Ela desce as escadas como uma mulher que não sabe mais quem é.
Perfeito.
Vestido branco justo até a cintura, solto até os tornozelos, com a pele exposta no lugar exato entre o osso da clavícula e o início dos seios.
Brincos de safira.
Cabelo preso, deixando a nuca vulnerável, exposta.
Luna parece uma princesa.
Mas só eu sei: ela é uma prisioneira embalada em seda.
— Venha — digo, estendendo a mão. Ela hesita por meio segundo, depois segura.
A mão dela é quente. Suave.
Frágil como porcelana antiga.
Conduzo-a até a sala menor, já preparada com a mesa posta. Javier está de pé. Minerva, minha irmã mais nova, brinca com uma taça de vinho. Dois dos meus homens — Caio e Tomás — já esperam nas laterais. Todos sabem o papel.
Esse ensaio não é apenas para ela. É para eles também.
Quero ver se alguém ousa duvidar da mentira que estamos prestes a contar.
— Sente-se aqui, mi reina. — puxo a cadeira para ela. O termo escorrega da minha boca antes que eu pense. Reina.
Rainha.
Ela se senta. O vestido se ajusta às pernas, revelando um vislumbre de pele quando ela cruza os tornozelos.
Ela está aprendendo.
Javier começa com as perguntas:
— Então, Luna… como se conheceram?
Ela olha para mim. Esperando.
Boa menina.
— Nos conhecemos em um evento beneficente — respondo por nós. — Eu patrocinei. Ela trabalhava como voluntária. Um contraste encantador. A mulher limpa no meio da sujeira que sou.
Todos riem, menos Luna.
Ela apenas baixa os olhos. Parece tímida.
Ou talvez só queira gritar.
— E o que te atraiu nela, irmão? — Minerva pergunta, com aquele ar de quem sabe demais.
Olho para Luna.
— O silêncio dela. — Respondo sem sorrir. — E a força escondida atrás disso.
Ela engole em seco.
Se fosse qualquer outra mulher, já teria tentado fugir.
Mas ela permanece.
No meio do jantar, ela começa a entender o jogo.
Sorrir no momento certo.
Fingir que me ama com os olhos.
Inclinar o corpo levemente na minha direção como se estivesse acostumada a pertencer.
— Luna — digo, enquanto ela bebe um gole de vinho — em poucos dias você vai estar diante da matriarca da minha família.
Ela tem olhos de águia e a língua de uma bruxa.
Se mentir mal, ela vai perceber.
Ela levanta o queixo. O vinho deu cor às bochechas. Ou talvez seja o medo.
— Então me ensine a mentir como você.
Silêncio.
Javier ergue uma sobrancelha. Minerva esboça um sorriso.
Eu rio. Baixo. Perigoso.
— Cuidado com a língua, Luna. — me inclino até meu rosto estar perto o suficiente do dela. — Não quero puni-la na frente dos outros.
Ela não recua. Mas seus olhos… eles queimam.
Entre raiva e algo mais.
Algo que ainda não entendeu.
Mas que eu entendo muito bem.
Desejo, quando empacotado de ódio, é a arma mais eficiente.
Depois do jantar, dispenso todos. Levo Luna até o hall, de volta para a escadaria.
— Você foi… convincente.
— Isso foi um elogio?
— Isso foi uma avaliação. — Me aproximo. — No próximo, quero mais. Quero que finja que me deseja. Que me toca porque não aguenta. Que me olha como se eu fosse o único homem no salão.
Ela respira fundo. Os olhos me desafiam.
— E se eu não conseguir?
— Você vai. Porque se não conseguir...
não volto a ameaçar seu irmão.
Volto a ameaçar você.
O silêncio entre nós se torna uma corda. Esticada. Tensa.
Ela sobe as escadas sem olhar para trás. Mas seu perfume fica.
Doce, leve, com algo quase cítrico.
E eu percebo…
Essa garota está entrando em mim por rachaduras que achei que estavam seladas.
Preciso manter o controle. Mas cada noite ao lado dela… Cada sim fingido… Cada mentira bem interpretada me faz querer que a mentira se torne verdade. E isso, em meu mundo, é um problema letal.
Minerva me espera no jardim dos fundos, sentada em uma das poltronas sob a pérgula iluminada por lâmpadas penduradas como estrelas domesticadas.
Ela segura uma taça de vinho tinto. Olha para mim como fazia quando éramos crianças: com aquele sorrisinho de quem sabe o segredo antes de ele ser contado.
— Ela é linda, Gael. — ela diz, antes que eu possa abrir a boca.
Me sento ao lado, sem responder.
— Linda, e perigosa. Mas de um jeito que você gosta.
— Ela não é perigosa. — respondo seco.
— Claro que é. Toda mulher que você não consegue controlar completamente é perigosa. E essa garota... você a está treinando como uma peça de xadrez. Mas já parou pra pensar que talvez ela esteja aprendendo o jogo mais rápido do que você?
Solto o ar devagar.
— Ela é obediente. Inteligente. Vai funcionar pro que eu preciso.
Minerva ri. Um riso delicado, mas afiado como navalha.
— Você está mesmo tentando convencer a mim ou a si mesmo?
Meu maxilar trava. O vinho na mão dela balança de leve.
— Acha que eu colocaria uma mulher emocionalmente instável diante da nossa família? — digo. — Preciso de uma fachada. Não de um romance adolescente.
— Ah, sim. Gael Herrera, o impassível. — ela ergue a taça em um brinde sarcástico. — O rei de gelo que nunca se deixa afetar.
— Chega, Minerva.
— Você olha pra ela como se quisesse quebrá-la, e em seguida colar cada pedaço de volta com ouro. Não nega. Eu vi.
Fico em silêncio.
Ela se aproxima. Seu tom muda. Mais baixo. Mais sério.
— Gael... você pode manter o controle do cartel, da segurança, dos territórios. Mas não pode controlar o que começa a nascer quando você olha pra uma mulher e, pela primeira vez, não quer apenas usá-la. Você quer pertencer a ela — mesmo que odeie isso.
Ela toca meu ombro. Uma batida leve. Quase fraterna.
— Só estou dizendo pra prestar atenção. Porque se você quiser mesmo transformar essa garota em uma mentira...
É melhor que não deseje que ela vire verdade.
Fico ali, sozinho, quando ela se afasta.
O vento sopra devagar, carregando o cheiro das flores noturnas e o perfume que Luna deixou pela casa.
Minerva está errada. Ou quero acreditar que está.
Porque se ela estiver certa, então eu, Gael Herrera, o homem que ergueu impérios sobre cadáveres e mentiras, acabei de entregar meu primeiro ponto fraco de bandeja.
E ela tem nome.
Tem olhos grandes e mãos pequenas.
Tem perfume de cítrico doce.
E está dormindo no andar de cima.
A madrugada desceu sobre a mansão com o peso de um segredo mal contado.
No silêncio do meu escritório, as telas brilham em tons de preto e cinza. Cinco câmeras dedicadas a um único ponto da casa: o quarto de hóspedes no terceiro andar.
O quarto dela.
A imagem da tela central é a que mais me prende.
Ela sentada na cama, com as pernas cruzadas, um robe de seda branca caindo até o meio das coxas.
Está lendo. Ou tentando.
Mas os olhos não acompanham as palavras.
Ela morde o lábio inferior. Mexe no cabelo. Levanta, anda até a janela, depois volta. Como uma prisioneira de luxo dentro da própria mente.
Observo.
Cada gesto. Cada respiração. Cada curva sob o tecido fino. Cada parte que ela tenta esconder, mas que as câmeras captam sem perdão.
Não é só desejo. É o controle de saber tudo. É o poder de enxergar mesmo quando ela acha que está sozinha.
E mesmo assim... há algo nela que escapa. Um fio solto que nem mesmo eu consigo segurar com os olhos.
Ela se deita, finalmente.
A câmera pega de cima, ângulo suave, quase inocente. Os lençóis se moldam ao corpo magro.
A luz do abajur apaga. E fico apenas com a visão noturna da respiração dela subindo e descendo.
Paz forjada. Silêncio falso.
Fecho os olhos. Mas a imagem dela fica gravada nas minhas pálpebras.
Perigosa.
Frágil.
Minha.
Mesmo que ainda não saiba disso.
Ainda.
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Atualizado até capítulo 42
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