Capítulo 5 – Ecos no Tribunal e Sombras da Lealdade
A manhã em Milão nascera envolta em uma névoa leve, como se a cidade escondesse segredos que ainda não estavam prontos para serem revelados. O Fórum Central fervilhava com movimentações discretas: advogados, promotores e servidores se entreolhavam com curiosidade e receio. Uma tensão velada pairava no ar desde o julgamento da semana anterior — aquele em que Isadora Valente ousara enfrentar a sentença de Dante Morelli.
Dante, do alto de seu gabinete revestido em mogno escuro e cortinas espessas, observava a cidade com uma xícara de café na mão. As rugas discretas em sua testa denunciavam mais do que cansaço — refletiam um conflito silencioso. À sua frente, sobre a mesa, estavam documentos sigilosos de um novo caso: uma investigação envolvendo um consórcio empresarial ligado a antigos aliados da máfia. O problema era que esse consórcio ainda mantinha laços sutis com seu próprio império. Julgar o caso exigiria uma ginástica moral que poucos homens seriam capazes de sustentar.
Leonardo Battisti entrou no gabinete sem bater, como sempre fazia. Terno escuro, cabelo ligeiramente grisalho e o olhar de quem já vira mais mortes do que julgamentos. Ele era o tipo de homem que poucos notavam, mas ninguém esquecia após conhecê-lo. Era amigo de infância de Dante, crescido nas ruas de Palermo, moldado na dor e forjado na lealdade.
— Temos um problema — disse Leonardo, lançando um envelope pardo sobre a mesa. — A promotora Valente pediu nova perícia nos documentos do caso Morelli x Consórcio Vasari. E ela não está sozinha.
Dante ergueu uma sobrancelha.
— Não me diga que arrumaram reforço.
— Arrumaram. Uma investigadora nova. Discreta, eficiente, com fama de incorruptível. Trabalha com Isadora há poucos meses, mas dizem que tem instinto de cão farejador. Nome dela é Helena Duarte.
O nome ecoou no silêncio do gabinete. Dante se recostou na cadeira, cruzando os dedos diante do rosto.
— Duarte... brasileira?
— Metade brasileira, metade italiana. Estudou em Roma, trabalhou com crimes financeiros no Ministério Público de Florença. Tem contatos e fama de persistente. E o pior... tem algo nos olhos dela. Não é só inteligência. É perigo.
Do outro lado da cidade, no setor de investigação do Ministério Público, Helena organizava pastas sobre a mesa com a precisão de um cirurgião. Seus cabelos escuros estavam presos em um coque elegante, e os olhos atentos varriam os documentos como se decifrassem enigmas invisíveis. Ao seu lado, Isadora revisava uma cópia da decisão de Dante, sublinhando trechos em vermelho.
— Ele manipulou a linguagem jurídica como um artista — murmurou Isadora. — Parece tecnicamente impecável, mas entre as linhas há escolhas... convenientes demais.
Helena assentiu sem desviar os olhos do relatório.
— Esse consórcio é uma teia. E o juiz Morelli não erra por acaso. Ele sabe exatamente o que está fazendo. A questão é: para quem ele está jogando?
Isadora a olhou com respeito. Poucos ousavam colocar em palavras aquilo que ela própria pensava, mas hesitava em admitir. Desde sua infância marcada por abandono e fome, Isadora aprendera a confiar apenas naquilo que podia provar. E agora, pela primeira vez, sentia que talvez estivesse lidando com algo muito maior do que uma simples corrupção judicial.
Enquanto isso, Leonardo se encontrava em uma garagem escura nos arredores da cidade, supervisionando uma transação silenciosa. Carros de luxo, maletas pretas e homens com semblantes fechados. Era ele quem mantinha o lado sombrio de Dante funcionando como um relógio — lavagens de dinheiro, acordos silenciosos, silenciamento de testemunhas. Mas nunca por crueldade gratuita. Leonardo era eficiente, metódico e, acima de tudo, fiel.
De volta ao tribunal, Dante se preparava para uma reunião interna com os outros juízes. Os corredores estavam tomados por sussurros e olhares curiosos. Alguns já percebiam que havia algo de estranho no ar, mas ninguém ousava apontar o dedo para o homem que era, ao mesmo tempo, ícone de justiça e sombra do submundo.
Durante a reunião, Helena apareceu como observadora oficial — um movimento estratégico de Isadora para inserir sua aliada no coração do sistema. Helena permaneceu em silêncio quase o tempo todo, mas seu olhar fixo em Dante não passou despercebido.
Ao final, quando todos se dispersavam, ela se aproximou dele.
— Meritíssimo Morelli — disse, com um sorriso leve. — Sou Helena Duarte. Estou trabalhando com a promotora Valente.
Dante a estudou por um instante. Havia algo nela que o inquietava. Talvez o fato de que, pela primeira vez em anos, sentiu-se lido como se suas máscaras estivessem transparentes.
— Prazer, senhorita Duarte. Espero que encontre o que procura.
— Eu também — respondeu ela. — Mas saiba que, às vezes, a verdade gosta de se esconder em lugares improváveis.
Dante sorriu, mas por dentro, cada palavra dela era como uma pedra atirada em um lago calmo. Sabia que o jogo estava mudando. E que, agora, ele não era o único a mover as peças.
Naquela noite, Leonardo apareceu no apartamento de Dante com uma expressão séria.
— Precisamos agir. Essa investigadora pode abrir portas que estavam trancadas há anos. Quer que eu a afaste?
Dante hesitou. Pela primeira vez, não respondeu imediatamente.
— Não. Ainda não. Vamos observar. Quero entender do que ela é feita. E se for como dizem... talvez possamos usá-la a nosso favor.
O jogo estava em andamento. E as sombras que um dia protegeram Dante Morelli agora pareciam querer engoli-lo também.
Na manhã seguinte, Helena encontrou um envelope anônimo sobre sua mesa. Dentro, apenas uma frase escrita à mão:
"Nem toda justiça nasce da luz."
Ela olhou em volta, sentindo um arrepio na espinha. O tabuleiro estava armado. E ela sabia que, naquele tribunal, cada passo poderia ser fatal.
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Atualizado até capítulo 63
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