Capítulo Três – Verdades Entre Linhas
O relógio marcava 6h47 da manhã quando Isadora Valente despertou com o som insistente do celular. Ela ainda estava deitada sobre uma pilha de pastas no sofá da sala, onde havia adormecido poucas horas antes. O cheiro de café frio impregnava o ambiente, misturado ao aroma leve de alfazema do seu travesseiro improvisado. A noite anterior fora exaustiva — revisando depoimentos, investigando documentos duvidosos e, principalmente, remoendo o olhar de Dante Morelli, que ainda a assombrava.
Ela deslizou o dedo pelo visor do celular.
— Alô? — murmurou com a voz rouca de sono.
— Promotora, aqui é o detetive Ruan. Tivemos um incidente no depósito de provas do caso Varela. A senhora precisa vir até aqui. Agora.
Isadora sentou-se imediatamente, os sentidos aguçados.
— Estou a caminho.
Ela trocou de roupa rapidamente, prendeu o cabelo num coque apertado e saiu com os sapatos ainda nas mãos. O dia mal começara e já havia sangue no ar.
***
O depósito da polícia estava cercado por viaturas e policiais armados. Isadora se apresentou, mostrando o crachá, e foi conduzida ao interior do prédio. O cheiro metálico era inconfundível. Ao lado de uma porta escancarada, o corpo do agente Jorge Salles estava caído, com um tiro preciso na têmpora. Ao fundo, estantes de metal haviam sido reviradas, e várias caixas estavam vazias.
— O que foi levado? — ela perguntou ao detetive Ruan.
— Apenas uma caixa. A que continha os registros bancários do empresário Arlindo Varela, o principal réu do processo em que a senhora está atuando.
Isadora engoliu em seco. Aquilo não era coincidência.
— Isso está ligado ao juiz Morelli? — Ruan perguntou.
Ela hesitou por um segundo, mas respondeu:
— Ainda não posso afirmar nada. Mas tenho motivos para crer que estamos apenas arranhando a superfície.
***
Enquanto isso, no alto do edifício onde funcionava o Fórum Federal, Dante Morelli revisava relatórios na penumbra do seu gabinete. O telefone vibrava em silêncio. Ele atendeu sem olhar o visor.
— Fale.
— Temos um problema. A promotora Valente está mais perto do que imaginávamos. — Era a voz de Enzo, sempre eficiente.
— Ela viu o dossiê?
— Ainda não. Mas descobriu o roubo no depósito.
Dante suspirou. O jogo avançava mais rápido do que esperava.
— E a doutora Sofia Almeida?
— Pediu para vê-lo. Disse que tem novas informações.
— Traga-a.
Minutos depois, Sofia entrou no gabinete com a elegância de sempre. Tinha um leve sorriso no rosto e um tablet nas mãos.
— Meritíssimo, lamento incomodar tão cedo, mas creio que o senhor vai querer ver isso.
Ela passou o dispositivo a ele. Nele havia imagens de câmeras de segurança que mostravam Enzo entrando no depósito horas antes do crime.
— Isso foi entregue anonimamente na minha caixa de mensagens. Se vazar, o senhor está acabado.
Dante olhou para ela por um longo instante. Sofia, com sua frieza impecável, não era apenas uma peça. Era uma ameaça.
— O que você quer?
— Que retire Isadora Valente do caso. Que a afaste, formalmente. Está se tornando perigosa demais.
— Ela é perigosa porque tem razão. — Dante cruzou os braços. — Mas isso a torna valiosa.
— Não para mim. — Sofia se levantou. — Pense bem, Dante. A linha entre a lealdade e a traição é mais tênue do que parece.
Quando ela saiu, Enzo reapareceu, o rosto carregado.
— Você sabe que ela está armando algo grande.
— Todos estão, Enzo. — Dante girou lentamente o anel no dedo. — Mas ninguém joga melhor que eu.
***
Do outro lado da cidade, Isadora caminhava apressada pelos corredores do Fórum. Ela estava decidida a confrontar Sofia. Sabia que a advogada não era apenas uma articuladora política — era um dos tentáculos do sistema que corrompia a justiça de dentro para fora.
Elas se encontraram na cafeteria do prédio, cercadas por olhares discretos.
— Doutora Almeida — Isadora começou com um sorriso gélido —, gostaria de conversar sobre a segurança do nosso sistema judicial.
Sofia sorriu de volta, elegante como uma víbora.
— Sempre um prazer falar de justiça, promotora. Principalmente com quem ainda acredita nela.
— O que você fez no depósito de provas?
Sofia não se abalou.
— Está me acusando, Valente?
— Estou sugerindo. E posso provar.
— Boa sorte com isso. — Sofia se levantou. — Mas se eu fosse você, tomaria cuidado. O juiz Morelli não é o único com conexões perigosas.
***
Mais tarde, naquela noite, Dante encontrou Isadora no estacionamento subterrâneo. Ela já o esperava, braços cruzados, postura firme.
— Você sabia do roubo? — ela disparou.
— Sabia que algo aconteceria. Mas não autorizei.
— Isso te absolve?
— Não. Mas me define.
— O que você quer de verdade, Dante?
Ele a olhou com seriedade.
— Paz. Mas para isso, às vezes, precisamos de guerra.
Isadora deu um passo à frente, o rosto a poucos centímetros do dele.
— Se está jogando comigo, Morelli, vai se arrepender.
— Não estou jogando, Isadora. Estou tentando protegê-la.
— De quem? De você mesmo?
O silêncio entre eles era denso, carregado de verdades não ditas.
— De todos os monstros que você ainda não conheceu. — ele murmurou.
Isadora recuou, ainda de olhos fixos nele.
— Eu não fujo de monstros. Eu os enfrento. Um por um.
E desapareceu nas sombras, deixando Dante mais sozinho do que nunca.
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Atualizado até capítulo 63
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