O som da água caindo no chão frio do boxe não era suficiente para acalmar o turbilhão na cabeça de Luna. Suas mãos apertavam os fios molhados, os olhos fechados, tentando expulsar aquela voz — aquela maldita voz — que ainda ecoava em sua mente.
"Talento sem disciplina não é nada."
A mandíbula travava só de lembrar. Isabella Duarte conseguia ser insuportável em níveis que ela jamais imaginou possíveis. E, ao mesmo tempo, era absolutamente impossível não se sentir afetada.
"Por que eu me importo tanto? Por que é só ela que me tira desse jeito?"
Bateu a mão contra a parede de azulejos, soltando um suspiro longo, pesado, quase frustrado.
Saiu do banho, amarrou a toalha no corpo e se olhou no espelho. Seus próprios olhos a encaravam, como se tentassem buscar uma resposta que nem ela sabia formular.
No reflexo, não via só uma dançarina. Via alguém que, por algum motivo, parecia dançar em função daquela mulher.
E odiava isso.
O celular vibrou em cima da bancada. Luna pegou o aparelho, desbloqueou, e encontrou uma notificação no grupo dos alunos.
"Lembrando que amanhã começa o ensaio geral da apresentação de outono. Aulas em tempo integral. Preparem-se."
A mensagem estava assinada, obviamente, por Isabella.
— Ótimo... mais Isabella. — murmurou, revirando os olhos.
Se jogou na cama, ainda com a toalha enrolada, olhando para o teto. Queria odiá-la. Queria ignorá-la. Mas, no fundo, sabia que isso era impossível.
E o que Luna não sabia... era que, do outro lado da cidade, Isabella estava passando por algo assustadoramente semelhante.
O escritório de Isabella estava mergulhado em silêncio, iluminado apenas pela tela do notebook. Ela assistia — pela terceira vez — a gravação do ensaio daquele dia.
E, mais uma vez, seus olhos se fixavam em Luna.
Ela dizia para si mesma que era apenas análise técnica. Que estava procurando erros, pontos de melhoria. Mas, no fundo, sabia que era mentira.
Cada linha daquele corpo em movimento parecia hipnotizá-la. Cada salto, cada giro... cada vez que os olhos de Luna se apertavam de concentração ou de raiva.
"Por que... por que ela me provoca tanto? Por que eu não consigo ser indiferente a ela, como sou com qualquer outro aluno?"
Fechou o notebook bruscamente, empurrou-o para o lado e levou as mãos ao rosto.
Não podia — não devia — sentir aquilo. Ela era professora. Luna era aluna. E além disso... Luna era insuportável. Arrogante. Rebelde.
E, de algum jeito torto, absolutamente irresistível.
Isabella se levantou, caminhando até a janela do escritório, olhando para a cidade lá fora. Respirou fundo, tentando colocar os próprios pensamentos em ordem.
"Isso é só uma fase. É só controle. Você controla tudo, Isabella. Você controla isso também."
Mas, no fundo, sabia que não era bem assim.
No dia seguinte, o salão da academia estava mais cheio do que nunca. Todos estavam reunidos para o primeiro ensaio geral.
Isabella estava na frente, braços cruzados, vestindo uma calça preta, uma blusa justa e cabelos presos em um coque impecável. O olhar afiado fazia qualquer um endireitar a postura instantaneamente.
Luna entrou na sala. A mesma tensão de sempre percorreu seu corpo no instante em que os olhos cruzaram com os de Isabella.
Sem trocar uma palavra, apenas se encararam. E aquilo já dizia mais do que qualquer discurso.
— Muito bem — começou Isabella, batendo palmas. — A apresentação de outono é o nosso cartão de visitas. Quero perfeição. E perfeição não nasce do acaso.
Andava de um lado para o outro, como uma predadora avaliando suas presas.
— Alguns de vocês vão brilhar. Outros... bem, nem tanto. — Seu olhar parou diretamente em Luna. — Isso depende exclusivamente do quanto estão dispostos a se dedicar.
Luna apertou os punhos, os olhos faiscando.
— Preparem-se. Vamos começar pelos duetos.
O coreógrafo assistente se aproximou, conferindo a lista de pares, e Isabella pegou o papel da mão dele. Leu rapidamente e arqueou uma sobrancelha.
— Interessante... — comentou, quase em tom de deboche. — Parece que o destino tem senso de humor.
Ergueu os olhos.
— Luna... você está no dueto principal. — anunciou. — E seu par... sou eu.
O salão inteiro ficou em choque. Murmúrios se espalharam como fogo.
— O quê? — Luna quase engasgou. — Isso é piada, né?
— Eu não brinco com trabalho. — Isabella respondeu, impassível. — O dueto principal é uma dança contemporânea que exige técnica, entrega, química e... proximidade. E, infelizmente, nenhum dos outros pares alcançou o nível que eu exijo. Então, assumirei esse papel.
Luna piscou várias vezes, como se o cérebro tentasse processar.
— Você quer que eu... dance... com você?
— Não quero. — Isabella deu um sorriso frio. — Mas é necessário. E você, mais do que ninguém, sabe que não recua diante de um desafio.
O olhar entre elas queimava. Desafiava. Rasgava.
— A não ser que... — Isabella arqueou uma sobrancelha — ...esteja com medo.
Luna deu um passo à frente, a expressão se fechando.
— Medo? — O tom dela ficou baixo, carregado de raiva e algo mais. — Eu? Nunca.
— Ótimo. — Isabella sorriu, cruzando os braços. — Vamos começar.
E, naquele instante, enquanto os colegas se afastavam, formando um círculo em volta, ambas perceberam, mesmo que inconscientemente, que aquele dueto seria mais do que uma simples dança.
Seria uma guerra.
Ou... talvez, o início de algo que nenhuma das duas estava pronta para enfrentar.
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Atualizado até capítulo 42
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