Capítulo 02

O escritório de Miguel Müller, no topo do imponente prédio da Müller Holdings em São Paulo, exalava ares de poder e tradição. O aroma de madeira e couro se misturava ao silêncio imponente que só grandes patrimônios podem comprar. Chloe sentou-se à frente da mesa do pai, a postura ereta, mas o coração pesado como uma âncora. Havia adiado aquele momento, mas não podia mais fugir da inevitabilidade.

Miguel, um homem imponente, de olhos penetrantes e com a autoridade de quem construiu um império, observava a filha. Havia uma curiosidade velada em seu olhar. Ele sabia que sua filha mais velha não era de marcar reuniões em sua empresa, mas Chloe não havia dado detalhes dos seus motivos.

— Bom dia, filha. Fico feliz que tenha vindo. Sua mãe e eu sentimos a sua falta. — Miguel alfinetou de leve a filha, como sempre. Chloe sabia que a sua ausência na vida dos pais os incomodava. Mas apesar da excelente condição financeira da família, ela queria conquistar a sua independência sozinha. E ainda tinha a aviação, que tomava boa parte do seu tempo. Foram anos de estudo e cursos. Depois de mais de dez anos de carreira, as coisas começaram a ruir.

— Bom dia. Vou ficar um tempo em casa. Estou fazendo algumas mudanças na minha vida. Posso encontrar a mamãe em outro momento e matar a saudade. — Chloe respirou fundo, as palavras presas na garganta por um instante. O adeus à sua verdadeira paixão doía mais do que ela imaginava. — Pai... eu preciso te dizer algo. Eu... eu decidi me afastar da aviação.

Um choque visível percorreu o rosto de Miguel. Seus olhos, antes inquisidores, arregalaram-se em pura incredulidade. Ele se recostou na cadeira, como se tentasse absorver a informação.

— Como assim, se afastar? Para sempre? Chloe, você lutou a vida inteira por essa carreira! Pilotar sempre foi a sua vida! O que aconteceu? Você está bem?

A última pergunta atingiu Chloe como um golpe. Ela desviou o olhar, incapaz de encarar o pai com a mentira.

— Estou bem , pai. É... é uma crise pessoal. Não sei se quero voar pelo resto da vida. Estava pensando, o senhor tem um emprego para mim aqui na empresa?

Miguel nunca pensou que ouviria esse tipo de proposta vinda de Chloe. Ele insistiu por ano para que ela trabalhasse na empresa da família, mas a filha só tinha olhos para a aviação. O pedido de Chloe se transformou na desculpa perfeita para que ele entrasse no assunto que sempre foi adiado por sua filha. relacionamento amoroso. Ele sabia que Chloe jamais trabalharia na empresa por vontade própria. Mas agora, a situação era diferente. O pedido da filha era a oportunidade perfeita para trazê-la para o mundo dos negócios da família e ainda incentivá-la a participar dos planos que ele e a mãe de Chloe tinham para ela naquela noite.

— Chloe, existem momentos em que ficamos confusos. É normal. Entendo que você precisa de uma estrutura, de um propósito, de um lugar seguro para se recuperar. E eu vejo uma oportunidade para você aqui. — Miguel disse, o tom mais suave, quase conspiratório. Você pode ter o cargo que quiser aqui na empresa. Mas há uma condição.

Chloe o fitou, desconfiada.

— Condição? Que condição? — O pai sempre insistiu para a filha trabalhar na empresa da família e agora estava impondo condições.

— Eu tenho um amigo, Luís. Lembra do meu antigo contador? O pai da Sophie e da Lara. Ele é um homem respeitável, e temos feito negócios há anos. A sua filha, Lara é uma médica, muito inteligente e bonita. Nossas famílias se conhecem há algum tempo, mas vocês duas nunca se viram, eu acho. Acontece que os pais de Lara também estão preocupados com ela, querem que ela se estabilize, encontre alguém sério. E eu concordo com eles que vocês formariam uma bela dupla. — Miguel fez uma pausa, o olhar fixo no de Chloe. A ex-piloto se lembrava de Lara no casamento de Sophie. A garota que fazia todos rirem. Ela era elétrica demais para o seu equilíbrio mental. Mas Chloe não daria aquela informação para o pai, ela só serviria para ele se iludir com a possibilidade de um relacionamento entre as duas. — Combinei um encontro para vocês duas. Um jantar hoje a noite. Se quiser uma vaga aqui na empresa, você precisa ir e dar uma chance para esse encontro.

Chloe sentiu o sangue gelar. Ela não precisava se envolver com ninguém, principalmente agora. Seu coração não estava disponível para aquelas futilidades.

— Um encontro arranjado? Pai, isso é um absurdo! Eu não tenho tempo nem disposição para encontros, muito menos para algo assim! Acabei de largar a minha carreira, estou no meio de uma crise, e o senhor quer que eu vá a um encontro? Não pode estar falando sério.

— Chloe, não seja dramática. É apenas um jantar. Eu já insisto nessa ideia há anos. Você tem 35 anos e ainda não está casada, não tem filhos, nem sequer namora. Pelo que entendi, precisa de um emprego para se reestruturar. É um pequeno favor em troca de uma grande ajuda. Um acordo, se quiser. — Miguel mantinha a calma, sabia que tinha a filha encurralada.

Chloe cerrou os punhos sob a mesa. A chantagem velada era evidente, mas ela precisava do emprego. Não suportaria ser sustentada pelos pais. Eles teriam ainda mais motivos para se meter na sua vida. E agora, ela precisava ficar no seu apartamento e resolver as suas coisas sozinha. Chloe se via sem o controle da situação, sem alternativas, voando no piloto automático. Aceitar esse encontro, por mais absurdo que parecesse, era o preço a pagar por um ganha pão temporário. Pelo menos até que ela estivesse pronta para voltar a pilotar.

— Está bem, pai. — Chloe cedeu a voz carregada de resignação. — Eu vou ao encontro.

Um sorriso satisfeito se abriu no rosto de Miguel.

— Ótimo. Tenho certeza de que vocês se darão bem. Antes que você descarte a possibilidade, iniciar uma relação séria, é muito bem vista pelos nossos acionistas. Eles são homens de família e prezam pela boa imagem.

— O acordo não foi esse. Um encontro pela vaga de emprego e não um namoro. — Chloe lembrou o pai.

— Certo, certo. Você tem razão. — Ele estendeu a mão sobre a mesa, convidando-a para um aperto. — Estamos de acordo?

Chloe apertou a mão do pai, sentindo o peso daquela decisão. Em sua mente, o encontro com Lara era apenas uma formalidade a ser cumprida. Não havia espaço para um romance na sua vida agora.

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