O sábado amanheceu preguiçoso, mas Gabriel não estava.
Depois do açaí com Anna Júlia, algo dentro dele parecia diferente. Não era como se ele tivesse se transformado de uma hora pra outra — mas havia uma leveza nova no peito. Um tipo de coragem silenciosa que vinha depois de ter sido bem recebido por alguém inesperado.
E por algum motivo, ele acordou querendo vê-la de novo.
Entre livros de arquitetura e uns rabiscos aleatórios no caderno, a mente dele escapava para o jeito que ela mexia no açaí, o riso fácil, e aquela frase que ela lançou como se fosse a coisa mais natural do mundo:
“Você sorri melhor quando não tá planejando tudo.”
Ele não parava de pensar nisso.
Quando o celular vibrou, ele se jogou no colchão para ver.
Anna Júlia
Ei, descobri um café perto do campus que tem pão de queijo do tamanho da minha cabeça. Vai encarar?
Ele riu. Pensou por dois segundos.
Gabriel
Se tiver lugar pra desenhar e falar besteira, tô dentro.
Anna Júlia
Melhor ainda. Tem tomada, Wi-Fi e uma moça no balcão que já me chamou de "querida" Muito diva. Vamos.
Dessa vez, ele nem pensou em hesitar.
O café era pequeno, com luz natural entrando pelas janelas grandes e mesas de madeira cheias de marcas e história. Gabriel chegou antes — por vontade própria. Escolheu uma mesa perto da parede, abriu o caderno e começou a rabiscar.
Alguns minutos depois, sentiu a presença dela se aproximando antes mesmo de olhar.
— Sabia que você vinha, mas tô surpresa que chegou antes. — disse Anna, colocando a bolsa na cadeira.
— Tô praticando o “pensar menos” que você recomendou.
Ela sorriu, tirando o casaco.
— E como tá indo?
— Tô aqui, né? Já é um avanço. — respondeu ele, sem tirar os olhos do caderno, mas com um meio sorriso confiante.
— Hm… olha só. Gabriel versão 2.0.
— Ainda em fase beta — ele riu — mas acho que menos bugado.
Ela se inclinou pra espiar o caderno.
— Você desenha rostos bem, hein. É só prática ou tem alguém que inspira?
Ele virou a página antes que ela visse o que ele não queria mostrar.
— Inspiração aparece às vezes. Tipo... do nada. Literalmente esbarra em você.
Ela arqueou a sobrancelha, divertida.
— Isso foi uma indireta?
— Foi. Mas do jeito mais educado possível.
Ela riu, pegou o cardápio e balançou a cabeça.
— Gostei. Pode continuar nesse modo aí. Gabriel beta é mais corajoso.
— Mas ainda com vergonha de fazer flerte de verdade.
— Tudo bem. Eu traduzo. — ela piscou. — E aí, vai querer o pão de queijo mutante?
— Só se você dividir. Vai que eu não dou conta.
— Já tá confiando demais, hein?
— Ou talvez eu só esteja tentando garantir que a gente fique na mesma mesa por mais tempo.
Ela ficou em silêncio por um segundo, observando ele com um olhar leve, quase como se estivesse tentando ler o que ele não dizia. Depois, sorriu.
— Tá. Fechado.
Eles fizeram o pedido. A conversa correu solta, cheia de pausas confortáveis e piadas discretas. Gabriel falava mais agora. Ainda não era o tipo extrovertido, mas suas palavras vinham com mais fluidez, menos freio.
Quando a tarde já começava a virar sombra no chão, ela apoiou o queixo na mão e perguntou:
— O que você acha que a gente tá fazendo?
— Comendo pão de queijo.
— Não. Tipo... a gente.
Ele parou por um instante. Respirou fundo. Olhou pra ela.
— Acho que a gente tá construindo alguma coisa. Ainda não sei o quê. Mas... gosto da base.
Ela riu baixinho.
— Isso foi muito “arquiteto”.
— E foi sincero também.
Ela assentiu. Depois, se levantou.
— Então, arquiteto, vamos continuar construindo. Próxima parada: livraria, ou vai correr?
Ele pegou o tubo de projetos, agora com mais segurança no gesto.
— Se tiver café, livros e você, eu não corro. Eu fico.
Anna Júlia sorriu. E, sem dizer mais nada, saiu andando. Ele a seguiu.
Talvez ele ainda tivesse medo. Mas naquele dia, ele escolheu ir mesmo assim.
...[Continua]...
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Atualizado até capítulo 24
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