Naquela segunda-feira, o céu de São Paulo parecia espelhar o humor de Edward Amaral: cinzento, carregado, em silêncio.
A semana começara, mas o peso da anterior ainda repousava sobre seus ombros. A lembrança do soco desferido contra aquele garoto insolente ainda marcava seus dedos, mesmo que a pele já estivesse curada. O olhar de sua mãe, Luna, enquanto ele chorava no jantar, também persistia na memória como uma moldura invisível — mistura de compreensão e dor silenciosa. Ninguém o julgou. Mas todos o olharam como se algo nele estivesse despertando. Algo maior do que ele próprio conseguia compreender.
Na escola, os corredores pareciam mais barulhentos. Ou talvez fosse ele quem estivesse mais atento. Depois do que acontecera com Isadora, seus olhos passaram a captar tudo com mais intensidade. A forma como ela se encolhia ao lado do armário. Como evitava encarar os colegas. Como sua mochila tinha sempre as alças remendadas, as pontas do caderno enroladas, e os olhos — ah, aqueles olhos — pareciam querer desaparecer entre as sombras.
Edward não a abordou diretamente.
Não ainda.
Mas observava.
E esse gesto, mesmo que involuntário, era uma forma de cuidado.
**
Na sala de aula, Isadora sentava-se no fundo, próxima à janela. Era o único lugar onde o sol alcançava seu rosto. Ela nunca tirava o casaco, mesmo quando fazia calor. Evitava participar das atividades em grupo e anotava as matérias com uma letra pequena e precisa, como se cada palavra fosse um segredo escrito à força.
Naquela manhã, a professora de literatura propôs uma atividade diferente: duplas para analisar um poema de Drummond. O nome de Isadora foi o último a ser sorteado. E o silêncio foi geral quando ninguém se ofereceu para ser seu par.
Ninguém, exceto Edward.
Ele se levantou, calmamente, e caminhou até a carteira dela, arrastando sua cadeira para o lado. Sentou-se sem pedir permissão.
Isadora não disse nada. Nem ergueu os olhos.
Ele também não.
— Não gosto de trabalho em grupo — ela murmurou, quase imperceptível.
— Nem eu.
— Então por que...?
— Porque é pior ficar sozinho quando todo mundo escolhe ignorar você — respondeu, direto, mas sem dureza.
Isadora demorou a encará-lo. Quando o fez, havia um traço de surpresa em seus olhos, seguido por algo que poderia ser... desconfiança?
— Você não precisa fazer isso — ela disse, defensiva.
— Eu sei.
— Então por que está fazendo?
Edward olhou pela janela por um instante, antes de responder:
— Porque, às vezes, o silêncio de alguém grita mais alto do que qualquer palavra. E você grita todos os dias.
Isadora ficou em silêncio. Mas, dessa vez, não foi um silêncio de rejeição.
Foi um silêncio de escuta.
**
Ao final da aula, o trabalho estava praticamente pronto. Isadora lia o poema como se cada verso fosse um fragmento de si. E Edward anotava, refletia, completava. Nenhum dos dois tentava forçar aproximação, mas havia entre eles uma espécie de entendimento que não se explicava — apenas acontecia.
Na saída, quando os corredores voltaram a se encher de risos e olhares hostis, Edward viu um grupo de meninas cochichando enquanto passavam por Isadora. Uma delas empurrou o caderno da menina com o cotovelo, derrubando tudo no chão.
Edward não hesitou. Abaixou-se e recolheu os papéis com ela, sem dizer uma palavra. Mas seu olhar passou por cada uma das garotas com precisão cortante.
— Tem certeza de que vale a pena? — perguntou Isadora, em voz baixa, enquanto ele devolvia as folhas.
— O que exatamente?
— Me defender. Ficar contra eles.
Ele guardou silêncio por um momento.
— Às vezes, vale mais a pena ficar ao lado de quem ninguém escolhe... do que seguir o rebanho.
Ela o olhou como se, pela primeira vez, estivesse vendo além da postura fria, além da fama de herdeiro dos Amaral.
Estava vendo o garoto.
**
Na fazenda, naquela sexta-feira, Edward chegou mais tarde do que o normal. Luna o esperava na varanda, e o abraçou com mais força do que o habitual. Ele apenas retribuiu o gesto com um breve toque nas costas, mas havia algo em seu olhar... menos raiva. Mais firmeza.
No jantar, a conversa girava em torno da nova plantação que Gael e Yara queriam implementar, das aulas de dança dos filhos de Aurora, e de um antigo livro de receitas que Luna encontrou no porão. Mas Edward estava distante.
Quando Ayla perguntou, gentilmente:
— E a escola, querido?
Ele demorou a responder. Como se estivesse buscando a medida exata das palavras.
— As pessoas continuam sendo o que são. Mas eu... estou começando a entender o que quero ser.
Dante ergueu os olhos do prato, atento.
— E o que é?
Edward respirou fundo.
— Quero ser o tipo de pessoa que escuta o silêncio dos outros. E responde com presença.
Luna sorriu. Mas havia um traço de preocupação em seus olhos, que apenas Aslan conseguiu notar.
**
Mais tarde, na varanda, Edward sentou-se sozinho, olhando o céu nublado.
Isadora ainda era um mistério. Mas um mistério que não exigia pressa. Ele não sabia de onde ela vinha, nem o que a feria, mas sabia que ela carregava algo denso nos ombros. Algo que não podia ser tocado, apenas respeitado.
E talvez, só talvez, ele estivesse pronto para oferecer isso a ela: respeito. Espaço. Escuta.
Porque, no fundo, Edward entendia: o verdadeiro poder de um Amaral não estava em dominar o mundo.
Estava em saber protegê-lo — em silêncio, se fosse preciso.
**
E naquela noite, antes de dormir, ele escreveu no próprio caderno — sem assinar, sem mostrar a ninguém:
> “Ela não fala muito. Mas cada vez que abaixa os olhos, ela grita. E eu estou começando a escutar.”
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Atualizado até capítulo 24
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