Ainda rindo sozinha da última mensagem da Inès, fui andando até a escada com aquele pressentimento estranho que me fazia endireitar os ombros. Minha mãe não recebe ninguém a essa hora, e eu certamente não estou esperando ninguém.
— Professor Adrian? — perguntei, encostando na parede da escada.
Ele estava ali, de blazer escuro e olhar tranquilo, com um livro sob o braço e… um buquê de flores.
Por um segundo, meu coração deu um tropeço bobo. Flores? Pra mim?
Mas minha mãe estendeu a mão antes que eu pudesse pisar no último degrau.
— Que delicadeza. — disse ela, tirando o buquê das mãos de Adrian com um sorriso felino. — Entre, professor. A casa é sua.
Ok. As flores não eram pra mim. Ótimo. Ótimo mesmo.
Desci o resto da escada sem dizer nada e me joguei no sofá. Adrian me lançou um sorriso simpático, mas seus olhos demoraram demais em minha direção. Tinha alguma coisa no ar. Minha mãe percebeu também.
— Então? — perguntou ela, sentando-se elegante na poltrona de linho claro. — A essa hora da noite, só pode ser algo muito bom.
— É sobre um convite. Uma oportunidade, na verdade — começou Adrian. — Léo Montparnasse, CEO da Vernet, entrou em contato comigo hoje. Ele viu o portfólio da Renata através da exposição estudantil da semana passada… e gostou muito do que viu.
Eu me ajeitei no sofá, surpresa.
— Eu? Como assim?
— Ele quer conhecê-la. Amanhã mesmo, no primeiro horário. Uma conversa informal. Disse que quer ver como você pensa, como enxerga o mundo da arte contemporânea. Pode ser uma chance real de estágio... ou até algo maior.
Antes que eu pudesse reagir, minha mãe soltou uma risada seca.
— Léo Montparnasse? Esse rato arrogante? Você só pode estar brincando.
— Ele ficou impressionado, Célia — insistiu Adrian, mais sério agora. — E, com todo respeito… recusar pode não ser estratégico.
Ela virou o rosto, os olhos faiscando. — Você quer que eu mande minha filha trabalhar para o meu maior concorrente? Um homem que tenta sabotar meus contratos em todos os países onde piso?
— Eu estou dizendo que talvez… talvez seja mais interessante olhar isso sob outra perspectiva — respondeu ele, se inclinando um pouco para frente. — O que você vê como traição… também pode ser visto como infiltração.
Minha mãe cruzou as pernas lentamente. O olhar dela agora era outro. Curioso. Afiado.
— Você está sugerindo que… minha filha se infiltre na Vernet? Para colher informações?
— Ela não precisa saber disso — disse Adrian com calma. — Jovens ricas em conflito com os pais. A mídia adora. Léo adora. Ela pode parecer rebelde. Ferida. Procurando independência.
Eu franzi a testa.
— Gente? Eu ainda tô aqui, tá? Vocês estão falando como se eu fosse uma peça no tabuleiro.
Minha mãe sorriu para mim de um jeito que fazia tudo parecer natural, inofensivo.
— Claro que não, meu amor. É só… uma oportunidade, como o Adrian disse. Você é uma artista. Vai lá, mostra quem você é. E se descobrir que o ambiente combina com você… ótimo.
Ela se levantou, foi até mim e passou a mão pelo meu cabelo. Era um carinho ensaiado. Suave demais para ser real.
— E o Léo? — perguntei. — Ele sabe quem eu sou?
— Sabe que você é talentosa. — disse Adrian, desviando os olhos. — O resto… ele vai descobrir aos poucos.
Fiquei em silêncio. Aquilo tudo tinha um gosto estranho na boca, mas ao mesmo tempo… era a primeira vez em muito tempo que minha mãe parecia realmente interessada em algo que envolvia eu mesma.
Uma parte de mim queria fugir. Outra queria provar que era mais do que a filha de Célia Ray.
Subi as escadas em silêncio, ainda com os ecos da conversa com Adrian e minha mãe vibrando na mente. Quando fechei a porta do quarto, deixei meu corpo escorregar pela parede até o chão, respirei fundo e soltei um riso abafado. "Infiltração"? Sério mesmo? Aquilo parecia coisa de filme ruim... ou bom, dependendo da direção.
A luz do monitor azulou meu rosto assim que liguei o computador. Digitei o nome quase com pressa:
Léo Montparnasse.
O que surgiu na tela me fez arregalar os olhos.
— Mas que isso... parece até feito no Photoshop — murmurei, encostando o queixo na mão.
Jovem, bonito demais, aquele tipo de beleza calculada que parece sair direto de uma campanha de perfume francês. Olhos escuros, barba por fazer, paletós sob medida. CEO da Galerie Vernet, uma das maiores instituições de arte contemporânea do mundo, e herdeiro de uma das famílias mais influentes da Europa. Solteiro. Milionário. Misterioso.
Rolei a página devagar, absorvendo cada detalhe. “Já expôs obras no MoMA, financiou artistas urbanos de favelas africanas, e comprou um quadro por 3 milhões só para doá-lo a um pequeno museu em Dakar.” Ok, definitivamente não era um babaca qualquer.
Talvez... talvez essa entrevista não fosse só uma armadilha. Talvez esse emprego me desse aquilo que minha mãe sempre tentou tirar de mim: independência.
Voltar a fazer o que amo, por exemplo. Pilotar.
Corridas, velocidade, o ronco do motor ecoando por dentro de mim como se fosse uma extensão do meu próprio coração. Era isso que me fazia sentir viva. Aquela vida de antes — em North-Pólen — era caótica, sim, mas era minha.
E então, como se puxado por um ímã invisível, peguei o celular.
Abri meus contatos e deslizei o dedo até aquele nome.
Daniel ❤️
O coraçãozinho ainda estava lá. Uma piada antiga nossa. Eu disse uma vez que ia colocar um emoji de caveira quando parasse de gostar dele. Nunca consegui. Nunca tive coragem.
Encostei o telefone na testa e fechei os olhos.
— Por que você nunca me ligou, Daniel? — sussurrei. — Por que você nunca atendeu?
Fiquei assim por alguns minutos. Só olhando para a tela, sentindo o calor do celular esquentar na palma da minha mão. Seis meses atrás eu tinha tentado. Mandei mensagens. Liguei mais vezes do que gostaria de admitir. Perguntei para nossos amigos em comum, para o irmão dele, Jonas...
Ele sumiu.
Como se tivesse se dissolvido no tempo e no asfalto daquela cidade submersa.
Talvez... talvez ele tenha seguido em frente. Talvez eu devesse fazer o mesmo.
Travei o celular devagar, e o deixei cair ao meu lado na cama.
Talvez amanhã seja o começo de uma nova Renata Ray.
Ou talvez... apenas mais uma tentativa.
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Atualizado até capítulo 24
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