capítulo 4- O peso do Silêncio

A semana havia sido mais densa que de costume.

O céu de São Paulo pairava opaco, carregado de nuvens que não choviam — como se o próprio tempo estivesse preso, como ele. Edward caminhava pelo corredor da escola, os passos contidos, a mandíbula cerrada. Os corredores se enchiam de risadas e cochichos. Mas ele só ouvia uma coisa: o eco dos insultos dirigidos à menina nova.

Isadora.

O nome dela soava diferente no meio do caos, como se não pertencesse àquele ambiente tão moldado pela aparência e status. Ela era reservada, quase invisível, mas não pelos motivos certos. Os colegas a viam como esquisita, deslocada. O sotaque leve, os cabelos sempre presos num coque simples, os olhos que jamais revidavam. Era como se ela carregasse uma história inteira dentro do peito e tentasse se esconder sob o uniforme amarrotado.

Naquela quinta-feira, Edward chegou mais cedo do que o habitual. Viu quando uma das meninas populares empurrou os cadernos de Isadora da carteira, sorrindo como se fosse apenas uma brincadeira inocente.

— Cuidado, ratinha. Aqui é lugar de gente que sabe andar.

Os outros riram. Isadora abaixou-se calmamente, recolhendo os cadernos com mãos trêmulas. Ninguém a ajudou.

Ninguém... exceto Edward.

Ele não se aproximou naquele momento, mas observou tudo. A frieza em seu olhar era diferente. Não era desprezo. Era controle.

Mais tarde, no intervalo, ele a viu sentada sozinha sob uma árvore. O livro aberto no colo, os olhos vagando como se estivessem em outro mundo. Edward não sabia explicar o porquê, mas algo nela... doía nele.

E foi então que tudo desandou.

Durante a saída, enquanto caminhava para os portões da escola, ouviu risadas altas. Um grupo de meninos cercava Isadora. Um deles — Mateus, conhecido pela arrogância e por ser filho de alguém importante — a provocava.

— Você nem devia estar aqui. Esse colégio é pra gente de família, não pra bolsista com cara de faxineira.

Isadora não respondeu. O silêncio dela parecia irritar ainda mais.

Edward se aproximou com calma, mas os olhos dele queimavam.

— Sai de perto dela, Mateus — disse, a voz baixa, firme.

O outro riu. Riu alto.

— O príncipe resolveu proteger a plebeia? Vai defender a namoradinha?

— Tô te dando um aviso — Edward estreitou os olhos. — Vai embora agora.

— Que medo... o Amaralzinho vai me bater?

O deboche foi a última gota.

Edward não respondeu. Apenas avançou. O soco foi limpo, direto no maxilar do garoto. Não foi escândalo. Foi precisão. Mateus caiu no chão, surpreso.

Silêncio. Todos em volta congelaram.

Edward olhou para Isadora por um segundo. Depois se virou e foi embora.

**

Ele chegou na fazenda naquela noite sem falar uma palavra. Desceu do carro com os olhos ainda carregados de fúria, a mochila jogada no ombro, e entrou na casa como um furacão contido.

Luna estava na sala, conversando com Aurora. Ambas silenciaram ao vê-lo.

— Filho... — começou Luna.

Mas Edward subiu as escadas sem responder.

Trancou-se no quarto. Encostou-se na porta e respirou fundo. As mãos tremiam.

Por que aquilo o afetava tanto?

Ele não conhecia Isadora além de alguns olhares trocados. Mas havia algo nela... algo que gritava silenciosamente. Como se fosse feita das mesmas sombras que ele.

**

O jantar daquela noite reuniu todos mais uma vez. A mesa estava farta, como sempre, mas o clima era outro.

Edward chegou por último. Sentou-se entre Dante e Yara, o rosto sério. Durante os primeiros minutos, não falou nada. Observava os copos, o movimento dos talheres, as conversas.

— Alguém quer contar por que meu filho foi chamado na diretoria hoje? — perguntou Dante, com um tom neutro, mas penetrante.

Todos olharam para Edward.

— O que aconteceu? — perguntou Luna, preocupada.

Ele respirou fundo. E pela primeira vez, deixou transbordar.

— Estavam zombando ela . Ela não responde, não revida... só abaixa a cabeça. — A voz dele falhava, contida. — E eles fazem isso porque ela não tem dinheiro, porque o uniforme dela é mais gasto, porque ela não nasceu com o nome certo.

Todos escutavam em silêncio.

— Eu dei um aviso. O garoto debochou. Então bati nele.

Luna levou a mão à boca. Dante manteve o olhar fixo no filho.

— Não me arrependo — Edward continuou, a voz embargando. — E... as meninas continuam me mandando cartas. Bilhetes. Me cercam como se eu fosse algum prêmio. Mas nenhuma olha pra ela. Nenhuma se importa. Elas querem meu nome, meu rosto... mas ninguém quer saber quem eu sou. Ou quem ela é.

Uma lágrima escapou. E outra. Edward Amaral chorava. Não como uma criança mimada. Mas como um herdeiro sobrecarregado.

Ayla se levantou. Caminhou até ele e o abraçou por trás, sem dizer nada. Aslan apenas observava, os olhos velados por algo entre orgulho e tristeza.

— Você fez o certo — disse Dante, enfim. — Mas precisa aprender que certas lutas... exigem mais do que socos.

— Eu sei — sussurrou Edward. — Mas naquele momento, eu não podia deixar passar. Era como... como se ela fosse eu. Quando eu não podia falar.

A família ficou em silêncio. Mas naquele silêncio havia respeito. E compreensão.

**

Mais tarde, já no quarto, Edward tirou o casaco, lavou o rosto e se deitou.

Na mesa de cabeceira, outra carta. De outra garota.

Ele a pegou, rasgou em duas partes e jogou no lixo.

Pegou então o livro que vira Isadora lendo sob a árvore. Tinha o mesmo exemplar em casa: “O Morro dos Ventos Uivantes”.

Abriu uma página ao acaso.

"Se tudo o resto perecesse, e ele ficasse, eu continuaria a existir."

Fechou o livro. E pela primeira vez em dias, sorriu.

**

Do outro lado da cidade, em um pequeno quarto alugado, Isadora escrevia em seu caderno.

Hoje alguém me viu.

Não sei por quê.

Mas pela primeira vez em muito tempo… eu não fui invisível.

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