Capítulo Quatro – Códigos de Sangue
O som grave do motor ressoava pelas ruas sinuosas da zona norte de Milão enquanto o Maserati preto cortava a neblina do entardecer. O volante firme nas mãos, Enzo Mancini mantinha os olhos atentos ao trânsito, embora sua mente estivesse a quilômetros dali. Naquele fim de tarde, ele seguia para um dos refúgios secretos de Dante Morelli — uma casa discreta nos arredores da cidade, onde o Don se isolava para pensar longe dos olhos do centro judiciário. Enzo não precisava de convite. Naquele mundo, havia laços que iam além de títulos ou ordens: havia códigos de sangue.
Desde os treze anos, Enzo estava ao lado de Dante. Cresceram juntos nas vielas de Palermo, onde dividiram pão, surras e sonhos. Enquanto Dante usava a inteligência afiada para proteger os mais fracos, Enzo usava os punhos. Onde um falava, o outro lutava. E quando a guerra estourou nas ruas, ambos escolheram o mesmo caminho: proteger sua gente da crueldade dos poderosos, mesmo que isso significasse entrar no submundo.
A casa surgiu à vista, escondida entre árvores antigas. Sem cerimônia, Enzo estacionou e entrou. Encontrou Dante à frente da lareira acesa, segurando um copo de whisky e encarando as chamas como se esperasse respostas do fogo.
— Está frio demais para ficar calado — disse Enzo, jogando a jaqueta sobre uma cadeira.
Dante virou levemente o rosto, um sorriso discreto nos lábios.
— Pensei que demoraria mais. — Ele ofereceu um copo, que Enzo aceitou sem cerimônia.
— Os ratos estão se movendo depressa. Sofia está puxando os fios certos. E a Valente... está mais perto do que nunca.
Dante assentiu com a cabeça.
— Eu sei. Ela é perigosa. Mas há algo nela... que me impede de destruí-la.
— Talvez porque você não queira destruir tudo que ainda representa pureza. — Enzo bebeu um gole. — Ela te lembra quem você foi. Antes da toga. Antes da família.
O silêncio pairou por alguns segundos. Então, Dante soltou o copo na mesa de centro.
— Lembra de quando achávamos que a justiça vinha de livros? Que bastava estudar, vencer, e o mundo se endireitaria?
— Eu achava que você era louco por pensar assim — riu Enzo. — Mas depois vi que ser louco é continuar acreditando na justiça... mesmo dentro da lama.
Dante se levantou e caminhou até uma estante oculta. Pressionou um painel e revelou um cofre de metal. De lá, retirou um pequeno relicário dourado, gasto pelo tempo.
— O que é isso? — Enzo se aproximou.
Dante abriu o relicário. Dentro, uma foto antiga dos dois ainda meninos, rindo, com a mãe de Dante ao fundo.
— Prometi a ela que manteria você vivo. E que faria justiça com as próprias mãos. Esse foi o dia em que decidi nunca mais depender de ninguém para proteger quem amo.
— E cumpriu, irmão. Mas agora... quem vai te proteger de si mesmo?
A pergunta pairou como fumaça no ar. Dante não respondeu. Apenas voltou o olhar para o fogo.
***
Mais tarde, ainda em Milão, o submundo fervilhava. Nos salões escuros do Cassino Orione, líderes das famílias aliadas se reuniam. A reunião fora convocada por Enzo, a pedido de Dante. Era hora de selar alianças ou expor traições.
— A promotora Valente está farejando demais — disse Luca Vasari, um dos chefes da família napolitana. — Se ela cavar mais fundo, vai descobrir o que enterramos há vinte anos.
— Dante deveria calá-la — rosnou Alfredo Giacometti, com os olhos semicerrados. — Como fazia seu pai.
Enzo, sentado à cabeceira, ergueu a mão.
— Dante é juiz. O rosto da justiça. Se ele se manchar com sangue agora, perdemos nossa vantagem.
— E se ela já souber demais? — perguntou outro homem.
— Então vamos desviar a atenção. Temos outras cartas.
O clima ficou tenso. Foi nesse instante que Enzo revelou o plano: infiltrar um aliado no gabinete de Isadora. Alguém de confiança que ganhasse sua atenção. Alguém... que soubesse mentir bem.
— Vamos usar o próprio sistema contra ela — disse Enzo. — Ela quer justiça? Vai ter. Mas não como espera.
Enquanto isso, num apartamento simples no centro de Milão, Isadora passava os olhos pelos relatórios do roubo. Algo não batia. As imagens das câmeras não estavam completas, e havia divergências nas assinaturas dos arquivos de transcrição. Quando seu telefone tocou, ela esperava por uma nova intimação. Mas do outro lado, uma voz suave e bem modulada a surpreendeu.
— Boa noite, doutora Valente. Meu nome é Leonardo Greco. Sou advogado criminalista e estou interessado em colaborar com seu caso.
— Em colaborar?
— Vamos dizer que tenho informações que podem comprometer Dante Morelli... e um interesse pessoal em vê-lo cair.
Isadora hesitou. Seria um aliado... ou mais uma armadilha?
***
No dia seguinte, Enzo observava tudo de longe. De uma sacada no prédio vizinho, ele assistia Leonardo entrando no escritório de Isadora, como planejado. Ele sorriu. A primeira peça estava em jogo.
Mas o que Enzo não sabia — e que mudaria tudo — era que Leonardo não respondia a Dante. Nem a Enzo. E que sua verdadeira missão era ainda mais perigosa: derrubar a máfia por dentro. Custasse o que custasse.
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Atualizado até capítulo 63
Comments
Celia Teotônio
está cada vez melhor autora parabéns 👏👏👏
2025-06-21
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