O dia amanheceu em Élarion com tons suaves de lavanda e ouro. O céu, ainda tingido de púrpura, parecia cantar em silêncio, e uma névoa prateada se arrastava pelas copas das árvores como um véu sagrado. Cael despertou sobressaltado. O sonho com a lua azul e o uivo persistia em sua mente como uma chama tênue, os detalhes já se esvaindo, mas a sensação permanecia — uma mistura de saudade e presságio.
Vestiu a túnica simples deixada para ele e saiu do quarto. Os corredores do Santuário estavam vazios, mas não silenciosos. Runas entalhadas nas colunas murmuravam feitiços antigos, e as tapeçarias pareciam se mover com o vento que não vinha de lugar algum. Era como caminhar dentro de um ser vivo.
Lysenn o esperava no Pátio das Fontes, um jardim circular onde águas flutuavam no ar como fios líquidos de prata. Ela segurava dois bastões curtos, forjados em madeira negra com inscrições que pulsavam em azul.
“Hoje você aprende a usar o corpo que agora tem,” disse ela, sem preâmbulos.
“Não tenho mais o que tinha,” respondeu Cael, cruzando os braços. “Sem o lobo, sou só um homem comum.”
“Está enganado.” Lysenn atirou-lhe um dos bastões. Cael pegou no ar por instinto. “Você foi moldado pela magia de Élarion. E este mundo não cria nada comum.”
Ela avançou. Rápida. Um golpe horizontal que Cael mal conseguiu bloquear. A força dela o surpreendeu — fluida, precisa, brutal. Ele tentou contra-atacar, mas ela já estava atrás dele, a ponta do bastão encostando em sua nuca.
“Você pensa como antes,” disse ela, girando o bastão nos dedos. “Mas precisa sentir este mundo com o que se tornou agora. Feche os olhos.”
Cael obedeceu, com relutância.
“Respire. O ar daqui é feito de magia. Ela está em tudo. Deixe-a tocar você.”
E ele sentiu.
Era sutil no começo — uma vibração no chão, como o eco distante de um tambor. Depois, calor. Uma corrente se formando dentro de seu peito, semelhante à antiga presença do lobo, mas diferente. Era mais fria, mais serena, como uma fera que dormia em paz.
Um clarão atravessou sua mente: a lua azul. E, com ela, uma sensação de que o uivo ainda vivia — não como antes, mas como parte da própria essência de Élarion.
Cael abriu os olhos, e tudo parecia mais vívido. As folhas brilhavam em detalhes infinitos, e as gotas flutuantes de água sussurravam entre si em uma língua ancestral. Ele ergueu o bastão. A postura já era outra.
Lysenn sorriu. “Agora sim.”
O treino recomeçou, mas dessa vez Cael dançava. Seus movimentos fluiam como água, impulsionados por algo invisível. Ele não era mais o predador de antes, mas algo novo — algo que ainda não sabia nomear.
Ao final, suado e exausto, caiu de joelhos no chão. Lysenn se aproximou e estendeu a mão. “Você começa a ouvir Élarion. Isso é raro.”
“E isso é bom?”
“Isso é perigoso.” Ela hesitou. “Há forças neste mundo que também ouvem. E que podem responder.”
Antes que Cael pudesse perguntar o que ela queria dizer, um sino profundo ressoou pelos céus do Santuário. Um som grave e contínuo, que fazia as águas das fontes estremecerem.
Lysenn empalideceu.
“O selo do Salão Velado foi rompido.”
“O que isso significa?” perguntou Cael, já se pondo de pé.
“Significa que algo antigo... acordou.”
E nas profundezas esquecidas de Élarion, em câmaras onde a luz nunca chegava, olhos de âmbar se abriram — e um antigo lobo, feito de sombras e estrelas, ergueu a cabeça para a lua azul.
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Atualizado até capítulo 82
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