Aquela troca de olhares durou segundos. Mas, para Selena, pareceu uma eternidade arrastada entre o desejo, o instinto e algo que ela nunca havia sentido antes.
A mulher à sua frente não desviou. Não abaixou os olhos.
Ao contrário.
Sustentou.
Que tipo de criatura fazia isso? Que tipo de mulher olhava nos olhos do perigo e sequer estremecia?
Selena apertou os dedos, as unhas curvando-se na palma da mão. O sangue pulsava, quente, desconfortável. Uma sensação rara, estranha, desconcertante. Ela, que era mestre no controle, sentia, pela primeira vez, o próprio corpo responder de forma imprevisível.
A mulher — Elisa, como descobriria mais tarde — arqueou uma sobrancelha, com aquele sorriso enviesado, desafiador, que parecia dizer “O que foi? Nunca viu algo que te assuste e te atraia ao mesmo tempo?”
Selena desviou primeiro.
Isso nunca acontecia.
Nunca.
Virou de costas, apertando o passo, cruzando a galeria até a saída. O salto batendo apressado no piso de madeira, sem o mesmo ritmo elegante de antes.
Lá fora, o ar frio da noite cortou sua pele. Puxou uma tragada do cigarro que acendeu com mãos ligeiramente trêmulas. Observou, de canto, a fachada iluminada da galeria. Não sabia se queria voltar e arrancar aquele sorriso da boca da mulher — com beijos… ou com lâminas.
— Ridículo — sussurrou para si. — O que diabos foi isso?
Jogou o cigarro no chão, esmagou com o salto e se virou para atravessar a rua.
E então, como se o destino estivesse zombando dela, ouviu uma voz atrás.
— Costuma encarar muito, ou hoje foi uma exceção?
Congelou. O corpo inteiro enrijeceu.
Virou-se lentamente, encontrando-a. De perto, a mulher era ainda mais... provocante. Os olhos puxados, escuros, a boca carnuda, as curvas marcadas sob um vestido preto justo. Um cheiro de perfume amadeirado misturado com algo levemente doce. Inquietante.
Selena precisou de um segundo a mais que o normal para recuperar sua postura habitual — a máscara fria, elegante, impenetrável.
— E você costuma abordar psicopatas na rua... ou também é uma exceção? — respondeu, com um sorriso enviesado, cortante.
A mulher riu. Um riso rouco, que vibrava, sem vergonha, sem medo.
— Psicopatas? — cruzou os braços, inclinando levemente o quadril. — Hmm... Você tem cara. Mas, sabe... acho que gosto de perigo.
Aquele sorriso... aquele maldito sorriso...
Selena se aproximou um passo, desafiando o próprio limite, os próprios impulsos. O cheiro da mulher invadiu seus sentidos. Por um segundo, imaginou a lâmina deslizando sobre aquela pele, abrindo linhas vermelhas, cortando a garganta, ou talvez... deslizando pela curva da cintura, dos seios, dos quadris, não para ferir… mas para provocar.
E isso era insuportável.
— Cuidado com o que deseja — sussurrou, a voz mais baixa, quase um sussurro arranhado. — Nem sempre o perigo só brinca. Às vezes, ele... morde.
Elisa sorriu mais largo.
— Eu sei. E às vezes... é exatamente isso que eu procuro.
As palavras ricochetearam na mente de Selena como estilhaços. Um calafrio percorreu sua espinha, da nuca até o cóccix.
Maldita. Maldita. Maldita.
Por que você não corre, como todas as outras?
Por que diabos você não tem medo?
O silêncio entre elas se esticou. As duas se estudavam, se mediam. Dois predadores. Ou talvez... uma presa que, por algum motivo, se achava predadora.
Selena deu um passo para trás, respirando fundo, recuperando o controle.
— Boa noite — disse, com a voz mais fria que conseguiu reunir. — Cuide-se.
Virou-se e, dessa vez, não olhou para trás. Desapareceu na esquina, mesclando-se às sombras da cidade.
✂️
Horas depois, sentada em seu apartamento — um loft elegante, minimalista, frio como ela —, Selena girava a faca entre os dedos, encarando o vazio.
Na tela do notebook, várias abas abertas: notícias dos últimos assassinatos, investigações, fotos dos corpos deixados por ela mesma, e uma página em destaque: uma rede social.
Elisa Marquez.
Artista plástica. 25 anos.
Pelas fotos, amante do caos, da estética do desconforto, da arte que provoca, que inquieta.
E, agora, uma obsessão que Selena não sabia nomear.
Digitou lentamente o nome no banco de dados que ela própria havia montado — arquivos de possíveis vítimas.
E então parou.
Era isso?
Ela seria uma vítima?
Ou... era algo diferente?
Fechou o notebook com força. Jogou a faca no sofá. Levantou-se, caminhando de um lado para o outro.
O corpo inteiro parecia pulsar, formigar, como se uma febre interna queimasse sob a pele.
Puxou o celular. Digitou o endereço que havia decorado da galeria. Cruzou com o nome, encontrou o prédio onde Elisa morava.
Pegou a jaqueta. A faca voltou para a bainha, presa na coxa.
Se havia uma dúvida, ela precisava ser respondida agora.
No escuro.
No silêncio.
Na linha tênue entre o desejo... e a morte.
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🩸 Continua...
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Atualizado até capítulo 31
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