Na manhã seguinte, Gabriel acordou antes do despertador.
Era raro. Normalmente ele era do tipo que precisava de três sonecas e um café forte pra levantar. Mas naquela terça, a expectativa de reencontrar Anna Júlia fazia o tempo correr diferente.
Na aula de desenho técnico, ele prestou mais atenção do que o normal. As linhas pareciam fazer mais sentido. Ou talvez fosse o efeito colateral de alguém ter aceitado estudar com ele por livre e espontânea vontade.
Quando a aula terminou, ele guardou o material no tubo com cuidado incomum e foi direto para a biblioteca.
Ela já estava lá.
Sentada na mesma mesa de sempre, de costas para a janela, rabiscava algo no canto do caderno. Gabriel se aproximou devagar, parando ao lado dela.
— Tá desenhando prédios com cílios também? — ele disse, com um leve sorriso.
Anna levantou os olhos e riu sem olhar pra ele.
— Melhor. Tô tentando lembrar como se faz conta de multiplicação de matriz. Acho que minha alma de humanas tá entrando em crise.
Ele puxou a cadeira e sentou ao lado.
— Podemos revisar juntos. E depois você me salva em macroeconomia.
— Isso soa como uma troca justa. — ela respondeu, abrindo o caderno na página da teoria.
Por alguns minutos, os dois ficaram focados. O som das páginas virando e dos lápis riscando o papel era a única trilha.
Mas entre um exercício e outro, os olhares se encontravam. Rápidos, quase inocentes. Mas estavam lá.
Gabriel, de vez em quando, se pegava olhando de canto. Para a forma como ela mordia a tampa da caneta quando pensava, ou como franzia levemente a testa quando estava concentrada.
Anna, por sua vez, parecia notar. Mas não comentava. Só sorria discretamente, como se aquilo fosse o novo normal.
Depois de uma hora de estudo intenso, ela fechou o caderno com um suspiro.
— Acho que isso já é suficiente pra hoje.
— Concordo. Qualquer coisa além disso vira tortura.
— Agora só falta uma coisa.
— O quê?
Ela olhou pra ele, firme:
— Açaí. Eu prometi um tour, lembra?
Gabriel hesitou por um segundo. Não porque não queria ir. Mas porque ele começava a perceber o quanto aqueles momentos estavam importando.
E isso, pra alguém como ele, era novo.
Mas ao invés de recuar, ele pegou o tubo e respondeu:
— Bora. Só não me deixa pedir algo com leite condensado, senão eu nunca mais volto.
— Tarde demais. Você vai provar o "The Best Mix Supremo".
— Isso parece uma armadilha.
— É. Mas é a minha armadilha.
Os dois saíram lado a lado, atravessando o campus enquanto o sol começava a cair no horizonte. As sombras cresciam nas calçadas, mas entre eles, o brilho só aumentava.
Eles foram andando lado a lado, rindo baixinho. O sol já começava a descer no céu, pintando tudo com uma luz dourada. Gabriel carregava o tubo de desenho no ombro e olhava de vez em quando para Anna Júlia, tentando disfarçar. Ela estava com o cabelo preso de qualquer jeito num coque que ia se soltando aos poucos.
— Você sempre ri do nada assim? — ele perguntou, com um meio sorriso.
— Tava lembrando do dia que pedi esse açaí pra minha mãe. Ela perguntou se “The Best Mix Supremo” era um açaí ou um superpoder.
— Com esse nome, parece mais algo que explode na boca.
Chegaram no The Best Açaí, um lugarzinho colorido perto da Havan. Era simples, mas cheio de gente jovem, rindo, mexendo no celular, ouvindo música. Anna já foi direto para uma mesa livre.
— Aqui tá bom.
— Perfeito. — ele disse, sentando.
Ela pegou o cardápio e mostrou a opção mais exagerada com o dedo:
— É esse. “The Best Mix Supremo”. Confia.
— Isso aí parece uma sobremesa com superpoder mesmo.
— Confia em mim. Vai mudar sua vida.
Fizeram o pedido e ficaram um tempinho em silêncio. Mas não era um silêncio estranho. Era tranquilo, como se não precisassem falar
Gabriel ainda mexia o açaí com a colher, tentando equilibrar leite condensado e granola na mesma garfada sem derrubar nada. Anna Júlia observava, rindo.
— Você leva isso a sério demais. — disse ela, encostando o cotovelo na mesa.
— Tem que ter equilíbrio. Arquitetura me ensinou isso.
— Equilíbrio no açaí, realmente um conceito profundo — ela brincou, apoiando o queixo na mão. — E aí, como tão as aulas?
Gabriel pensou um pouco antes de responder.
— Cansativas. Tipo, tem dias que eu saio da aula com a cabeça latejando. Mas também… tem algo legal. Quando consigo fazer um desenho do jeito certo, sabe? Dá um orgulho meio bobo.
— Eu acho que não é bobo. Isso é você começando a amar o que faz.
Ele a olhou por um segundo, surpreso com a resposta. Era uma frase simples, mas bateu diferente.
— E você? Economia parece tão… seca.
— Não é tanto quanto parece. — ela respondeu. — Tem coisa chata, claro, mas quando eu começo a entender como tudo se conecta… tipo política, dinheiro, escolhas… parece que tô decifrando o mundo, sabe?
— Você fala disso com brilho nos olhos. — ele disse, quase sem pensar.
Anna deu um sorriso pequeno e desviou o olhar, levemente corada.
Antes que o silêncio ficasse longo, alguém se aproximou da mesa. Uma garota, com fones pendurados no pescoço, moletom largo da universidade e um copo de açaí na mão.
— Anna? — disse a recém-chegada.
Anna ergueu a cabeça, surpresa.
— Kevin? Nossa! Achei que você só tinha aula de manhã!
— Hoje trocou o horário. — Kevin olhou para Gabriel com curiosidade. — E aí, não vai me apresentar ele miga?
Anna Júlia riu, meio envergonhada.
— Claro! Kevin, esse é o Gabriel. A gente estuda junto... e meio que virou meu parceiro de estudos agora.
Gabriel deu um leve aceno, ajeitando os óculos.
— Oi. Prazer.
— Hm… parceiro de estudos, né? — Kevin disse com um sorrisinho curioso, puxando uma cadeira.
Anna revirou os olhos, divertida.
— Nem começa.
Kevin sentou, olhando de um pro outro como quem já tava ligando os pontos.
— Relaxa. Só vim tomar meu açaí e espiar o novo capítulo da novela.
Gabriel deu uma risadinha, meio tímido, mas estava mais solto do que antes. E Anna, mesmo com as provocações da amiga, parecia à vontade.
[Continua]
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Atualizado até capítulo 24
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