Quando o Amor Nasce

A cidade dormia em silêncio quando o carro de Henrique cruzou as avenidas em direção à maternidade. As luzes dos postes desenhavam trilhas douradas na estrada, e o som do motor misturava-se ao das respirações de Elisa, cada vez mais ritmadas e profundas.

Ela estava no banco do passageiro, com uma das mãos apoiada sobre a barriga, que se contraía com firmeza em ondas. A outra mão permanecia entrelaçada à de Henrique, que dirigia com atenção, lançando olhares constantes e carinhosos.

— Está indo tudo bem? — perguntou ele, com a voz calma, mas o coração disparado.

— Está sim... — respondeu Elisa, entre uma contração e outra. — Ela está quase aqui, Henrique. Eu sinto.

Ele apertou a mão dela com mais força. Por mais preparado que estivesse, nada o havia ensinado a conter aquela avalanche de emoções. A mulher que amava estava prestes a trazer ao mundo a filha dos dois, e isso o fazia se sentir pequeno e grandioso ao mesmo tempo.

Ao chegarem à maternidade, uma equipe os recebeu com prontidão. Era um hospital moderno, mas com um clima acolhedor. As paredes em tons claros, as luzes amareladas e a música instrumental suave ao fundo criavam um ambiente tranquilo, quase sagrado.

Elisa foi levada para o setor de pré-parto, já com 6 centímetros de dilatação. Henrique permaneceu ao lado dela o tempo todo, vestindo o avental azul e as toucas descartáveis. Ele estava um pouco desajeitado, mas completamente entregue àquele momento.

— Você está indo muito bem — sussurrava ele, entre beijos suaves em sua testa e carícias em sua mão.

Elisa, mesmo entre as dores, mantinha aquele olhar doce e determinado, o rosto levemente úmido de suor, os lábios entreabertos em respirações compassadas.

A enfermeira sorria para os dois, admirada com a sintonia entre o casal.

— Vocês parecem tão conectados. Vai ser um parto lindo.

Henrique olhou para a esposa com ternura.

— A gente esperou por ela com tanto amor… e ela escolheu vir assim, na calma da noite.

Quando a dilatação alcançou os 9 centímetros, Elisa foi levada à sala de parto. Henrique seguiu junto, o coração acelerado e os olhos úmidos. O ambiente era iluminado, mas suave — havia ali mais do que luz: havia magia.

E então, chegou o momento.

Elisa fechou os olhos, tomou fôlego, e com toda a força do seu corpo e da sua alma, trouxe Aurora ao mundo. Um choro forte e puro ecoou pela sala, invadindo o peito de todos com uma emoção difícil de explicar.

Henrique chorava sem conter, com as mãos sobre o rosto, ajoelhado ao lado de Elisa. Ela, exausta e emocionada, abriu os olhos com um sorriso frágil, enquanto a pequena Aurora era colocada sobre seu peito.

A menina era rosada, cheia de vida, com os olhinhos ainda semicerrados e as mãozinhas espalmadas, como se abraçasse o mundo.

— Bem-vinda, minha filha... — sussurrou Elisa, com lágrimas nos olhos. — Você chegou.

Henrique a envolveu com o corpo, beijando ambas — a mulher da sua vida e a filha que acabava de nascer.

E naquela sala, sob a luz suave e o som do primeiro choro, nasceu mais do que uma criança: nasceu uma nova família.

Aurora repousava sobre o peito de Elisa, ainda envolta na delicada manta branca com detalhes cor-de-rosa, os olhinhos fechados, o corpo entregue ao calor e ao aconchego do primeiro colo da vida. Henrique estava ajoelhado ao lado da cama, segurando a mão da esposa e olhando para as duas como se contemplasse o próprio milagre.

— Ela é perfeita… — sussurrou ele, os olhos marejados. — Você foi incrível, Elisa. Eu te amo tanto.

Elisa sorriu, exausta, mas plena.

— Eu também te amo… Ela é tudo o que a gente sonhou.

A equipe médica organizava os instrumentos com tranquilidade. O ambiente tinha cheiro de vitória, de alívio, de nova vida. Mas então, num instante sutil, quase imperceptível, a expressão da enfermeira que monitorava os sinais de Elisa mudou.

— Doutora… — chamou em voz baixa, mas urgente. — Está começando um sangramento anormal.

Henrique levantou o rosto, tentando entender.

— O que foi? Está tudo bem?

A médica, ainda calma, aproximou-se de Elisa e analisou rapidamente a situação. Elisa, que há poucos segundos sorria, agora franzia levemente o cenho.

— Estou... com um pouco de tontura. — disse ela, a voz baixa.

Henrique se levantou num impulso.

— Elisa?

O monitor cardíaco apitou com um leve aumento. O sangramento, antes discreto, começou a se intensificar.

— Estabilizem o sangramento. Hemorragia uterina — disse a médica, com firmeza, enquanto a enfermeira já acionava o suporte emergencial.

Henrique sentiu o estômago afundar. A palavra “hemorragia” parecia não caber ali, naquele momento tão delicado e sagrado. Mas ela veio como um soco, quebrando a doçura da cena com uma urgência cruel.

— Henrique… — murmurou Elisa, tentando manter os olhos abertos. — Cuida da nossa filha…

— Ei, ei, não fala assim. Você vai ficar bem. Tá me ouvindo? — disse ele, segurando seu rosto com as mãos trêmulas. — Olha para mim, amor. Fica comigo!

As enfermeiras pegaram Aurora com cuidado, levando a recém-nascida para a área de cuidados neonatais, enquanto o ambiente da sala de parto se transformava numa correria silenciosa, técnica e grave a enfermeira pede que Henrique saia da sala.

Henrique recuou alguns passos, o coração aos pulos. O mundo girava ao seu redor, mas ele só conseguia olhar para Elisa, que estava mais pálida, ainda tentando sorrir para ele entre uma piscada lenta e outra, enquanto e é empurrado para fora da sala.

— Vai... dar tudo certo — ela sussurrou, antes de ser envolvida pelas mãos experientes da equipe, que a preparava às pressas para a sala de cirurgia.

Henrique ficou parado, como se os pés tivessem grudado no chão. O choro de Aurora, ao fundo, o partia em dois. Queria correr até a filha, mas não conseguia se afastar da mulher que agora era sua vida inteira.

Antes de a levarem, ele se aproximou do ouvido dela e disse:

— Você é forte, Elisa. Você vai voltar. Eu prometo que a gente ainda vai ver o primeiro sorriso dela juntos. Fica comigo…

Mas Elisa já estava sendo levada para o centro cirúrgico. A porta se fechou diante dos olhos de Henrique com um som seco, deixando-o sozinho no corredor, com as mãos tremendo, os olhos fixos, e o coração — agora — numa prece muda.

O nascimento de Aurora fora o momento mais bonito da vida deles.

E agora, a vida… balançava entre o amor e a fragilidade.

Enquanto Aurora era levada para os primeiros cuidados neonatais, Henrique foi convidado a acompanhá-la, como é de costume. Na salinha aquecida, assistiu ao primeiro banho, ao exame do pezinho, à verificação dos reflexos, do peso, da cor… Tudo nela parecia perfeito. Os olhinhos entreabertos, o nariz delicado, os pés miúdos.

Henrique sorria, emocionado, murmurando:

— Oi, filha... Eu sou seu pai. Que sorte a minha...

Ele registrava tudo com o celular, com aquele misto de orgulho e ternura.

Mesmo morrendo de preocupação com Elisa, ele sabia que Aurora também precisava dele ali. A enfermeira pediu que Henrique se sentasse ali próximo a filha pois ela iria para a aquecedora

O relógio da parede parecia zombar de Henrique, marcando os minutos com uma lentidão cruel. Ele estava sentado sozinho na sala de espera, as mãos entrelaçadas, os cotovelos nos joelhos, o corpo inclinado para frente. Mas sua mente… essa estava presa na porta branca do centro cirúrgico.

As palavras da médica ecoavam sem parar: hemorragia uterina… sangramento persistente… estamos fazendo o possível.

Ele havia visto a alegria escapar por entre os dedos como areia. Ainda sentia o perfume doce do cabelo de Elisa, ainda ouvia o primeiro choro de Aurora. Mas agora, só havia silêncio. E o medo. Um medo paralisante, feroz.

Ele levou as mãos ao rosto, respirou fundo. Precisava ser forte. Por Elisa. Por Aurora. Por Lívia, que logo estaria ali.

Como se invocada pelo pensamento, a porta da recepção se abriu, e Dona Marta entrou com Lívia pela mão.

— Henrique! — chamou ela, sorrindo. — Como estão elas? Está tudo bem? Chegamos assim que deu, peguei a estrada com o coração na mão!

Lívia soltou-se da avó e correu até o pai, os cabelos castanho-claros balançando, o vestido lilás florido esvoaçando com cada passinho apressado.

— Papai! A Aurora nasceu? Cadê a mamãe?

Henrique se abaixou, engolindo em seco. Abraçou Lívia com força, como se aquele abraço pudesse sustentá-lo por dentro.

— Ela nasceu, minha princesa… nasceu linda, cheia de saúde. Mas a mamãe… a mamãe tá sendo cuidada pelos médicos agora.

Dona Marta se aproximou, deixando a bolsa no sofá.

— O que houve, Henrique? Você está branco…

Ele se levantou devagar. Respirou fundo e falou, num tom baixo, tentando não alarmar a neta.

— A Elisa teve uma hemorragia depois do parto. Estão tentando controlar o sangramento. Levaram ela pra cirurgia.

O sorriso de Dona Marta apagou-se no mesmo instante. Um silêncio pesado tomou o ambiente. Ela levou uma das mãos à boca, os olhos arregalados.

— Meu Deus… minha menina…

Henrique desviou o olhar, sentindo o peito apertar.

Lívia olhava para um e para outro, confusa.

— A mamãe tá dodói?

Henrique se agachou novamente diante da filha.

— Sim, meu amor. Ela tá um pouquinho dodói. Mas os médicos estão cuidando dela, tá bem? E você vai conhecer a Aurora daqui a pouco. Ela é linda, tem os olhos igualzinhos aos seus.

Lívia assentiu devagar, confiando no pai como só uma criança é capaz. Enlaçou o pescoço dele com os bracinhos pequenos e sussurrou:

— A mamãe vai ficar bem. Eu pedi isso pra estrela mais brilhante ontem à noite.

Henrique fechou os olhos, lutando contra as lágrimas. Sentiu o peso do mundo nos ombros, mas também sentiu aquela centelha — aquela fé inocente da filha, como uma prece pura lançada ao céu.

Dona Marta sentou-se ao lado deles. Pela primeira vez, segurou a mão de Henrique com força, como se fossem, ali, um só coração batendo em espera.

E juntos… esperaram.

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