensei muito nisso, muito mesmo. Seria um sonho fascinante poder ir em uma universidade, conhecer pessoas da minha idade, poder finalmente fazer amizades, somente ser uma adolescente comum. Porém...
— Mamãe jamais permitiria.
Ela não me deixou ir nem para a escola com as outras crianças, por que na faculdade seria diferente?
— Talvez. — Sra. Giordano cruza as mãos de novo, encarando-me. — Entretanto, você já é uma mulher, como sua mãe gosta de frisar. Deveria tentar propor essa ideia para ela.
Suspiro, receosa. Sei perfeitamente a resposta que iria receber se dissesse isso para mamãe.
— Pense no seu futuro, Srta. Não queira ser como todas as mulheres escravizadas da famiglia, que seu único destino é ter um marido cruel e filhos para cuidar. Olhe para mim, — Giordano aponta uma mão para seu próprio peito, enfatizando. — casei muito nova, fiquei viúva apenas poucos anos depois e comecei a enxergar que não precisava de homem nenhum para suprir minha felicidade ou um lugar importante no nosso mundo. Aprofundei-me nos meus estudos e em minha carreira acadêmica. Não me arrependo de absolutamente nada. Você não deve se contentar com pouco, mesmo com todos os obstáculos.
Não preciso pensar muito para ter certeza de que ela está certa. Poucas mulheres na máfia italiana conseguiram alcançar algo diferente do que se casar, dar herdeiros saudáveis, viver as custas do marido, dando-lhe submissão em qualquer coisa que recorre à ela. Acho que não é algo impossível uma mulher querer aprofundar seus conhecimentos hoje em dia, só não é algo explorado por várias mulheres da máfia. Não quero ser igual a mamãe, nem mesmo ter um futuro próximo ao dela.
Uma nova determinação adormecida em mim ergue-se corpulenta. Passou da hora de dar um basta a tanta prepotência. Recuso-me a querer tão pouco da vida e me limitar com as escassas migalhas entregues para mim.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Xyn Anala
Quero ler tudo de novo, é tão bom que não consigo largar.
2025-06-13
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