A livraria era escondida, charmosa, daquelas que cheiram a papel antigo e café fresco. Ficava entre duas lojas esquecidas do centro, com uma plaquinha torta escrita à mão: “Página Virada”.
Gabriel nunca tinha reparado naquele lugar. Mas Anna Júlia já chegou sabendo onde pisava.
— Confia. Aqui tem livros usados por metade do preço e um sofá que provavelmente já ouviu várias declarações de amor e surtos acadêmicos.
— Espero não ter nenhum dos dois hoje. — disse ele, meio rindo, meio sério.
— Nunca se sabe. — ela respondeu, abrindo a porta com um empurrão suave.
Lá dentro, o silêncio era confortável. Uma música instrumental tocava baixinho. As estantes altas criavam pequenos corredores entre os livros, como se cada canto escondesse uma história prestes a ser descoberta.
— Eu gosto disso aqui. — disse Gabriel, passando os dedos na lombada de um livro de capa gasta.
— Tem cheiro de calma, né?
— E de poeira. Mas uma poeira boa.
Ela riu, apontando pro fundo.
— Vamos? Quero te mostrar um canto específico.
Ele a seguiu por entre as prateleiras, até chegarem a uma janela redonda, onde a luz batia de lado. Tinha um banco de madeira com almofadas desbotadas. Era como um esconderijo dentro do mundo.
Ela se sentou primeiro, puxando os joelhos pra perto.
— Sempre venho aqui quando preciso organizar minha cabeça. Ou bagunçar ela de vez.
— E hoje é qual?
— Os dois. Porque você tá aqui.
Ele se sentou ao lado, mais perto do que imaginava que teria coragem. E ficou em silêncio por alguns segundos, observando a luz na pele dela.
— Você me faz querer sair da minha zona segura. — disse ele, de repente, com a voz baixa.
Anna virou o rosto pra ele, surpresa, mas sem dizer nada. Apenas esperando.
— Tipo… eu sou o cara que pensa demais. Que planeja até o horário de ficar calado. Mas com você, eu… meio que esqueço de fazer isso.
Ela sorriu de leve, como quem entende mais do que mostra.
— Sabe por quê?
— Por quê?
— Porque quando a gente se sente seguro com alguém, a gente para de ensaiar tanto. A gente só... fala.
Ele olhou pra ela por um segundo mais longo. Não havia música ali que cobrisse o som do próprio coração acelerando.
— Tô falando demais? — ele perguntou.
— Não. Tá falando o suficiente. — ela respondeu, sem desviar o olhar.
Então, pegou um livro da estante ao lado, abriu em qualquer página, e colocou entre os dois.
— Aqui. A gente lê juntos. E se alguém falar mais do que o necessário... paga o próximo açaí.
— Injusto. Você vai me fazer perder só pra me ver de novo?
— Exatamente.
E ali ficaram: dividindo o silêncio, as palavras impressas e uma sintonia que nenhum dos dois sabia nomear. Ainda não era namoro, nem amizade comum — era algo no meio. Um tipo de acontecendo agora.
Ela encostou o ombro no dele, só por um segundo. Depois se afastou como se nada tivesse acontecido.
Mas para Gabriel, aconteceu.
Ele não disse nada — apenas sorriu de canto, continuando a observar o movimento do pátio, como se ainda estivesse preso na cena. Anna mexia no canudo do suco, distraída, como se aquele gesto tivesse sido natural, sem intenção.
— Seu professor também faz a gente querer fugir da faculdade? — ela perguntou de repente, quebrando o silêncio.
— O meu faz parecer que eu tô aprendendo latim e não arquitetura. — respondeu, com a voz tranquila.
— O meu fala “isso é básico” como se a gente tivesse nascido com a planilha pronta.
Ela se virou, os olhos verdes cheios de ironia.
— Tá difícil ser genial, né?
— Eu desisti. Agora quero só passar sem chorar.
Ela riu.
— Você não tem cara de quem chora.
— E você tem?
— Eu choro em silêncio. Muito mais dramático.
Eles ficaram ali por mais alguns minutos, observando as pessoas indo e vindo. A rotina da faculdade era caótica, mas aquele cantinho de sombra, com os dois dividindo o mesmo banco, parecia uma bolha fora do tempo.
Gabriel olhou de leve pra ela. A camisa dela estava amassada na manga e o coque já tinha alguns fios soltos. Ainda assim, havia uma beleza despreocupada em tudo nela.
E naquele momento, ele teve a coragem de perguntar:
— Você quer estudar comigo amanhã? Tipo... na biblioteca. Ou em algum lugar que não tenha tanto barulho.
Ela virou o rosto pra ele com um olhar curioso, como se não esperasse.
— Achei que você gostasse de silêncio.
— Gosto. Mas com você, até o barulho faz sentido.
Ela ficou quieta por um instante. Depois, sorriu, como se estivesse entendendo algo que nem ele sabia que estava dizendo.
— Tá. Amanhã, então. Mas só se você levar aquele caderno que você finge que não desenha ninguém.
Ele levantou as mãos, como se fosse inocente.
— Eu só desenho prédios.
— Claro. E todos os prédios têm cílios agora?
Gabriel riu, desviando o olhar.
— Amanhã, às duas?
— Combinado.
Ela se levantou e caminhou devagar, o suco na mão, o jeito leve, mas firme.
Gabriel ficou ali mais um pouco, olhando pro espaço que ela tinha deixado vazio no banco. O mundo do lado de fora voltava a rodar. Mas por dentro, ele já não estava mais no mesmo ponto que antes.
— Certo bora voltar aos estudos.
...[Continua]...
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Atualizado até capítulo 24
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