A aula acabou antes do previsto.
— Por hoje é isso, pessoal. Passem os esboços na prancheta e tragam segunda-feira. — disse o professor, já recolhendo o material da mesa.
Gabriel soltou um suspiro baixo e guardou o caderno. Os desenhos estavam meio tortos, e entre rascunhos de fachadas e planos de corte, lá estava de novo: o mesmo par de olhos verdes, escondido entre as linhas.
Ele sorriu de canto, quase sem perceber. Jogou a alça do tubo de projetos no ombro e saiu da sala, com o corpo indo, mas a cabeça meio longe.
No caminho, murmurou pra si:
— Só um açaí... só um açaí. É um encontro?. É só... conversa.
O céu estava começando a dourar. Aquela luz de fim de tarde parecia escolher cuidadosamente onde tocar — e, por alguma razão, deixava tudo mais bonito. Até a fachada preta do “The Best Açaí”, que normalmente parecia um pouco exagerada, agora parecia vibrar.
Gabriel atravessou a rua, olhou o relógio.
15h23. Três minutos de antecedência.
Entrou. A porta fez um “tilim” tímido.
Olhou em volta. Açaís coloridos nas mesas, um garçon distraído no balcão, e... ninguém ainda.
Foi até uma mesa no canto e se sentou. Pegou o celular, desbloqueou. Travou de novo.
Passou a mão no cabelo e respirou fundo.
Dois minutos depois, uma voz conhecida surgiu atrás dele:
— Cheguei no tempo certo ou você veio com meia hora de antecedência por nervosismo?
Ele olhou por cima do ombro. Anna Júlia.
Cacheada, sorriso fácil, com uma calça jeans e uma camisa que mostrava a barriga e uma expressão que parecia saber mais do que dizia.
— Eu? Nervoso? Não… isso aqui é... presença tática antecipada. Arquitetura exige planejamento, sabe? — tentou brincar, mas o tom saiu mais sério do que queria.
Ela puxou a cadeira, rindo.
— Entendi. “Presença tática antecipada”. Anotado.
— E você? Costuma se atrasar ou só chega no tempo certo quando quer causar impacto?
— Só chego quando sei que alguém tá esperando. — Ela respondeu, simples. E direto.
Gabriel arregalou os olhos levemente, sem saber o que fazer com aquela resposta.
— Uau... essa foi... — ele coçou a nuca. — Isso foi tipo... flerte ou...?
— Foi só verdade. Você que decide se quer ficar vermelho ou não.
Ele soltou um riso meio travado, meio encantado.
— Ok. Vou fingir maturidade.
— E eu vou fingir que não notei você escondendo um sorriso.
Ela olhou o cardápio colado na parede.
— E aí, o arquiteto vai pedir o que?
— O básico. Açaí, banana e... — olhou pra ela, hesitando — granola. Já que aparentemente isso define o destino de relacionamentos.
— Boa escolha. Isso já te coloca no top 10 dos humanos confiáveis.
Ele sorriu, aliviado, e fez o pedido. Enquanto esperavam, ficou girando a colher entre os dedos.
— Você parece tranquila sempre, né? Isso é de verdade ou você tá fingindo melhor que eu?
— Acho que... eu só gosto de ouvir mais do que falar. Mesmo que pareça o contrário às vezes.
— E você... — ela o encarou — tem um jeito calmo. Meio que parece que tá sempre desenhando tudo na cabeça antes de dizer.
Gabriel abaixou o olhar, com um sorriso pequeno.
— Talvez eu esteja mesmo. Ou talvez eu só esteja... tentando não estragar uma tarde que tá sendo melhor do que eu imaginava.
Anna Júlia sorriu. Um daqueles sorrisos que não pedem permissão pra acontecer.
— Fica tranquilo, arquiteto. Eu também to gostando
Anna Júlia misturava o açaí com calma, jogando mais leite em pó por cima.
— Confesso que não esperava que você realmente viesse. — disse, sem tirar os olhos do copo.
Gabriel ergueu uma sobrancelha, surpreso.
— Sério? Por quê?
— Você tem cara de quem pensa demais antes de agir. Achei que ia inventar uma desculpa de última hora… tipo um trabalho de maquete ou uma apresentação surpresa.
Ele riu, meio sem graça.
— Eu… quase fiz isso, na real. Fiquei parado na frente do prédio por uns bons minutos pensando se devia mesmo atravessar a rua.
— E por que atravessou?
Ele hesitou. Mexeu devagar com a colher, sem olhar diretamente pra ela.
— Porque... acho que teria me arrependido mais se não tivesse vindo.
Anna Júlia parou, olhou pra ele e sorriu de canto.
— Boa resposta. Parece sincera.
— Foi. — respondeu ele, e então, olhou pra ela — E você? Por que veio?
— Porque achei que você era diferente. — respondeu sem pausa — E porque... a forma como você pediu desculpa quando derrubou meu tubo de projetos foi genuína demais pra ignorar.
Gabriel desviou o olhar, tímido.
— Eu realmente achei que ia te matar do coração.
— Quase conseguiu. Mas compensou com o olhar de cachorro arrependido que fez depois.
Ela riu, e ele também, mais relaxado agora.
Um silêncio breve se instalou, não desconfortável, mas cheio de pequenas perguntas que ainda não tinham virado palavras.
Então Gabriel disse:
— Posso te perguntar uma coisa?
— Pode. Só não garanto que vou responder.
— Por que economia?
Ela pensou um pouco, olhando para a colher mergulhada no açaí.
— Porque eu queria entender o mundo. Pelo menos um pedaço dele. E... talvez aprender como não ficar perdida dentro dele. E você? Arquitetura?
Ele respirou fundo.
— Porque eu queria construir lugares onde as pessoas pudessem se sentir em casa. Mesmo que não fossem suas casas.
— Uau. — disse ela, genuinamente impressionada. — Isso foi bonito.
Ele deu um pequeno sorriso.
— Foi só verdade. Você que decide se quer ficar vermelha ou não.
Ela arregalou os olhos, surpresa, e depois soltou uma gargalhada.
— Tocou a minha frase de volta? Ponto pro arquiteto.
O tempo passou sem que eles percebessem. O sol começou a desaparecer do outro lado da rua. As luzes da cidade foram acendendo devagar, como se o universo estivesse com preguiça de dar fim ao encontro.
Quando se levantaram, Gabriel ajeitou o tubo de projetos no ombro.
— Obrigado pelo açaí. E pela conversa. Foi… inesperadamente leve.
— Leve, mas boa. — ela disse, caminhando ao lado dele. — Vai querer repetir?
Ele mordeu o lábio por um instante.
— Talvez… mas só se o convite vier com uma condição.
— Qual?
— Que da próxima vez, você derrube o meu tubo. Assim a gente empata.
Ela deu uma risada e estendeu a mão como se selasse um acordo invisível.
— Fechado.
E então, antes de ir embora, ela se virou:
— Ah! Gabriel…
— Hm?
— Tenta pensar menos da próxima vez. Você sorri melhor quando não tá planejando tudo.
Ele apenas assentiu, o coração mais leve do que quando chegou.
...[Continua]...
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Atualizado até capítulo 24
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