Capítulo 03

Lara chega um pouco atrasada ao restaurante, com um sorriso divertido nos lábios. Chloe já está sentada à mesa, um tanto rígida, com as mãos sobrepostas no colo. Ela veste um blazer bem cortado e parece impecável, com uma elegância discreta que denota maturidade, mas seus olhos azuis claros, um pouco cansados, denunciam uma tensão sutil. Há algo em sua postura que sugere uma vida de disciplina e controle.

Lara estava com um sorriso que alcançava os olhos e acena levemente para a mais velha. A médica tem um ar jovial, apesar dos 24 anos, ela poderia facilmente se passar por uma moça mais jovem ainda. Isso só denunciava a diferença de idade entre as duas. Chloe tinha certeza que não teriam nada em comum para conversar. Lara estava no auge da sua juventude, no momento em que se sonha com o futuro. Já Chloe, só queria reconquistar a sua carreira de anos, que escapou pelos seus dedos. Se ela tivesse culpa, tudo bem. Mas não tinha. Ninguém tinha.

— Chloe, certo? Desculpe o atraso. Meu pai insistiu em me dar uma palestra sobre "pontualidade em encontros formais" e eu me distraí com a beleza do sermão dele.

Chloe levanta os olhos, um lampejo de surpresa e um quase sorriso passam por seu rosto, suavizando um pouco a rigidez. Ela estende a mão para Lara, um pouco hesitante. Apesar de não querer estar ali, era bom que Lara fosse minimamente conhecida. Assim ela não se sentiria tão desconfortável.

— Lara, é um prazer vê-la novamente. — Apesar da gentileza, a expressão de Chloe dizia o contrário. Ela só queria acabar logo com aquelas formalidades e voltar para o seu apartamento. Seu aperto de mão é firme, mas rápido.

Lara sente um arrepio e segura por um segundo a mais do que o necessário, notando a textura macia das mãos de Chloe. Ela estava ainda mais linda desde a última vez que se viram.

— O prazer é todo meu. — A médica senta-se na cadeira oposta, deslizando a bolsa para o lado. A ruiva adorava o flerte e tudo que envolvia uma nova conquista, mesmo sabendo que com Chloe, nada aconteceria. Ela analisa Chloe discretamente. Os cabelos pretos que caem suavemente sobre os ombros, a postura elegante, a forma como os olhos dela parecem vasculhar o ambiente, como se estivesse sempre em alerta. A mulher era séria demais. Lara sente uma pontada de admiração pela compostura de Chloe, algo que ela, em seus poucos anos, ainda estava aprendendo a dominar. — Então... Um encontro arranjado. Parece que nossos pais estão obcecados em nos ver "estabelecidas". Ou talvez eles só queriam uma noite de paz longe da gente.

Chloe quase sorrir. Lara sente uma pequena vitória, pensando que conseguiu arrancar uma reação de alguém tão controlada.

— Acho que a primeira opção é mais provável. Meus pais têm sido particularmente insistentes ultimamente.

— Os meus também. É um inferno. "Lara, você precisa de uma namorada. Já está na hora. Olha sua irmã!" — Lara imita a voz de sua mãe, Dona Helena, com um tom exagerado, o que faz Chloe sorrir abertamente desta vez. É um sorriso bonito, e Lara o memoriza. — Depois que Sophie e Elisa se casaram, a pressão caiu toda sobre mim. É quase um complô.

Um garçom se aproxima para pegar os pedidos de bebidas. Lara pede um vinho branco. Chloe hesita, sua expressão se tornando um pouco mais séria.

— Água, por favor.

Lara ergue uma sobrancelha, curiosa.

— Não vai beber? É uma noite importante! A noite em que podemos decepcionar nossos pais juntas. — Ela pisca para Chloe, que nega com a cabeça.

— Não estou muito no clima. E... eu não bebo.

— Ah, certo. Sem problemas.

Hum, interessante. Lara pensou. No casamento de Sophie, Chloe estava bebendo. Sem bebidas, sem desinibição. Talvez seja esse o motivo. Que pena! Ela queria conhecer mais do lado informal de Chloe.

O garçom se afasta. Lara se inclina um pouco, sua voz baixando em um tom mais conspiratório.

— Então, me conte. O que você faz quando não está sendo forçada a participar de jantares arranjados? Você é piloto de avião, certo? Meus pais ficaram impressionados. Não é todo dia que você conhece alguém com uma carreira tão... alta.

Chloe endurece ligeiramente. Lara percebe a mudança, mas a provocação é mais forte que a cautela.

— Eu era piloto. Não sou mais. — Chloe falou com a voz um pouco fria, carregada de resignação. Surpresa genuína atingiu a médica. A insolência sumindo por um instante, substituída por curiosidade

— Ah. Me desculpe. Eu não... Por que não? Se não for muito indelicado perguntar, claro.

Chloe hesita, seus olhos desviando por um instante, como se estivesse avaliando se deve ou não compartilhar, antes de focar em Lara novamente, com uma intensidade que a faz prender a respiração. Há uma pitada de dor ali, que ela tenta disfarçar com a franqueza.

— Não há problema. É uma longa história. Foi um acordo que fiz com os meus pais. — Chloe não disse toda a verdade.

— Acordo? Os meus pais são mestres nisso. Especialmente a parte de te prender em acordos.

Um leve sorriso de escárnio surge nos lábios de Chloe, uma rara faísca de rebeldia em sua compostura.

— Sim. Com meu pai. Para eu conseguir um emprego na empresa dele. Precisei comparecer neste jantar.

— Ah, então eu sou parte do "pacote de emprego"? — Lara ri, mas há uma pontada de curiosidade genuína misturada à sua insolência. Porque Chloe tinha desviado do ponto central. A desistência da carreira como piloto. Mas Lara não iria insistir nesse tema.

Os olhos de Chloe se arregalam um pouco. Ela ficou um tanto desconcertada pela franqueza de Lara.

— Bem... de certa forma. Ele quer que eu "me estabilize" antes de me dar uma posição de maior confiança. Parece que os acionistas da empresa admiram uma boa família feliz.

— "Estabilizar". Entendi. Isso soa assustadoramente familiar. Meus pais usam quase a mesma palavra. Para eles, "sossegar" significa encontrar alguém, namorar sério, casar, ter filhos... tudo em uma linha reta e tediosa. Eu só quero me formar e focar na minha carreira. E eles não entendem que já sou adulta e sei das minhas decisões.

Lara se inclina ainda mais, com uma ideia se formando em sua mente. O sorriso em seu rosto se torna mais travesso, quase um convite. Ela não consegue conter a impulsividade.

— Sabe, Chloe, eu acho que nós temos um problema em comum. E talvez... uma solução.

A desconfiança da ex-piloto é palpável, seu olhar cauteloso analisa Lara.

— Uma solução?

— Sim. Eu preciso me livrar dessa pressão para "estabilizar" e você precisa de um emprego e de paz com seu pai. E ambos os problemas podem ser resolvidos com... um namoro.

Chloe a encara, inexpressiva por um momento, antes de suas sobrancelhas se erguerem em descrença. Há um suspiro quase imperceptível de exaustão em seu tom.

— Um namoro? Entre nós? Lara, isso é...

Lara abana a mão, como se fosse óbvio, seus olhos fixos nos de Chloe, um brilho de desafio e diversão.

— Não um namoro de verdade, Chloe. Um namoro falso. De fachada. Para acalmar nossos pais, para eles pararem de nos arranjar jantares chatos com estranhos que não se importam com a gente. Eu te ajudo com seu pai, você me ajuda com os meus. Uma parceria de conveniência.

Chloe a fita, visivelmente chocada. Ela balança a cabeça, um leve rubor subindo por suas bochechas. A ideia é absurda para ela, mas Lara continua persistente.

— Lara, isso é... é uma loucura. É arriscado. Meus pais iriam descobrir. Seria um desastre. Eu não posso. Não há como isso dar certo. — A voz baixa de Chloe era quase um sussurro.

— Não, não é loucura. Pense bem: eles já nos empurraram para um jantar. Se aparecermos juntas algumas vezes nas festas de família, nos almoços de domingo... eles vão acreditar que é um "namoro". Eles querem acreditar, Chloe. Eles estão desesperados para nos ver "estabilizadas". E, além disso, eu sou uma excelente namorada de fachada. Divertida, charmosa, sei improvisar e, o mais importante, sei guardar segredos. — Lara falou descontraída. Apesar de suas intenções serem verdadeiras, ela gostava da possibilidade de passar um tempo com a rainha do gelo. Era assim que Henrique se referia à irmã.

Chloe ainda parecia cética, mas Lara continuou, insistindo no benefício mútuo, enquanto na sua mente, ela pensava na oportunidade de conhecer Chloe de verdade, de desvendar a mulher por trás da rigidez e da indiferença.

— E eu não aguento mais a Dona Helena me perguntando por que eu não sigo o exemplo da Sophie. Eu só quero ter a liberdade de viver minha vida sem ser constantemente questionada. E você... você quer seu emprego na empresa, certo? Quer mostrar ao seu pai que você está "estável" e "focada" no futuro, sem ter que casar com o primeiro estranho que ele te empurrar. É um plano perfeito. E olha, o lado bom é que você vai poder passar mais tempo com alguém que é muito mais interessante que esses encontros chatos que seus pais devem estar te arranjando. —

Lara sorri, inclinando-se para a frente, seus olhos fixos nos de Chloe. Há um brilho de desafio e diversão no olhar de Lara, mas também um calor e uma promessa velada de compreensão e companheirismo que Chloe, apesar de sua rigidez e das dores passadas, não consegue ignorar. É um convite a uma aventura, e Chloe, a ex-piloto, por um breve momento, sente a familiaridade do risco. Ela não concordou de início, mas um namoro falso seria uma boa distração para os pais. Isso a deixaria em paz para focar no que era importante.

— Pense nisso, Chloe. Duas almas em busca de liberdade parental, unidas em uma farsa genial. O que você tem a perder? Além de jantares infinitos e monótonos, claro. E a chance de ter uma namorada que te faça rir... mesmo que seja de mentira.

Chloe a encara por um longo momento. Seus olhos azuis claros, que antes estavam tão tensos, agora mostram um lampejo de curiosidade e, talvez, até um pouco de intriga. Ela ainda parece hesitante, mas a semente da ideia de Lara, misturada com uma dose de sedução e honestidade disfarçada, foi plantada. O silêncio se estende, preenchido apenas pelo burburinho distante do restaurante, enquanto Chloe pondera o inusitado pedido. Para Lara, essa era a oportunidade perfeita para se aproximar de Chloe, a mulher que a ela teve um crush há alguns meses. Mas para a mais velha, o namoro desviaria atenção dos pais de coisas que ela não estava disposta a revelar. Com esse pensamento ela se decidiu. Aceitaria aquela loucura.

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