O sol entra pelas cortinas de linho branco antes que eu possa me lembrar onde estou.
Por um segundo, acho que sonhei. Que tudo foi um pesadelo com cheiro de mogno e aço.
Mas então vejo o teto alto, os lustres esculpidos, o abajur que parece mais caro que meu apartamento inteiro — e lembro: Não há mais porta de saída. Só corredores com olhos escondidos.
Às 7h, Marina bate na porta. Uma batida só. Rápida. Precisa.
— Senhorita Luna, o café será servido em trinta minutos. Vista-se. Os primeiros itens chegaram.
Quando abro a porta do closet, perco o fôlego.
Ele mandou preparar esse espaço em menos de uma noite?
Prateleiras inteiras cobertas de caixas da Chanel, Dior, Valentino. Araras com vestidos envoltos em plástico transparente, pendurados com precisão quase cirúrgica. Há lingerie que mais parece arte.
E perfumes — dezenas deles — cada um com um bilhete pequeno preso com laço dourado.
“Fresco, como sua pele".
“Para quando eu quiser você macia.”
“Use à noite. Só se for para mim.”
Minhas mãos tremem. Meu estômago também.
Isso não é mimo. É controle embrulhado em papel de presente.
Escolho um vestido simples de seda azul-marinho, sapatilhas nude, e prendo o cabelo num coque frouxo. Quero parecer serena. Mesmo quando estou despedaçando por dentro.
O café da manhã é servido numa sala com janelas abertas para um jardim ornamental. Marina e duas funcionárias permanecem caladas o tempo inteiro, como bonecas programadas. Pão artesanal, frutas cortadas com perfeição, ovos trufados e chá de limão com mel. Tudo refinado demais para uma mulher que até ontem comia aveia com banana em uma tigela lascada.
Às 10h, a rotina muda.
Uma mulher chamada Clarisse chega. Alta, francesa, pele de porcelana e voz que soa como sentença.
— Você anda como criança. Vamos começar com postura. E depois, etiqueta à mesa.
Ela me ensina a sentar, a andar com salto, a manter o queixo em um ângulo "aceitável para a elite".
Ela me mostra fotos de vestidos e diz o que posso e não posso usar com base no que “ele espera que você represente”.
Durante o almoço, como sozinha de novo. O silêncio da casa é ensurdecedor. Tudo aqui foi construído para que você se sinta grata por estar viva e culpada por respirar.
Às 15h, estou sentada em uma poltrona com um livro de filosofia moderna nas mãos. Um dos empregados deixou na minha mesa. "Para refinar a conversa", dizia o bilhete.
Mas cada frase que leio parece uma prisão com letras douradas.
Às 19h em ponto, Marina bate à porta de novo.
— O senhor Gael a espera para o jantar. Ele pediu que use algo claro.
Escolho um vestido champanhe que parece ter sido feito sob medida. Sapatos nude. Rímel discreto. Batom neutro. Quando desço, Gael já está sentado à cabeceira da mesa. Camisa preta, mangas dobradas. O relógio no pulso custa o que minha mãe nunca teve. Os olhos… os mesmos. Frios. Insondáveis.
— Sente-se — diz, sem sorrir.
Obedeço.
— Está se adaptando?
— Estou tentando.
— Tente mais.
Ele serve vinho. Tinto. Envelhecido. Seu olhar percorre meu rosto, meus ombros, a curva do colo exposta.
— Em uma semana — ele diz, cortando o filé com precisão — haverá um jantar aqui em casa. Estarão aqui meus tios, primos, sobrinhos… e minha avó.
— Sua família?
— Parte dela. A parte que importa.
Você será apresentada como minha namorada.
Meu coração falha uma batida.
— Mas… como vou me portar? O que vou dizer?
— Você não vai dizer. Vai ouvir. Vai sorrir. Vai segurar meu braço com delicadeza. E, se eu encostar em você, vai permitir.
— E se eu falhar?
Ele apoia o garfo e a faca com um ruído suave no prato. Depois, inclina-se levemente, olhos fixos nos meus.
— Não vai.
Silêncio.
O jantar segue. E eu percebo: ele não está me preparando para um papel. Está me moldando como uma extensão dele mesmo.
Como uma mulher criada não para amar… Mas para servir de fachada. Uma máscara bela o suficiente para esconder o monstro por trás.
Mas e se a máscara aprender a morder?
Os dias não passam. Eles escorrem, lentos, escuros, perfumados com algo que parece veneno em frasco de cristal.
Acordo às sete.
Vestidos perfeitos me esperam no closet, como se alguém tivesse lido meus sonhos mais secretos e distorcido tudo. Tomo café sob silêncio absoluto.
Às dez, Clarisse chega como um castigo de salto alto e sorriso falso. Ela corrige meu andar, minha postura, até meu tom de voz.
— Seu “r” é muito solto. Refine.
À tarde, leio. Ou finjo que leio. Os livros agora variam entre história da arte, filosofia, roteiros de conversação para jantares de elite.
Mas nenhum deles ensina como se sobrevive ao olhar de Gael.
Porque ele está sempre lá. Mesmo quando não aparece, eu o sinto. Câmeras escondidas. Presença pesada no corredor. Perfume que invade o ambiente cinco minutos antes de ele entrar.
Na primeira noite, ele apenas me observou. Na segunda, me serviu o vinho com as próprias mãos. Na terceira, tocou minha nuca ao passar atrás de mim.
É calculado. Quase cruel.
Como se ele soubesse exatamente o que cada gesto arranca de mim. Como se estivesse me moldando aos poucos, com precisão de relojoeiro.
E talvez esteja.
Na quarta noite, durante o jantar, ele fala pouco. Mas quando o faz, suas palavras carregam ferro e fogo.
— Amanhã faremos uma simulação do jantar. Quero ver como você se sai em público. Vão estar presentes Javier, minha irmã, e dois dos meus homens.
— Simulação?
— Uma encenação. Uma farsa. Assim como você.
Sinto o golpe. Mas não reajo.
— Você sabe o que sua presença significa, Luna?
— Que estou fingindo ser sua namorada.
— Errado.
Ele me encara, os olhos tão escuros que parecem absorver a luz.
— Você é a isca perfeita. O objeto de distração. O laço que ninguém espera. E, ao mesmo tempo, a arma que escondo sob a mesa.
Mas para funcionar... precisa parecer autêntica.
Ele se inclina, devagar. Pega minha taça, bebe dela, os olhos presos aos meus.
— E quando todos acreditarem que você é minha, não vai mais haver volta. Nem pra você. Nem pra mim.
Meu coração tropeça dentro do peito. Quero perguntar o que ele quis dizer com aquilo. Mas sei que perguntas demais têm custo. E aqui, tudo tem custo.
Depois do jantar, volto ao quarto. Marina já deixou sobre a cama um vestido branco e um par de brincos de safiras — provavelmente para a tal simulação.
Ao lado dele, há um par de brincos de safira. E um bilhete: “Seja linda. Seja minha.”
Não está assinado. Não precisa.
Seguro o papel entre os dedos, o coração batendo no pescoço.
Ele não precisa gritar para ser ameaçador. Não precisa bater para quebrar. Gael Herrera reconstrói o medo com beleza. E transforma desejo em obediência.
Mas o que ele não sabe… é que estou aprendendo com ele. Observando cada palavra, cada regra, cada fissura na armadura que tenta usar como segunda pele.
E no fundo, bem no fundo, uma parte sombria de mim está começando a se perguntar: E se eu gostar desse jogo?
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Atualizado até capítulo 42
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