Notas de Cacau e Paixões
O céu naquela tarde de primavera parecia pintado à mão, em tons suaves de lilás, dourado e rosa queimado, como se o mundo se preparasse para receber uma nova vida. A brisa leve dançava entre as cortinas brancas da casa de campo, que se agitavam como véus em celebração. Dentro daquela casa, tudo transbordava amor.
No centro da sala, sentada com um vestido longo de algodão branco que se moldava ao ventre já tão redondo, estava Elisa, a mãe de Aurora. Seus cabelos loiros escuros caiam em ondas soltas sobre os ombros, como fios de cobre aquecidos pelo sol. Seus olhos verdes, grandes e tranquilos, observavam o jardim pela janela enquanto os dedos acariciavam suavemente a barriga, num gesto cheio de ternura.
Elisa estava na última semana de gestação, e apesar do peso da barriga e da ansiedade, seu semblante era o de alguém que sabia que a vida estava prestes a lhe entregar um milagre. Um leve sorriso repousava em seus lábios.
— Ela está chutando outra vez — disse, rindo, enquanto olhava para o marido ao seu lado.
Henrique, o pai de Aurora, era um homem de traços fortes, pele morena clara e cabelos castanhos desgrenhados, com algumas mechas prateadas nas têmporas que lhe davam um charme calmo e vivido. Ele vestia uma camisa de linho azul-claro, com as mangas dobradas até os cotovelos, e uma calça de sarja bege. Seu olhar apaixonado não desgrudava de Elisa. Ajoelhado diante dela, ele pousou os lábios sobre a barriga, murmurando com a voz rouca e doce:
— Papai está aqui, meu amorzinho. Você já é a luz da nossa vida.
Do outro lado da sala, em cima do tapete florido, uma menininha de cabelos castanho-claros presos em duas trancinhas brincava com blocos coloridos de madeira. Seu vestido amarelo de babados refletia o sol da tarde, e seus olhos castanhos brilhavam como duas jabuticabas maduras. Ela era Lívia, filha do primeiro relacionamento de Henrique. Sua ex noiva o abandonou dias antes do casamento e fruto desse relacionamento antigo veio Lívia. A mãe se mudou para outro país e Henrique ficou com a guarda total da menina.
Lívia se levantou correndo e foi até Elisa, abraçando a barriga com o cuidado de quem já entendia que ali dentro havia algo sagrado.
— Mamãe Elisa, a Aurora vai nascer com cheirinho de flor?
Elisa riu com a pureza daquela pergunta.
— Vai, meu amor. Vai ter cheiro de flor, de bolo no forno, de abraço apertado... Vai cheirar a casa cheia.
Henrique puxou Lívia para o colo e, com ela nos braços e uma das mãos entrelaçadas à de Elisa, disse:
— Essa é a nossa família. Nada poderia me fazer mais feliz do que isso.
O relógio de parede marcava cinco horas. Um cheiro doce de bolo de fubá recém assado tomava conta da casa, vindo da cozinha onde Elisa havia colocado a receita no forno mais cedo, apesar do barrigão. Os móveis de madeira clara, os quadros com flores campestres e os vasos de lavanda nas janelas deixavam tudo com um ar de lar. O som distante de um passarinho cantando se misturava às risadas leves e às histórias inventadas por Lívia.
Ali, naquele instante congelado no tempo, havia só amor — puro, completo, caloroso.
E antes mesmo de Aurora nascer, ela já era rodeada por tudo que a vida tem de mais bonito.
Henrique levantou-se com Lívia no colo e olhou para Elisa com aquele brilho nos olhos que só quem ama de verdade carrega.
— Vamos à cozinha, minhas meninas? O cheirinho de bolo está nos chamando.
Elisa assentiu com um leve movimento da cabeça, apoiando-se no sofá para se levantar. Henrique estendeu a mão prontamente, segurando-a com delicadeza. Ela caminhou devagar, os pés descalços tocando o chão de madeira morna, e o vestido branco flutuando atrás dela como nuvem.
A cozinha era o coração da casa: ampla, com janelas grandes que deixavam o sol entrar generoso. A mesa de madeira maciça já estava posta com uma toalha de linho bege bordada com margaridas amarelas. Sobre ela, uma travessa fumegante com bolo de fubá salpicado com erva-doce, um prato com pães caseiros, manteiga fresca em um potinho de cerâmica azul, queijo branco, geleia de morango feita por Elisa e um bule de chá de camomila perfumando o ar.
Henrique colocou Lívia sentada em uma das cadeirinhas altas, com uma almofada floral para dar altura. Elisa sentou-se de frente para a afilhada, acariciando a barriga com uma mão e servindo chá com a outra.
— Papai, posso pôr a geleia no meu pão sozinha? — perguntou Lívia, erguendo os olhinhos, já com um pingo de geleia no queixo.
— Claro que pode — disse Henrique, rindo. — Mas olha o desastre, mocinha!
Elisa gargalhou, aquele riso leve que parecia música. A alegria naquela casa era silenciosa, sem exageros, mas pulsava viva em cada gesto, em cada palavra. Henrique cortou uma fatia generosa do bolo e colocou no prato de Elisa.
— Você precisa comer direitinho. A nossa princesa está quase chegando.
— Com esse cuidado todo, até me dá vontade de engravidar de novo — brincou Elisa, fazendo Henrique rir alto.
— Melhor esperarmos Aurora nascer primeiro, né? Um de cada vez.
Lívia cantarolava baixinho uma música inventada, balançando as perninhas sob a cadeira, e de vez em quando olhava para a barriga de Elisa e falava com ela como se já conhecesse a irmã:
— Aurora, quando você nascer, eu vou te ensinar a pintar com guache e a fazer castelo de almofada.
Elisa e Henrique se entreolharam, comovidos. Aquele momento, tão simples e tão cheio de beleza, parecia saído de um sonho.
Aurora ainda não havia nascido, mas sua presença já unia aquela família com laços invisíveis de ternura. E naquele café da tarde, entre risadas, farelos de bolo e promessas doces, nascia também uma nova fase — repleta de esperança, de aconchego, e de um amor que não cabia mais só em três corações.
O sol já havia se escondido atrás das colinas quando o café da tarde terminou. A luz dourada da casa agora vinha das luminárias de vidro âmbar espalhadas pelos cômodos, lançando sombras suaves nas paredes, como braços que abraçavam o lar. O som da chaleira ainda borbulhava baixo, e o aroma de bolo persistia, misturado ao perfume de lavanda vindo das janelas abertas.
Lívia, com o rostinho lambuzado de geleia e o cabelo já um pouco bagunçado, estava sentada sobre o tapete da sala com um livrinho de histórias aberto no colo. Elisa, agora com um robe macio cor de creme sobre o vestido, acariciava os cabelos da menina enquanto Henrique guardava os últimos pratos na cozinha, cantarolando baixinho.
Era o tipo de noite tranquila que parece selada por um anjo.
De repente, Elisa sentiu uma pressão diferente no ventre. Não era como os chutinhos ou os apertos que já haviam se tornado rotina. Era um peso mais denso, que se espalhava como uma onda quente.
Ela franziu o cenho, discretamente. Não queria preocupar ninguém.
Minutos depois, outra onda — mais forte. Ela expirou fundo, tentando manter a calma.
— Mamãe Elisa? — chamou Lívia, notando o silêncio repentino — Tá tudo bem?
Elisa sorriu, mas havia algo diferente em seus olhos agora. Henrique entrou na sala, enxugando as mãos no pano de prato, e imediatamente percebeu.
— Amor? Está sentindo alguma coisa?
Elisa assentiu, com um leve aceno de cabeça, e então falou com doçura e serenidade, mas também com firmeza:
— Acho que a Aurora quer vir ver as estrelas com a gente.
Henrique se aproximou em um segundo, ajoelhando-se diante dela, segurando suas mãos. O coração batia acelerado, mas ele manteve a voz baixa, firme e carinhosa:
— Já está vindo? Agora?
— Ainda não... mas está começando. São contrações leves, mas regulares.
Lívia os observava com os olhos arregalados, curiosa e encantada.
— A Aurora vai nascer hoje?
— Talvez, meu amor — respondeu Elisa, beijando a testa da menina. — Mas não se preocupe. Papai vai cuidar de tudo, e a vovó já deve estar chegando.
Henrique pegou o celular do bolso e, com mãos firmes, ligou para a mãe, que já estava de prontidão desde o início da semana.
Enquanto isso, Elisa se levantava com cuidado, segurando no braço do marido. Apesar da dor suave, havia um brilho sereno em seu rosto. Ela olhou ao redor da casa, aquele lar tão repleto de carinho, e sussurrou:
— Que bom que foi aqui que tudo começou... A nossa história.
Henrique a abraçou por trás, pousando as mãos sobre sua barriga, sentindo o movimento leve de Aurora, como se a menina respondesse ao chamado da noite.
Do lado de fora, o céu estrelava-se lentamente, e uma brisa fresca entrou pela janela, balançando as cortinas como se anunciassem uma nova vida.
Naquela noite, a casa não dormiria — mas seria iluminada por algo ainda mais poderoso do que as estrelas: o amor prestes a se multiplicar.
As contrações vinham em intervalos cada vez mais curtos. Elisa agora sentia pequenas ondas de dor que a faziam inclinar o corpo para frente, apoiando as mãos no encosto do sofá enquanto respirava com calma.
Henrique já havia colocado a mala maternidade ao lado da porta e verificava o relógio de minuto em minuto. Apesar do nervosismo evidente em seus olhos, ele mantinha a postura firme, atento a cada detalhe, tentando passar segurança.
Lívia, sentada no degrau da escada com seu ursinho no colo, olhava a cena com olhos arregalados, compreendendo que algo importante estava prestes a acontecer, mas sem medo — havia uma curiosidade serena, misturada com a ansiedade típica de criança.
Foi quando o som familiar do portão elétrico se abriu, cortando o silêncio da noite. O farol do carro atravessou o jardim e logo estacionou. Henrique abriu a porta e correu até a entrada da casa.
Do carro desceu Dona Marta, sua mãe — uma senhora enérgica, de cabelos curtos prateados, com óculos retangulares e um blazer leve sobre um vestido floral de tons lilás e verde. Apesar da elegância natural, ela vinha apressada, com o rosto iluminado pela expectativa e o coração disparado.
— Como está ela? Já começou? — perguntou, abraçando o filho rapidamente, sem nem esperar resposta, enquanto olhava para dentro da casa com os olhos aflitos.
— Está começando sim, mãe. As contrações estão mais próximas. — respondeu Henrique, guiando-a para dentro.
Assim que viu a nora, Marta se aproximou com cuidado, o sorriso grande contrastando com a preocupação evidente.
— Elisa, meu amor... está tudo bem? — disse, tocando de leve no braço da nora.
Elisa, entre uma contração e outra, abriu um sorriso sincero e respondeu com gentileza:
— Está tudo bem, dona Marta. Só um pouco... intenso. Mas está vindo. A Aurora está a caminho.
— Que alegria, minha nossa Senhora! — disse Marta, levando a mão ao peito. — Mal posso esperar para segurar essa bebezinha. Mas agora, vão! Vão com calma, e deixem a Lívia comigo. A casa está em boas mãos.
Lívia desceu correndo os degraus e se jogou nos braços da avó.
— Vovó Marta! A Aurora vai nascer!
— Vai sim, minha boneca! E nós duas vamos preparar tudo aqui pra quando ela chegar, tá bom?
Henrique voltou rapidamente, pegando a bolsa maternidade e ajudando Elisa com o casaco. Ela agora usava um vestido leve azul claro com detalhes rendados no colo e um casaquinho de lã fina por cima. Os cabelos estavam presos em uma trança baixa, mas alguns fios soltos moldavam o rosto — que apesar das dores, ainda irradiava suavidade e força.
Henrique segurou a mão da esposa, apertando com delicadeza.
— Pronta, meu amor?
Ela assentiu, mesmo ofegante.
— Mais do que nunca.
Antes de sair, Elisa abaixou-se devagar e deu um beijo demorado na testa de Lívia.
— Mamãe Elisa te ama muito. E logo, logo, você vai conhecer sua irmã.
Lívia sorriu com os olhos brilhando.
— Vou contar uma história pra ela quando ela chegar.
Henrique e Elisa atravessaram a noite de mãos dadas até o carro. No retrovisor, podiam ver a silhueta de Dona Marta na varanda, com Lívia ao lado, acenando e sorrindo sob a luz amarelada.
No carro, Henrique ligou o motor, mas antes de sair, olhou para Elisa e disse, com a voz embargada pela emoção:
— A próxima vez que voltarmos pra casa... vamos ser quatro.
E Elisa, com os olhos marejados, respondeu com um sorriso cheio de amor:
— A nossa família está crescendo. E está tudo exatamente como deveria ser.
A noite os envolveu enquanto o carro se afastava pela estrada. O céu estrelava-se em silêncio, como se o universo inteiro estivesse à espera da chegada de Aurora.
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Atualizado até capítulo 21
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